Gestante pode continuar afastada do trabalho durante a pandemia, decide TRT

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Valor Econômico – 18/09/2021 O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas (SP), negou liminar a uma empresa que buscava o retorno de uma trabalhadora grávida às suas atividades. Pela decisão, a remuneração e outros direitos trabalhistas da gestante devem ser mantidos durante o afastamento do trabalho. A empresa questionou, no TRT, sentença da 4ª Vara do Trabalho de Campinas favorável ao afastamento, fundamentado na Lei nº 14.151, de 2021. Pela norma editada em maio pelo governo, a gestante deve ficar afastada do trabalho presencial durante a pandemia da covid-19, “sem prejuízo de sua remuneração”. O juiz trabalhista também determinou, além da manutenção integral do salário, o fornecimento de cesta básica e do tíquete-refeição, inclusive para os meses ainda não quitados. No pedido, a empresa alegou que a quarentena no Estado de São Paulo terminou no dia 17 de agosto, com a edição do Decreto nº 65.897, de 2021. E que tinha o direito de receber os serviços de quem assalaria. Para o empregador, portanto, teria deixado de valer a lei que garante o pagamento da remuneração a gestantes afastadas do trabalho presencial durante a pandemia. Além disso, argumentou que, a permanecer o afastamento, a subsistência da empregada — que trabalha em hospital — deveria ser garantida pela Previdência Social. O caso foi analisado pelo vice-presidente judicial do TRT, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, que afastou os argumentos da empresa. Entendeu que o conceito de quarentena não se confunde com o de pandemia. “A quarentena é uma medida de enfrentamento da emergência da saúde pública. Não equivale ao próprio estado de calamidade decorrente da pandemia. Já por isso, a despeito dos limites temporais do decreto estadual, a Lei nº 14.151/2021 segue surtindo efeitos enquanto ainda não estiver razoavelmente controlada, em território nacional, a pandemia do cor O desembargador concordou ainda que todos os direitos trabalhistas devem ser assegurados durante o afastamento do trabalho presencial. Isso porque a funcionária está potencialmente em serviço e à disposição da empresa (processo nº 0008199-37.2021.5.15.0000). “A empregada-gestante afastada por motivos sanitários ou profiláticos, em razão da pandemia, que não pode exercer a sua função presencialmente (por força do afastamento) ou remotamente (em razão da natureza da atividade), ainda que não presente no estabelecimento, deve ser considerada à disposição do empregador”, disse ele. E completou: “A trabalha

