O peso da inflação e do desemprego na eleição
Valor Econômico – O comportamento da inflação e a evolução do mercado de trabalho deverão ter um grande peso na eleição deste ano, como costuma ocorrer em todos os pleitos presidenciais. Com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subindo mais de 11% em 12 meses e uma taxa de desemprego acima de 11%, a economia é hoje o grande calcanhar de aquiles do presidente Jair Bolsonaro, num cenário em que o pior da pandemia, tudo indica, ficou para trás, deixando em segundo plano a gestão desastrosa da crise sanitária pelo governo. Para tentar contrabalançar o quadro negativo na economia, a administração de Bolsonaro aposta em medidas como o aumento do valor do Auxílio Brasil para R$ 400, a liberação de R$ 1 mil das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), um pacote de crédito para a população de baixa e a antecipação do 13º para aposentados. São iniciativas que podem dar algum alívio, mas não devem ser suficientes para compensar a situação econômica delicada. A combinação de inflação alta e mercado de trabalho fraco tende a se manter ao longo do ano, afetando a popularidade de Bolsonaro. O IPCA deve fechar o ano em um dígito, mas ainda num nível alto, na casa de 7,5% a 8%, muito acima da meta perseguida pelo Banco Central em 2022, de 3,5%. O desemprego deve cair um pouco, mas tende a seguir acima de 10%. Percepção sobre a situação da economia deve seguir negativa A inflação faz estragos na imagem do presidente. Depois de fechar 2021 em 10,06%, o IPCA acumulado em 12 meses até março ficou em 11,3%. Em pesquisa do Datafolha de março, 75% dos entrevistados disseram que o governo tem responsabilidade pela alta da inflação. Um exemplo que evidencia a corrosão da renda pela inflação é comparar o salário mínimo com os preços da cesta básica, como gosta de fazer Fernando Montero, ex-secretário-adjunto de Política Econômica do antigo Ministério da Fazenda, hoje na corretora Tullett Prebon. Em novembro do ano passado, a cesta básica em São Paulo estava R$ 8,50 mais cara que o salário mínimo de R$ 1.100. Já em janeiro deste ano, com o aumento de 10,2% do piso salarial, o valor do mínimo passou a ser suficiente para comprar uma cesta básica e sobrar R$ 112,02. Com isso, a reposição da inflação de 2021 deu algum refresco a quem recebe o piso, o que pode ajudar a explicar em parte a recuperação da popularidade de Bolsonaro nos primeiros meses deste ano, aliado ao valor do Auxílio Brasil de R$ 400. No entanto, a alta da inflação de alimentos, impulsionada pela disparada das commodities devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, voltou a corroer o poder de compra de quem tem o rendimento atrelado ao mínimo. Em março, o salário mínimo já estava apenas R$ 74,80 maior do que a cesta básica em São Paulo, que subiu 3,35% no mês passado. Montero observa que, nos últimos dois anos, o valor disponível do piso salarial depois da aquisição da cesta encolheu R$ 172,10 – em março de 2020, sobravam R$ 246,90. No mês anterior, imediatamente antes da pandemia da covid-19, o salário mínimo comprava uma cesta básica e restavam R$ 258,49. Segundo ele, a administração Bolsonaro deve ser a primeira na era do Plano Real a deixar um salário mínimo inferior em termos reais (descontada a inflação) ao registrado no momento em que assumiu o governo. “Falamos da média anual, que é a que interessa às pessoas na vida real”, diz Montero. Segundo ele, isso resulta do fato de que o salário mínimo não teve aumentos acima da inflação, por uma questão fiscal, e da aceleração dos índices de preços, “o que erode o valor real do piso, mesmo quando indexado à inflação passada”. Montero afirma que essa constatação pode ter atenuantes – como o fato de o Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família, atingir um público maior e o valor do benefício ser mais elevado – e também motivos – como a necessidade de ajuste fiscal, que limitou os reajustes à variação passada de preços, além do efeito da pandemia e do impacto da inflação globla. “Mas esse é um slide [o da trajetória do piso salarial] que fica faltando nas apresentações oficiais”, diz Montero – em resumo, não é algo de