Empresas de fiança criam mercado paralelo para garantir licitações
O Estado de S.Paulo – 01/11/2021 – A falta de controle no setor público criou um mercado paralelo de empresas que vendem fianças para licitações. Muitas delas usam o termo “bank” no nome, mas não têm autorização do Banco Central (BC) ou da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para atuar, o que contraria a legislação. Documentos públicos mostram inconsistências das companhias, que informam capital milionário. Durante três meses, o Estadão identificou oito empresas que usam o termo inglês “bank” e, embora tenham negociado fianças para contratos do governo, não são reconhecidas pelo BC. O mercado paralelo de fianças emergiu quando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid investigou a compra da vacina indiana Covaxin, intermediada pela Precisa Medicamentos. Os senadores descobriram que, em março, o Ministério da Saúde aceitou uma garantia de R$ 80,7 milhões da empresa FIB Bank, que, apesar do nome, não é um banco nem é reconhecida pelo BC ou pela Susep. Os sócios, no papel, são um representante comercial e um homem já morto. As empresas analisadas pela reportagem apresentaram garantias financeiras que valem até 2024 para contratos do setor público, com fianças que chegam a R$ 10 milhões. São esses dados que asseguram o ressarcimento aos cofres públicos, caso uma empresa não cumpra com suas obrigações. Documentos entregues à Junta Comercial de São Paulo (Jucesp), no entanto, mostram incongruências nesses “banks”. Sem contar o FIB, que se tornou alvo da CPI, a lista inclui Maxximus Bank, Garantia Bank, BMB Bank, Capital Merchant Bank, Analysisbank, Alpha Bank, Profit Bank e Infinite Bank. Em março, por exemplo, o Maxximus afiançou um contrato da prefeitura de Piúma (ES) com a Pré-Sal Petróleo, empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Pelos papéis, até 28 de janeiro de 2024 está em vigor uma garantia de R$ 131 mil. Desde setembro de 2019, o “bank” é controlado por Ari de Oliveira Viana, que informou à Junta Comercial patrimônio de R$ 716 milhões. O empresário disse que aproximadamente 90% desse valor está amparado em títulos emitidos em 1936 – quando a moeda do País era réis –, atualizados monetariamente até setembro. Morador da periferia de Guarulhos, Viana também é diretor financeiro e comercial do Analysisbank, com salário “de até R$ 2 mil”, segundo o Diário Oficial do Estado de São Paulo. Após sete mudanças de endereço desde o início de suas operações, o Maxximus hoje tem sede no centro de Bauru (SP), tirou o “bank” do nome e agora se chama “afiançadora”. Em 2017, quando emitiu uma fiança de R$ 10 milhões a uma obra da Universidade Federal Rural de Pernambuco, seu patrimônio era de R$ 66 milhões, composto por “títulos federais” emitidos na década de 1970 e corrigidos. PatrimônioA atualização monetária de títulos também foi usada pela Garantia Bank para justificar seu patrimônio. A companhia, que hoje se chama Garantia Afiançadora, informou à Junta Comercial ter R$ 46 milhões em títulos da Eletrobras e da Vale do Rio Doce, emitidos na década de 1960. A advogada da empresa, Valéria Coppola, afirmou que a intenção dos fundadores ao nomear a Garantia como “bank” era relacioná-la a balcão de negócios, e não a banco. “A empresa nunca se autodenominou banco, pois não se trata de instituição financeira, que precisaria de autorização do BC para operar. Nunca se intitulou como tal perante clientes, e sim como afiançadora”, disse ela ao Estadão. “Quanto à validade, se (os títulos) estão prescritos ou não, cabe ao Judiciário avaliar esse lastro e só teremos essa certeza após decisão judicial transitada em julgado, o que não é o caso.” Sem bensOutro “bank” que tentou prestar garantias em contratos públicos foi o Capital Merchant. Aberto em maio de 1984, era sediado em área nobre da capital paulista – um prédio