Indústria brasileira vai de 9ª para 14ª no mundo e perderá mais posições

O Estado de S.Paulo – 19/09/2021 Nos últimos 15 anos, a indústria brasileira foi da 9.ª posição, entre as maiores do mundo, para a 14.ª No mesmo período, a participação do País na manufatura global caiu quase pela metade: de 2,2% para 1,3%, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Entre outros problemas, duas crises fortes e sequenciais – a de 2015/2016 (do governo Dilma) e a de 2020 (da pandemia) –, ceifaram empregos, lançamentos, inovação e investimentos, que de tão pequenos foram incapazes de repor a depreciação das fábricas. Com menos força, o valor que adicionam à economia encolheu 1,5% ano após ano, entre 2005 e 2020. Parte considerável dos países emergentes foi na direção oposta, como mostra o amplo estudo do Iedi. Agora, o pós-pandemia tende a agravar a situação, com as nações desenvolvidas trabalhando para levar a indústria de volta a seus territórios. “Em poucos meses, a pandemia criou um pandemônio em toda a cadeia global de produção, logística e comércio”, diz Glauco Arbix, coordenador da área de humanidades do Centro de Inteligência Artificial da USP. “As grandes economias perceberam a importância de ter fábricas perto do consumidor, para depender menos da logística globalizada.” A resposta das grandes potências, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi, foi rápida. A estruturação dos planos de Biden, nos EUA, o de recuperação da União Europeia e o quinquenal de crescimento da China, com ações práticas, detalhadas – e um volume gigantesco de dinheiro –, reforçou o dinamismo econômico do hemisfério Norte, que tende a ganhar musculatura e a dar um novo salto. “Longe geograficamente desse eixo econômico dinâmico, todo o restante do mundo é coadjuvante, inclusive o Brasil e a América Latina”, diz Cagnin. “Nessa nova realidade, ser um mercado potencial não basta: é preciso concretizar e tornar realidade a promessa.” O fechamento de fábricas de multinacionais no País em plena pandemia é um dos sinais dessa mudança de eixo e dessa espécie de “cansaço” – e o reposicionamento das cadeias globais. Para ficar em alguns exemplos, encerraram linhas de montagem no Brasil Ford, Mercedes-Benz, LG e Sony. “A pandemia só reforçou um movimento dos últimos dez anos, de recalibragem do processo tecnológico, que é a essência da indústria 4.0, com a modernização de todas as atividades econômicas”, diz Cagnin. Com a mudança estrutural, dizem os especialistas, o risco é a manufatura brasileira passar de pequena para totalmente irrelevante. Ao se tornar ainda mais suscetível às instabilidades das commodities, o País tende a manter o crescimento pífio e a criar vagas mal remuneradas. “Não menos honrosos, os empregos de baixa qualificação têm salários condizentes com o que produzem”, diz Arbix. “Essa situação condena o Brasil a ser um País de renda média – e à profunda desigualdade.” BásicoApesar de parte dos fabricantes locais tentarem acompanhar a indústria 4.0, nem tudo depende da iniciativa privada. Como em várias outras frentes, faltam políticas de Estado que deem condições para a execução de estratégias. “Qual o sentido de colocar sensores, robôs e inteligência artificial na produção, se a internet ou a energia caem quando chove?”, afirma Cagnin. “Como é possível avançar em direção à sustentabilidade, se é preciso ligar um gerador movido a óleo com a ameaça de falta de energia?” Na prática, além da falta de infraestrutura, a agenda do governo voltada à inovação, produtividade, competitividade e integração internacional também tem tido pouca efetividade. “A Câmara Indústria 4.0, por exemplo, não teve ações efetivas de impacto”, diz Cagnin. “O programa Brasil Mais, para melhorar a produtividade de micro, pequenas e médias empresas, é tímido e não deslancha.” O ambiente de negócios e a redução do custo Brasil continuam travados. Também não há uma estratégia clara e ordenada para a integração internacional. “Esses programas sempre têm muito marketing, mas poderiam oferecer alguma ajuda”, diz Arbix. “Mas com o governo em situação de paralisia e preocupado com a reeleição, o aparato público é desmobilizado e o setor empresarial, que cresceu sob as asas do Estado, mas tem muitos obstáculos, sofre.” Se deixa de ajudar por um lado, o governo prejudica até mesmo em uma das áreas na qual o setor produtivo nacional se modernizou: o financiamento privado. Com a mudança de direcionamento dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que reduziu empréstimos a grandes grupos, as empresas tiveram de aprender a captar recursos no mercado. “Foi um aprendizado, possível quando os juros entraram no lugar e o BNDES saiu: muitas empresas passaram a entender o mercado de dívidas, quem são os agentes, os procedimentos e critérios econômico-financeiros a serem considerados”, afirma Cagnin. “Não é algo que acontece da noite para o dia, principalmente quando a pandemia joga areia no processo.” Após seis anos de ambiente adverso, quando as empresas começaram a avançar, a volatilidade causada pelos ruídos políticos e o maior risco fiscal, ameaça esse caminho. Um banqueiro de investimentos, que pede para não ser identificado, enxerga o próximo ano com empresas fazendo menos ofertas de ações e emitindo mais títulos de dívida, mas sem crescimento da demanda por recursos, por conta de uma alta do PIB quase nula. Além disso, com a Selic e os riscos mais altos, o dinheiro fica mais caro. “É uma trajetória de fôlego curto porque o setor financeiro, para investir e liberar crédito, precisa ter garantia de retorno e previsibilidade – nada que esteja no radar”, diz Arbix. “O Brasil tem exceções, mas suas empresas têm pouco músculo e não conseguem quebrar esse ciclo perverso sozinhas, para a recuperação da confiança.”