que o governo possa se vangloriar. Ele estima que o salário mínimo de 2022 deverá ter uma perda de 2% em termos reais em relação ao valor de 2018, considerando as projeções para o IPCA. Um outro sinal claro de que a economia é uma das grandes fragilidades de Bolsonaro é o chamado índice de miséria, composto pela soma da taxa de desemprego com ajuste sazonal e o IPCA acumulado em 12 meses. O indicador calculado pela MB Associados ficou em 21,9 pontos em fevereiro (data da divulgação mais recente pelo IBGE de dados do mercado de trabalho), combinação com arredondamento de uma inflação de 10,5% em 12 meses e uma taxa de desocupação de 11,3%. É um número elevado e que deve subir para 23,1 pontos em abril, nas estimativas de Sergio Vale, economista-chefe da MB. “O número ainda está acima do pior momento do governo Dilma Rousseff”, observa ele, ponderando que o indicador deve cair até o fim do ano, especialmente por causa da esperada queda da inflação. “Ainda assim, vai ser um nível historicamente elevado”, afirma Vale, para quem o índice de miséria deve terminar o ano em 18,6 pontos, soma de uma IPCA de 7,8% e de uma taxa de desemprego de 10,8%. No pior momento do governo Dilma, o indicador atingiu 20,6 pontos, em janeiro de 2016, quando o IPCA em 12 meses somava 10,7% e o desemprego estava em 9,9%. O índice de miséria é uma simplicação, cujo objetivo é dar uma ideia da sensação de bem estar na economia, combinando a evolução do custo de vida com um indicador importante do mercado de trabalho. Para combater a inflação elevada, os juros,
Olhar para a frente – editorial
Folha de S.Paulo – A avaliação diligente de reformas institucionais requer comparar o quadro que sucede a sua implantação com situações, por vezes hipotéticas, em que tais reformas não existissem. Esse método, consagrado na ciência, permite estimar se houve efeito e, em caso afirmativo, qual terá sido a sua dimensão. A política não raro atropela esses protocolos. Como o desemprego e a informalidade mantiveram-se elevados após as alterações de 2017 nas normas trabalhistas, adversários da mudança —como o PT e centrais sindicais— aproveitam-se disso para propugnar pela revogação da reforma. O fato de ter ocorrido nesse período uma reviravolta global e duradoura na sociedade e na economia em razão da pandemia de coronavírus costuma ser menosprezado nessas críticas. Relevam-se também outros fenômenos menos vistosos, como mudanças tecnológicas e nos hábitos de consumo. Os ataques carregados de ignorância, no entanto, podem sair pela culatra, pois uma recuperação cíclica do mercado de trabalho, como a que parece estar em curso, ensejará reações do outro lado, também mal embasadas em evidências, louvando a reforma pela melhora circunstancial dos indicadores. Por trás do barulho produzido na disputa pelo poder, alguns dados permitem enxergar contornos da situação deixada pela reforma. A modalidade intermitente de trabalho, introduzida em 2017, respondeu por menos de 5% das contratações em 2021. Dificilmente poderá ser responsabilizada pela “precarização” do emprego usualmente alegada pela crítica sindical. O volume de ações na Justiça do Trabalho reduziu-se logo após a reforma, mesmo antes da pandemia. É possível que o rebalanceamento dos riscos de perder processos desencadeado pela reforma —trabalhadores passaram a arcar com custas em caso de derrota— tenha inibido a litigância excessiva. O imposto sindical encerrado pela reforma, que derramava mais de R$ 3 bilhões anuais nas organizações, nem de longe foi substituído pelas contribuições, que mal ultrapassaram R$ 60 milhões em 2021. Eis uma motivação bastante palpável para o desconforto de sindicatos com o statu quo após 2017. Apesar de flutuações causadas por fatores externos, a altíssima informalidade —que hoje abrange cerca de 40% da população ocupada— permanece o principal problema do mercado de trabalho brasileiro. Atacá-lo com retrocessos ao século 20, porém, não vai resolver. Uma série de custos implicados no emprego com carteira assinada não está associada ao bem-estar dos trabalhadores. Identificá-los com a ajuda da melhor técnica disponível poderá iluminar o caminho da política para reduzi-los.