na Rua Baronesa de Itu, em Higienópolis. O patrimônio da época somava 12 milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 110 mil em valores atualizados. Em dezembro de 2010, na terceira alteração contratual, o capital declarado aumentou mais de 1.300 vezes e passou a ser de R$ 45,6 milhões. Mas o proprietário de um imóvel que teve o contrato avalizado pela empresa, alguns anos depois, não conseguiu encontrar nenhum bem em nome do Capital ao tentar cobrar uma garantia. Com patrimônio composto por “títulos” da Vale do Rio Doce, o BMB Merchant Bank também foi levado à Justiça. Em 2016, os sócios foram denunciados pelo Ministério Público Federal, que pediu 20 anos de prisão para os três acusados. Um deles disse, em depoimento, que a empresa emitiu mais de 500 fianças para contratos de repartições como Ministério da Justiça e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). À Receita Federal, o BMB informou ter capital social de R$ 10,9 milhões. A inscrição da empresa continua ativa no Fisco. Os sócios foram absolvidos em maio de 2019 pela juíza substituta Pollyanna Kelly Medeiros Martins Alves, da Justiça Federal de Brasília, porque as acusações não constituíam infração penal, ou seja, embora os fatos tenham ocorrido, não se enquadravam em crime tipificado na lei. A juíza é a mesma que, recentemente, rejeitou denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio de Atibaia. Autor da denúncia contra os sócios do BMB, o procurador da República Hebert Mesquita disse que quem recorre ao mercado paralelo para contratar pessoas jurídicas sem idoneidade promove concorrência desleal. “O preço da proposta na licitação vai ser mais baixo. Ela (a fornecedora) não vai embutir no custo o valor da fiança bancária que está sendo exigida no edital”, afirmou Mesquita. ‘Fraude’O advogado Mateus da Cruz, sócio do escritório Dias Lima e Cruz Advogados, destacou que a lei de licitações admite como garantias em contratos públicos a caução em dinheiro ou em títulos públicos do Tesouro, além de um seguro ou uma fiança de instituição bancária. “Não é qualquer empresa que pode prestar esse tipo de garantia. Se uma empresa inidônea está emitindo garantia para contratos públicos, há uma fraude.” Além do BMB, a reportagem também procurou, por e-mail e por telefone, os responsáveis pelas empresas
Fontes de receita, eventos em SP voltam com restrições
O Estado de S.Paulo – 30/10/2021 – Eventos com grande público e de forte impacto para a economia de São Paulo começaram a voltar a partir de agosto, mas os principais estão agendados para esse fim de ano. Em novembro e dezembro vão ocorrer 36 eventos só na capital paulista, de feiras e congressos a festividades como Oktoberfest e uma inédita vila de Natal. A partir do dia 1º, as normas de restrição para controle da covid-19 serão afrouxadas, mas regras básicas como uso de máscara e distanciamento estão mantidas. Em todos os eventos serão também exigidos atestados de vacina ou teste feito nas últimas 48 horas. No ano passado, com todos os eventos suspensos por causa da pandemia, o Estado perdeu receita de R$ 7,3 bilhões só com despesas de hospedagem e lazer de participantes de feiras de negócios e R$ 670 milhões com o adiamento do GP de Fórmula 1. O Grande Prêmio de Interlagos, de 12 a 14 de novembro, volta sem restrição de público e os ingressos, com preços a partir de R$ 325, estão praticamente esgotados, segundo os organizadores. A previsão é de número superior ao de espectadores na corrida de 2019, que levou cerca de 150 mil pessoas ao autódromo. O impacto econômico também deve ser maior e 8,5 mil empregos temporários serão gerados. A Oktoberfest, a Campus Party e a Villa de Natal São Paulo, como é chamada, vão precisar, juntos, de 6 mil funcionários. “A retomada de eventos se faz necessária pelo que representa para a economia”, afirma Walter Cavalheiro Filho, fundador