Sem peças do exterior, indústria busca aumentar produção local, mas esbarra em custos altos

O Estado de S.Paulo – 19/09/2021 A falta generalizada de produtos importados especialmente da Ásia desde o início da pandemia levou a indústria brasileira ao consenso da necessidade de nacionalizar parte dos itens que vêm de fora do País. Porém, esse movimento, que resultaria em desenvolvimento de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs locais e empregos, encontra dificuldades em se concretizar em razão do cenário de incertezas econômicas e políticas e principalmente pelo fato de que produzir no Brasil continua sendo mais caro do que em vários países. A escassez de máscaras e respiradores na chegada do coronavírus ao Brasil, que depois se estendeu, entre outros, para semicondutores, insumos para a indústria química e peças para automóveis, se agravou ainda mais com o aumento dos preços desses itens e dos fretes, além da indisponibilidade de contêineres e de navios para entregas. O caso dos semicondutores é o mais visível diante dos anúncios de paradas de produção em várias montadoras. Desde o ano passado, diversas entidades de classe criaram grupos envolvendo representantes das cadeias produtivas em que atuam e do governo para discutir a criação de políticas de nacionalização para produtos essenciais ao País. Há grupos de setores como automotivo, químico, calçados e da construção. Ainda não há ações concretas, mas há algumas iniciativas individuais de empresas que tentam escapar da dependência de poucos fornecedores externos. Entre elas está a Thermoval, fabricante de válvulas para as áreas agrícola, automotiva, de energia, saneamento, mineração e alimentos e bebidas, entre outras. O diretor-geral, Rodolfo Garcia, diz que o aumento do custo do frete e do tempo de entrega levou o grupo a desistir de importar peças da China. “Antes o prazo máximo de entrega era de 90 dias e agora chega a 270 dias para alguns itens.” Garcia fez parceria com uma empresa brasileira para a produção de 20% de peças forjados, e ainda importa o restante. Em 2022, a empresa terá linha própria para o processo e fará 100% dos itens em Cravinhos (SP), onde está sua sede. Brasil é pouco competitivo“Houve um repique de substituição de produtos importados no fim de 2020 e início deste ano, mas não teve vida longa”, afirma Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV/Ibre. “O Brasil é pouco competitivo para produzir qualquer coisa e me parece pouco provável, com a estrutura de riscos que temos, que se retome um processo sustentado de substituição de importações”, afirma Ribeiro. Ele lembra que a indústria local vem há muito tempo num processo de redução de tamanho porque a produtividade no País é baixa, o custo de acessórios é alto, a carga de imposto é elevada e o sistema tributário é complexo. “É um País fechado, que agora vai sofrer choques importantes que vão diminuir sua capacidade de produção, como a questão hídrica.” O economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, afirma que, apesar da reversão de expectativas de crescimento da economia, a intenção de investimento por parte generalizada da indústria segue alta desde o início da pandemia. Parte disso, acredita ele, está relacionada à expectativa de internalização de produtos. Em 2019, o índice fechou em 58,1 pontos, subindo para 59,1 ao fim de 2019. Em agosto passado estava em 59 pontos. No momento, contudo, a CNI não consegue dizer se a expectativa de nacionalização está sendo concretizada. “Há muitas coisas atrapalhando essa intenção, pois a pandemia está trazendo um monte de incertezas para investimentos, seja por conta do próprio cenário ou da questão do câmbio”, afirma Azevedo. Outra barreira, ressalta o economista, é a incerteza política e o que isso causa, por exemplo, em relação a trâmites como o da reforma tributária. “Investimento financeiro é um comprometimento de muitos anos e não saber em que sistema tributário se vai operar é mais um problema para a tomada dessa decisão.”