Projetos de flexibilidade apontam para nova era do trabalho nas empresas
O Estado de S.Paulo – Há duas semanas, o analista de marketing Vittor Luzzo Donato voltou ao trabalho 100% presencial. Num tempo em que praticamente só se fala de modelo híbrido, ele pôde escolher o que melhor se encaixa em sua rotina, morando na região metropolitana de São Paulo. Vai ao escritório da Natura, perto de casa, e deixa o filho no berçário da companhia. Ao menos duas vezes por semana, faz reuniões também presenciais com as demais pessoas da equipe no escritório localizado na capital paulista. Essa flexibilidade integra planos estruturados de novos modos de trabalho adotados por empresas como Natura&Co América Latina, com o Projeto Ressignifica, e Bayer, que lançou o Bayflex. Nada é definitivo, elas ainda estão aprendendo como se faz e contam com o feedback dos colaboradores para que o retorno ao prédio faça sentido. Junto, investem em educação, diálogo e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg para que as novas políticas fluam e se transformem quando necessário. “Vamos testar esse modelo por seis meses, vamos aprender. Fizemos o convite de co-construir essa história”, diz Flávio Pesiguelo, vice-presidente de Pessoas, Cultura e Organização de Natura&Co América Latina. Desde os primeiros meses de pandemia, a organização ouve os funcionários para entender como adaptar o trabalho remoto e, agora, promover o chamado trabalho híbrido. No final do ano passado, uma escuta mais ativa colheu opiniões de 10 mil colaboradores do administrativo para formatar o plano. Quase a totalidade dos respondentes queria voltar, até para conhecer colegas que foram contratados virtualmente e para que estes conhecessem o escritório. Mas não queriam o modelo padrão das 9h às 17h. Os insights levaram à combinação dos três formatos (remoto, híbrido e presencial), que podem ser ajustados conforme a necessidade de cada equipe e pessoa. A empresa convidou alguns funcionários para duas semanas de evento, antes da implementação, a fim de explicar como seria o projeto e coletar novas percepções. “Fizemos um convite aos gestores de estarem com o time no escritório, se fizer sentido estar lá, pelo menos um dia na semana. Existe liberdade de cada um ir no dia que quer, mas pedimos para ter essa coordenação”, comenta Pesiguelo. O desafio, segundo ele, é quando uma mesma equipe se divide em modelos diferentes. “Tem de haver uma reeducação, bons combinados de relação.” Para isso, a Natura disponibilizou um documento de orientações, conta Vittor Donato. “A gente recebeu um PDF e meu time sempre combina agenda em que todos possam estar ou não fazemos reunião. Quando tem interface com outras áreas, entra por call (reunião online), como se estivesse no home office. Se tiver duas presenciais e uma online, não faz sentido.” A Bayer, no caso, se preparou nos últimos meses com novos recursos, conta André Kraide, vice-presidente de Recursos Humanos da companhia no Brasil. “Investimos em equipamento de áudio e vídeo para ter contato visual mesmo com apresentação em outra tela. A gente tem trabalhado parte da diversidade cognitiva, não só demográfica, que estimula distintas maneiras de pensar para se expressar de maneira livre”, diz. Outro investimento foi na comunicação, na educação e nos treinamentos para que o Bayflex, também construído após pesquisa com funcionários, pudesse ser bem incorporado. “Em 17 de dezembro, a gente comunicou como o esquema funcionaria. Incluiu comunicação com líderes, vídeos do (ator e influenciador) Vítor diCastro e plataforma interna de capacitação, em que líderes e colaboradores têm acesso a como funciona.” Em 21 de março, após duas semanas de adaptação, o programa foi oficialmente lançado e, segundo Kraide, o feedback tem sido positivo. “O que tem acontecido é que as pessoas chegam e sentem que faz sentido estar lá. No momento em que isso não é percebido, o diálogo começa de novo.” O executivo conta que a flexibilidade serviu para reforçar a marca empregadora e atrair novos talentos, que chegaram a enviar currículo justamente porque a empresa está trilhando esse caminho. O caso é tendência. Pesquisa da Sodexo apontou que, na hora de considerar um novo emprego, 21% avaliam ser mais importante poder ajustar dias, hora e local de trabalho do que ter benefícios como seguro e subsídio para alimentação (16%). Conexão e culturaContar com a avaliação dos funcionários é o que a Bayer e a Natura têm feito para, se preciso, trocar a roda enquanto o carro anda. Para Marcio Welter, fundador e CEO da Lumen Academy, esse é o melhor caminho, antes e durante a instituição do modelo de trabalho. “Testar sem pensar é um dos maiores problemas de implementação do modelo híbrido. Antes de ir para a efetivação, tem de pensar qual jeito quero que nós, como organização e equipe, nos comportemos, quais rituais criar”, diz. Para ajudar empresas que ainda não sabem por onde começar, a consultoria lançou o Manual de Sobrevivência 2.0 – Trabalho Híbrido Efetivo, que lista 15 práticas importantes para manter o trabalho saudável. As orientações englobam áreas como mentalidade, produtividade e organização. Acesse o documento neste link. Welter elenca, ainda, habilidades necessárias a líderes e colaboradores nesta fase de teste, adaptação e incertezas. “A primeira é a qualidade do sim. A partir disso, a gente tem clareza do que quer e quando tem clareza se comunica melhor, conecta melhor, alinha melhor e cobra de melhor”, explica. Outro ponto é gerar impacto, que resulta da conexão entre as pessoas. Por fim, ele indica a disciplina na execução. “Tem muita gente que quando implementa trabalho híbrido se esquece de fazer calibragem e depois diz que deu errado. Você tem de olhar e, se começar a dar errado, pode recalibrar e mudar rápido.” Segundo Welter, educar e treinar os funcionários, disponibilizando material sobre os novos formatos, é essencial, tanto para manter as relações interpessoais como orientar no uso de ferramentas de comunicação. Mas, antes de comunicar, ele diz que o principal é ter conexão para que a mensagem seja interpretada corretamente. E, ao longo do processo, manter o alinhamento do que foi combinado. O ideal é que todo o programa reflita a cultura organizacional das empresas. “Sempre teve na Bayer essa busca por mais