Por Felipe Siqueira
Nascida na Sérvia e radicada no Brasil, Tijana Jankovic explica que “comunicação é a grande palavra do século”
Imagine o seguinte cenário: duas pessoas com habilidades profissionais focadas em aspectos diferentes. Uma sabe executar as técnicas do trabalho (hard skills) muito bem, mas nunca se preocupou em desenvolver uma comunicação interpessoal de qualidade; a outra tem deficiências em relação aos aspectos práticos da função, mas sempre se destacou pelas habilidades comportamentais (soft skills). Ao longo do tempo, quem terá, provavelmente, uma janela maior de oportunidades para crescer na carreira?
Para a CEO do Rappi no Brasil, Tijana Jankovic, a segunda, que tem soft skills mais aguçadas, sairá na frente. Ela comenta que, quanto mais o profissional avança na carreira, mais as habilidades comportamentais vão falar mais alto. Isso porque, segundo ela, ninguém é insubstituível tecnicamente. E, mesmo que seja o caso, essa realidade será extremamente temporária, porque as demandas mudam ao longo do tempo.
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Já para a parte comportamental, as habilidades em saber se comunicar, ter empatia, conseguir estruturar raciocínios e ter humildade, principalmente para cargos de liderança, os chamados C-Level, são essenciais para que um chefe consiga comandar uma equipe e – tão importante quanto – fazer com que esse time entregue resultados.
Tijana, que nasceu na Sérvia, vive no Brasil há quase dez anos. Atua no Rappi desde agosto de 2020. Anteriormente, trabalhou no Google, Uber e BNP Paribas. Presente no Brasil desde 2017, o Rappi atende 100 cidades do País. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o balanço entre soft skills e hard skills para um profissional crescer na carreira?
Para atingir a alta liderança, virar um executivo de referência e pretender cargos de presidência ou vice-presidência dentro de empresas, ambos os lados são necessários: a capacidade técnica e as soft skills. Mas, quando olhamos para o início de carreira, profissionais que têm o lado técnico muito forte, mas com soft skills menos desenvolvidas estão em desvantagem na comparação com alguém que tenha falhas técnicas, mas que tem soft skills bem trabalhadas. Nenhum dos dois profissionais (que ficam devendo em algum dos lados) deverá chegar, normalmente, em um cargo extremamente alto (por não terem as duas partes desenvolvidas). Mas, entre eles, o segundo exemplo, com habilidades comportamentais mais bem trabalhadas, vai chegar mais longe. O profissional pode aprender as soft skills e chegar a um nível extremamente alto. Agora, se não prestar atenção nisso desde cedo, não vai chegar tão alto quanto gostaria e verá outras pessoas, que tecnicamente são mais fracas, ultrapassá-lo nessa jornada.
Como essa desvantagem pode aparecer na carreira de alguém que foque apenas a parte técnica?
É muito difícil não ter uma possível substituição na parte técnica. O acesso à informação, à educação e a treinamentos e aperfeiçoamentos é muito amplo. Portanto, o seu aspecto de conhecimento técnico, no máximo, é temporário. E, muitas vezes, não existe mais. E, mesmo que você seja, de alguma forma, insubstituível tecnicamente, isso vai durar por pouco tempo, até que o mercado se ajuste e existam outros profissionais com esse conhecimento técnico. As hard skills são o mínimo necessário. Mas não o destino final.
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E quais são as habilidades comportamentais (soft skills) essenciais para um profissional?
A primeira é a comunicação estruturada. Conseguir desenvolver argumentos, de forma assertiva e didática no formato adequado ao público. É necessário entender para quem você está falando. A segunda coisa é ter empatia. Antigamente, não ter empatia desenvolvida não era impeditivo para você virar líder. Hoje, sim. Empatia não quer dizer só ter compreensão. Não é apenas entender que alguém possa ter dificuldades em se expressar, em se relacionar, e tentar ajudar essa pessoa. Isso é o mínimo. O mais difícil da empatia, que é um curso eterno de aprendizagem, é a capacidade de absorver, entender e se aproveitar de pontos de vista completamente diferentes dos seus. Os líderes precisam ter empatia para entender que as pessoas pensam diferente, têm um background (história de vida) diferente e tomam decisões diferentes. Consequentemente, o jeito de resolver problemas não vai seguir o padrão. É preciso conseguir não só entender, mas também apoiar para que o fluxo de opinião seja o motor de inovação e de gerenciamento de benefício da empresa. A terceira é a humildade. O CEO de uma empresa vai ter de aprender todos os dias com várias pessoas, como funcionários de posição júnior. Então, você não vai saber tudo melhor que todo mundo. Esse padrão organizacional foi superado.
Tudo isso permeia a necessidade de se ter uma boa comunicação?
Sim. Acho que comunicação é a grande palavra do século.
1000%. Acho que isso acontece com muita frequência. Esse é o caso extremo do que estamos falando por aqui. Pensamos em uma pessoa apenas técnica, que não consegue avançar na carreira, mas, obviamente, a ponta extrema seria ela não conseguir nem manter a própria posição atual.
E no seu caso particularmente? Como você equilibrou esses dois lados?
Fiz um colégio muito específico, onde a gente estudava ciências sociais, matemática, física e química, com muita profundidade em informática e programação. Fiz uma faculdade de referência em economia, na Itália, muito focado em hard skills. Também fiz um mestrado em matemática. Mas, se você me perguntar “qual é a parte da minha educação que eu acho que mais uso, que é mais relevante para minha carreira, desde o primeiro dia até hoje”, diria o seguinte: infelizmente, boa parte do que aprendi nesses cursos fantásticos técnicos eu esqueci. Talvez, eu use 10% – ou menos. Devo ter aprendido a pensar de forma lógica, o que deve estar ajudando implicitamente, mas, concretamente, uso muito pouco.
E o que é relevante?
O determinante para minha trajetória profissional foi o fato de ter vivido em seis países diferentes e, consequentemente, ter ficado fluente nessas línguas. E, por muitas vezes, fiz parte de grupos de debates. Porque essa questão de línguas e de experiências culturais muito diferentes contribui de uma forma extremamente significativa a essa pluralidade de pontos de vista, essa flexibilidade e essa sensibilidade em relação a quem está à nossa frente. E não estou querendo dizer que faculdade não seja importante. Mas as experiências culturais, com pessoas diferentes, acentuam a comunicação, o que é algo que eu considero realmente muito (muito) benéfico. E isso não precisa nem ser feito necessariamente viajando o mundo. No Brasil, um País diverso, é possível circular em diferentes ambientes.