‘Na nova era do conhecimento, bilhões são gerados sem a criação de um único emprego’, diz economista

Folha de S.Paulo – 18/09/2021 O economista Ladislau Dowbor se surpreendeu com o drama financeiro enfrenado por uma amiga. Intelectual, com curso de mestrado, ela pegou R$ 4.000 emprestados de um grande banco de varejo. Até agora, pagou R$ 5.000. Mas ainda está devendo R$ 8.000. O que poderia ser considerado mais um caso de juros abusivos no mercado brasileiro é, na verdade, um indicativo do quão poderoso se tornou o sistema financeiro mundial. Aliado à https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg proporcionada por algoritmos mais precisos e velozes, o mundo das finanças minou o setor produtivo e, consequentemente, o trabalho e a renda, diz Dowbor, professor titular de pós-graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). O que vem agravando a situação do trabalho no mundo é a economia intangível, baseada no conhecimento. “Antes, o enriquecimento dos grandes grupos na indústria ou nos serviços dependia da geração de empregos”, afirma o economista, que já atuou como consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema “S” no Brasil. Recentemente, suas pesquisas giram em torno das dinâmicas do sistema financeiro nacional e internacional. Para fazer sapatos, por exemplo, diz ele, o empresário contratava gente, gerava o produto para a sociedade e pagava impostos ao governo, ficando com o lucro da operação. “Mas na economia imaterial, o enriquecimento não é de quem produz, mas de quem intermedeia o processo”, diz. “O dinheiro que movimenta a economia hoje não é de papel, virou um sinal magnético. Apenas 3% da liquidez vêm das células. Sobre cada operação, existe uma tarifa de 2,5% a 5% paga por todos nós, do rico ao favelado.” Dowbor, cita como exemplo grandes bancos no Brasil que, entre o segundo trimestre de 2020 e o segundo trimestre de 2021, aumentaram seus lucros em mais de 100%. “Isso com a economia parada”. Ele vai além e destaca os 42 brasileiros que entraram na lista de bilionários da revista Forbes, que tem 315 nomes. “Entre 18 de março e 12 de julho de 2020, um período em que a economia estava em crise profunda com a pandemia, estas pessoas acumularam uma fortuna pessoal de US$ 34 bilhões [R$ 180,5 bilhões]. Com isso, seria possível pagar seis anos de Bolsa Família a 50 milhões de pessoas.” São fortunas que se geram sem empregos, com lucros e dividendos que não pagam impostos, diz o economista. A exceção são os empregados do mercado financeiro voltados à gestão de grandes fortunas que, com a ajuda da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, fazem girar este sistema. “Vemos um aumento dramático da desigualdade no mundo, com a concentração cada vez maior de fortunas no topo da pirâmide social”. Enquanto isso, diz, a classe média fica reduzida à “gig economy”, à economia dos bicos, que ganhou impulso na era do conhecimento. “Parte dos R$ 20 que paguei por uma corrida de Uber da Lapa [zona oeste de São Paulo], onde moro, ao centro, vai para os acionistas da empresa nos Estados Unidos”, diz. “Todo este sistema gera fortunas espantosas, são os algoritmos substituindo o trabalhador”, diz ele, autor ou coautor de 45 livros, a maioria acessível gratuitamente em seu site. Uma das obras mais recentes é “O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais” (Edições Sesc), em que aborda a atual transição para outro modo de produção, que deixa para trás a era industrial e inaugura a era do conhecimento. Corporações como a Alphabet, dona do Google, e o Facebook faturam trilhões de dólares cada uma, mais do que o PIB do Brasil, destaca Dowbor. “E elas fazem apenas a intermediação da comunicação. Não pagamos nada para usar seus serviços, mas elas vendem publicidade. Os anunciantes incorporam estes custos ao preço dos seus produtos ou serviços, pelos quais pagamos.” O especialista lembra que, no Brasil, 31,5 milhões estão empregados em regime CLT, enquanto outros 11,8 milhões são funcionários públicos, o que gera um montante de 43,3 milhões de empregos formais. Mas o país soma 35 milhões de empregos informais, cuja renda atinge, em média, a metade da renda de um empregado. “Existe uma enorme subutilização da força de trabalho no Brasil”, diz Dowbor. Além dos informais, o país tem 5,6 milhões de desalentados e 14,4 milhões de desempregados. “São cerca de 55 milhões de pessoas que deveriam estar produzindo e não estão. Ver tantas coisas por fazer e ver tanta gente parada é de uma irracionalidade absurda”, afirma. Em muitos locais na Europa, conta, as cidades são envolvidas por um cinturão verde, que gera empregos e recursos para os municípios, a partir de políticas locais de desenvolvimento integradas à comunidade. Dowbor defende que esta subutilização e estrutural e não se trata mais de um desemprego conjuntural. “É uma piada dizer que o mercado de trabalho se resolve sozinho”, diz. “O nível de desemprego dos jovens de 16 a 29 anos já chega a 31%”, afirma. “Muitos são de classe média e, não por acaso, quase metade deles quer deixar o país, por falta de oportunidades de trabalho.”