e organizador da São Paulo Oktoberfest. Segundo ele, há uma demanda reprimida entre as pessoas após ficarem um ano e oito meses sem entretenimento”. A menos de 30 dias do evento, já foram vendidos 29 mil ingressos, a preços que vão de R$ 45 a R$ 180. De acordo com Cavalheiro, o evento vai gerar 1,5 mil empregos e abrirá espaço para mais de 200 micro e pequenos empresários exporem e venderem seus produtos. Em sua quarta edição, a Oktoberfest será realizada em uma área de 22 mil metros quadrados na zona sul da capital paulista e terá limite de 6 mil pessoas a cada dia, embora o alvará permita até 15 mil. Será realizado de 25 de novembro a 12 de dezembro (sempre de quinta-feira a domingo). Desde a primeira edição, a versão paulistana da tradicional festa de Munique, na Alemanha – que não será realizada pelo segundo ano seguido por causa da pandemia -, dobrou seu público, de 49 mil pessoas em 2017 para 102 mil em 2019. Como este ano haverá controle, são esperados 72 mil participantes. O investimento este ano soma R$ 22 milhões, ante R$ 16 milhões em 2019. Já anunciaram patrocínio a Ambev, Aurora, Cepera, Grupo Vamos, Movida e CBCA (Companhia Brasileira de Cervejas Artesanais). Bar nas alturasEntre as novidades da Vila Alemã que será montada no espaço está o “bar nas alturas”. Uma estrutura com mesas e cadeiras com capacidade para 16 pessoas será elevada a 60 metros de altura por um guindaste, possibilitando ampla visão da região no entorno. Também haverá comidas e danças típicas, cervejas especiais e shows de Tiago Abravanel e Paulo Ricardo, entre outros. São Paulo ganha um evento inédito neste ano, inspirado em celebrações natalinas de cidades europeias. A Villa de Natal levará ao Parque Villa Lobos a casa do Papai Noel, a cabana da Mamãe Noel e uma árvore de Natal com 65 metros de altura. A do Parque Ibirapuera costuma ter 42 metros. A área de 22 mil metros quadrados também terá pista de patinação ecológica, vários brinquedos para as crianças, Aldeia Gastronômica e feira de artesanatos. Ficará aberta de 10 de dezembro a 6 de janeiro. Foram vendidos até agora 21 mil ingressos, que custam entre R$ 20 e R$ 40. “Depois de tudo o que vivemos nesses quase dois anos, o público quer um pouco mais de um evento; ele vem em busca de uma experiência e a Villa de Natal vem nessa retomada dos grandes eventos”, afirma Soraia Carrasco, presidente da Live Now, organizadora da festa. Após visitar vários países para conhecer as tradições locais, Soraia, que é arquiteta, trabalhou por dois anos no projeto que terá entre os patrocinadores uma gigante da alimentação e uma montadora, mas ela ainda não pode revelar nomes nem investimentos. “A ideia é resgatar a magia do Natal, que no ano passado não foi do jeito que costuma ser, de encontro das famílias”, diz Soraia, que pretende tornar a Villa um acontecimento anual. Eventos canceladosEm pesquisa feita no início do segundo semestre pela Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo foi identificado que metade dos eventos previstos para janeiro a junho foram cancelados, a maioria de cunho cultural. Entre as feiras, 16,6% não foram realizadas e as demais foram remarcadas para o segundo semestre, gerando uma concentração para este fim de ano. Organizadores da Campus Party optaram por uma edição híbrida. Nos dias 11 e 12 de novembro a programação será virtual, e nos dias 13 e 15 o Centro de Eventos do Anhembi estará aberto ao público que quiser comparecer pessoalmente. Serão vendidos apenas 3 mil ingressos para essa 13º edição, e só 700 pessoas poderão acampar no local. Até 2019, o maior evento de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg do País recebeu, em média, 12 mil pessoas na área fechada e mais de 100 mil no espaço aberto. O evento gera 3 mil empregos temporários. O ano vai terminar com a volta da também tradicional Corrida São Silvestre, no dia 31.