Quase 600 mil empresas fecham as portas e dificultam recuperação do emprego

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Folha de S.Paulo – 18/09/2021 Sob efeito da pandemia, o Brasil perdeu quase 600 mil empregadores no intervalo de dois anos, apontam dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua. A situação preocupa especialistas em razão do efeito multiplicador no mercado de trabalho: quando uma empresa fecha as portas, a renda de mais de uma pessoa (chefe e funcionários) é colocada em risco. No segundo trimestre de 2019, antes da crise sanitária, o país tinha 4,369 milhões de empregadores. Foi a maior marca para o intervalo de abril a junho na série histórica, com dados a partir de 2012. A questão é que, devido à pandemia, o número passou a cair em 2020, até atingir 3,788 milhões no segundo trimestre de 2021. O resultado mais recente, se comparado a igual período de 2019, corresponde a uma baixa de 13,3% —ou 581,3 mil empregadores a menos em dois anos. A redução em termos percentuais perdeu apenas para a registrada na categoria dos trabalhadores domésticos, que foi de 18,3%. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é o responsável pela elaboração da Pnad Contínua. A recuperação dos empregadores é considerada fundamental para a abertura de novos postos de trabalho no país. Entre o segundo trimestre de 2019 e igual período de 2021, o número de empregados no setor privado caiu 10,1%, de 44,7 milhões para 40,2 milhões. A redução foi de 4,5 milhões de vagas. “Sabemos o quão burocrática é a tarefa de se estabelecer como empregador no país, porque existem entraves, e vimos uma queda no grupo relacionada à pandemia”, afirma Sergio Firpo, professor de Economia do Insper. “O ponto é que, ao deixar sua atividade, o empregador deixa de empregar alguém. Isso tem um efeito multiplicador na renda dele e de outros trabalhadores.” Especialistas ressaltam que, em períodos de crise, negócios menores costumam ser os mais prejudicados. Na comparação com grandes companhias, empresas com menos funcionários tendem a apresentar uma reserva financeira limitada para resistir a choques como o da Covid-19, e o acesso a crédito também fica mais difícil.Depois de empregados domésticos, grupo de empregadores foi o que mais declinou nos últimos dois anosMicrodados da Pnad levantados pela Folha ilustram essa tendência. Os empreendedores de menor porte, mais numerosos no país, puxaram a perda de negócios durante a pandemia. No segundo trimestre de 2019, o Brasil tinha 3,198 milhões de empregadores com um a cinco empregados. Eles representavam 73,2% do total à época. Em igual período de 2021, o número caiu para 2,731 milhões (72,1% do total). Isso significa que, dos 581,3 mil empregadores perdidos no intervalo, 467,4 mil (ou 80,4%) tinham de um a cinco empregados. “Há um efeito dominó. O fechamento de uma empresa acaba se refletindo não apenas no empregador, mas também nas outras pessoas que dependem daquele negócio”, afirma Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados. Antes da crise da Covid-19, Caio Matos, 35, comandava três restaurantes em shoppings de São Paulo, Atibaia (SP) e Pouso Alegre (MG). Com os negócios paralisados pelas restrições na pandemia, decidiu fechar as unidades em junho do ano passado. Os restaurantes somavam 18 empregados. “A situação ficou muito delicada, até porque eram lojas em shoppings. Tinha acabado de montar uma das unidades. Sentei com minha esposa, decidimos fechar, pagar os direitos dos funcionários e tentar nos recolocar no mercado de trabalho”, diz. Matos teve de mudar de área de atuação e, para seu alívio, conseguiu uma recolocação rápida. Ele lembra que, ainda em junho de 2020, recebeu um