Governo proíbe empresas de demitir funcionários não vacinados contra a covid-19
O Estado de S.Paulo – 01/11/2021 – Com a retomada gradual do retorno presencial ao trabalho no País, por causa do avanço da vacinação anticovid, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, editou uma portaria para proibir os empregadores de exigirem o certificado de vacinação de seus funcionários ou de impor o documento como obrigatório nos processos de seleção para contratação de pessoal. Pela portaria, as empresas também não poderão demitir por justa causa aquelas pessoas que se recusarem a apresentar o cartão da vacina. Se o fizerem, terão de reintegrar ou ressarcir os demitidos. O ato põe em prática a posição do presidente Jair Bolsonaro, que é contrário à vacinação anticovid obrigatória e ao cartão de vacinação como passaporte de entrada e saída das pessoas em diferentes lugares e estabelecimentos. Em postagem no Twitter, o ministro Onyx disse que “ameaçar de demissão, demitir, ou não contratar por exigência de certificado de vacinação é absurdo”. Ele também destacou em vídeo publicado na mensagem que a não apresentação de cartão de vacinação contra qualquer enfermidade não está inscrita nem na Constituição nem na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como motivo de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. No vídeo, ele aparece assinando a portaria, publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na tarde desta segunda-feira, 1º. “Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez”, diz a norma. “Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação”, acrescenta. Em vez de punir os não vacinados ou os que resistirem a se imunizar, a portaria diz que o empregador deve estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da covid-19, além de desenvolver políticas de incentivo à vacinação de seus trabalhadores e de testagem periódica. Se houver rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, determina a portaria, o empregado terá direito à reparação pelo dano moral e a empresa, por sua vez, poderá optar entre “a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais” ou “a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais”. Para Valton Pessoa, sócio-presidente do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados, a portaria é inconstitucional. “O texto não pode criar direitos ou obrigações para particulares. Isso é papel do Congresso, responsável por fazer as leis e impor obrigações e penalidades. Só excepcionalmente uma medida provisória poderia editar algo nesse gênero, mas este caso concreto não se adequaria porque não há urgência”, afirmou. Segundo ele, as empresas devem recorrer da orientação da portaria na Justiça porque a portaria está impedindo um ambiente de trabalho seguro ao empregado, que tem esse direito. Em julho, a Justiça confirmou, em segunda instância, a demissão por justa causa de empregado que se recusou a se vacinar contra a covid-19. A decisão foi do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, contra uma auxiliar de limpeza hospitalar que recusou a imunização. O entendimento do órgão foi de que o interesse particular do empregado não pode prevalecer sobre o coletivo. Foi a primeira decisão no País nesse sentido, segundo advogados especialistas nesse tipo de ação. Antes, em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já tinha orientado que os trabalhadores que se recusassem a tomar vacina contra a covid-19 sem apresentar razões médicas documentadas poderiam ser demitidos por justa causa. O entendimento do MPT é que as empresas precisam investir em conscientização e negociar com seus funcionários, mas que a mera recusa individual e injustificada à imunização não poderá colocar em risco a saúde dos demais empregados.
Desemprego dobra e ‘inflação dos pobres’ dispara 40% na pandemia
Folha de S.Paulo – 30/10/2021 – A inflação oficial pouco acima de 10% em 12 meses mascara reajustes equivalentes ao dobro disso no principal grupo de produtos consumidos pelos mais pobres, os alimentos. No período, eles subiram cerca de 20% —e quase 40% desde o início da pandemia. O forte aumento no período agravou um cenário de disparada do desemprego na metade mais pobre do país. De 2014 a 2019, a desocupação nessa parcela da população quase dobrou (para 21%); e voltou a subir mais 8,5 pontos percentuais na pandemia. O resultado da combinação de alimentos e desemprego em alta é a queda aguda do poder aquisitivo dos mais pobres, com o aumento da fome e da miséria no Brasil. Segundo especialistas, para que os preços se estabilizem ou caiam nos próximos meses, é esperado que a atividade econômica e o emprego sofram ainda mais, repetindo o roteiro a partir de 2015, quando a inflação oficial (IPCA) cedeu de 10,67% naquele ano para 4,31% em 2019. Para que isso ocorresse, no biênio 2015-2016 o PIB brasileiro afundou 7,2%; e o Banco Central elevou a taxa básica de juro (Selic) para 14,25%, praticamente ao dobro da vigente dois anos antes. Desta vez, a elevação dos juros em andamento e a necessidade de esfriar a economia para derrubar a inflação pegam o Brasil bem mais fragilizado —e pobre— do que em 2015. Em 2014, antes do início daquela forte recessão, a taxa de desemprego média calculada pelo IBGE havia sido de 4,8%, o menor nível da série. Em agosto último, era quase o triplo: 13,2%. Nos últimos anos, o aumento da desocupação dilapidou a renda do trabalho. Tomando-se um período mais longo, de dez anos até 2021, o rendimento da metade mais pobre no país retrocedeu 26,2%, segundo dados da FGV Social. Só nos últimos 12 meses, período em que os alimentos dispararam 20%, a renda real familiar per capita do trabalho na metade mais pobre despencou 18%, de R$ 210 mensais para R$ 172. Embora o valor não inclua outras rendas, como o Bolsa Família ou o auxílio emergencial, trata-se do menor patamar para a renda familiar do trabalho em mais de uma década —e num cenário de aceleração inflacionária. Para Andre Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), mesmo o aumento do juro pode ter impacto limitado na inflação caso preços dolarizados, como os de combustíveis, continuem subindo. “A gasolina pode até ser considerada bem de ‘luxo’ para os mais pobres. Mas o diesel [+35% de alta neste ano] é perverso, pois contamina tudo, de hortaliças ao transporte público. Com o dólar em alta, a tendência também é que mais alimentos sejam exportados, pressionando preços aqui”, afirma. A pedido da Folha, Braz separou no IPC da FGV a variação de preços em 12 meses de alimentos de alto consumo entre os mais pobres. A alta média foi de 21,5%. A lista nem incluiu o gás de botijão, que subiu mais de 30% neste ano e 45% desde o início da pandemia —e que muitos pobres deixaram de comprar, passando a usar lenha para cozinhar. Segundo Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), com a disparada nos preços de alguns produtos consumidos pela baixa renda (como o gás em botijão), os índices de preços podem inclusive não estar refletindo com qualidade o comportamento da inflação. “Alguns produtos que fazem parte da coleta de preços simplesmente deixaram de ser consumidos”, afirma. Itens que têm menos peso no índice podem estar sendo mais consumidos agora —e vice-versa. Outro complicador é que o índice de difusão de preços de alimentos, que mostra o percentual de itens aumentando, está em 65% no IPCA, bem acima dos 50% em 2019 —fato que limita dribles na inflação com a troca de produtos. Moreira destaca que o comportamento dos preços dos alimentos tem sido extremamente negativo para os mais pobres. “Existe a falsa impressão de que os mais ricos sofrem tanto quanto os demais. Mas, para uma família muito pobre, 20% a mais no preço da comida significa passar fome”, diz. Segundo estratificação do Datafolha, 57% das famílias brasileiras atravessam o mês com menos de R$ 2.200. Mas a renda é muito menor para os realmente pobres. De acordo com a FGV Social, 27,4 milhões de brasileiros (13% da população; quase uma Venezuela) vivem hoje com menos de R$ 261 ao mês —a maior taxa de miseráveis em uma década. A dinâmica do mercado de trabalho, extremamente negativa para a baixa renda nos anos recentes, também foi bem menos danosa para os mais ricos. Enquanto a taxa de desocupação da metade mais pobre mais que dobrou desde 2014, o desemprego entre os 10% mais ricos passou de 2% para cerca de 3% no período, segundo a FGV Social com base nas PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) anual e trimestral. Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o aumento do desemprego entre os mais pobres nos últimos anos decorreu sobretudo do processo de desinflação pelo qual o Brasil passou entre 2015 e 2019. “O que vimos ali pode ser um trailer do que talvez tenhamos que reviver agora, com mais desemprego ainda, para que a inflação volte a ceder”, afirma. “Infelizmente, desta vez, já sofremos de dois males simultâneos: inflação e desemprego muito elevados.” Braz, do Ibre-FGV, acrescenta que muitos dos mais pobres que perderam vagas na pandemia podem acabar estruturalmente desempregados. “Muitas empresas adotaram permanentemente o home office, eliminando empregos menos qualificados que atendiam os que ganham menos, como faxineiros e porteiros, entre outros.” Segundo a pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Maria Andréia Parente Lameiras, o atual processo de aumento da taxa básica de juro pelo Banco Central tende a ser “muito perverso” para os mais pobres. “Automaticamente, estaremos prejudicando o mercado de trabalho e o crescimento. E os mais pobres e menos qualificados acabarão no fim da fila de uma eventual recuperação.” Segundo