convite de um conhecido para trabalhar no setor comercial de uma empresa do ramo de energia fotovoltaica de Pouso Alegre. Após aceitar a proposta, fez cursos para se adaptar à nova função. Matos conta que conseguiu pagar dívidas e que está feliz com o novo trabalho. Por ora, não planeja voltar a ser empregador. “Pretendo continuar por um bom tempo no trabalho em que estou”, diz. Especialistas ressaltam que a retomada no número de empregadores –que, por sua vez, puxará a de empregados– depende de uma reação mais firme da economia como um todo. A tentativa de recuperação, contudo, é ameaçada por riscos como a escalada da inflação e a crise política. Instituições financeiras já preveem PIB (Produto Interno Bruto) abaixo de 1% em 2022. Diante desse quadro, a criação de medidas que facilitem o acesso de empreendedores a crédito é um caminho que precisa ser pensado no país, sugerem especialistas. “Questões relacionadas à concessão de microcrédito são muito importantes. Com as taxas de juros voltando a subir, as coisas complicam para o pequeno empregador”, menciona Firpo. Ottoni vai na mesma linha. “A questão do crédito é relevante. Não é simplesmente dar dinheiro para os microempreendedores, mas também pensar em políticas que acompanhem o desenvolvimento dos negócios. Quando se fala em políticas públicas, é preciso analisar o que existe de evidência empírica.” Antes da pandemia, entre 2017 e 2019, o número de empregadores vinha em alta no Brasil. No segundo trimestre de 2017, eram 4,173 milhões nessa condição. O montante avançou 4,7% (mais 196 mil) para chegar aos 4,369 milhões do segundo trimestre de 2019. Em parceria com duas sócias, a empreendedora Gisele Paixão Barthar, 42, inaugurou, às vésperas da pandemia, no centro do Rio de Janeiro, uma loja de vestuário e acessórios diversos que buscava valorizar a cultura afro. Os negócios iam bem após a abertura, em novembro de 2019, mas a chegada do coronavírus, no primeiro trimestre de 2020, reverteu o cenário. Com as restrições impostas pela crise, a loja, que tinha uma pessoa como funcionária, chegou a ficar quatro meses paralisada ao longo do ano passado, lembra Gisele. Segundo ela, mesmo com a reabertura das atividades, a circulação de clientes pela região central do Rio não voltou ao patamar anterior à pandemia. A situação forçou o fechamento definitivo do espaço neste ano. “Chegamos a reabrir no ano passado, mas as outras lojas e empresas que ficavam próximas fecharam ou ficaram em home office. Isso esvaziou nossa clientela”, conta. A empreendedora, agora, tem novos planos. Ela

Depois de aumentar renda com pejotização, classe média sente saudades da CLT

Folha de S.Paulo – 18/09/2021 “Eu queria um aumento de salário e a empresa não topou, porque iria aumentar os custos dela. Mas ficou acertado que eu abriria a empresa e prestaria serviços”, diz Maurício, que viu sua renda mensal dobrar desde então, chegando a R$ 20 mil. Ele aumentou o número de clientes, alguns com contratos fixos, e diversificou os serviços, passando a fazer artes para mídia social. Mas os custos também cresceram —e muito. Além dos impostos de uma empresa de lucro presumido (15% sobre a renda bruta) e dos gastos com o contador, ele paga R$ 3.500 pelo plano de saúde familiar e um plano de previdência de R$ 900 para ele e os filhos. A fim de não perder clientes, Maurício subcontrata outros dois designers gráficos para trabalhos pontuais. Mas o seu principal trabalho fixo, que proporciona R$ 7.000 mensais, acaba de mudar de mãos: a empresa foi adquirida por outro grupo. E o novo dono já sinalizou que deseja fazer de Maurício um trabalhador CLT. “Se não aceitar, vou perder mais de um terço do meu faturamento”, diz ele, que sente falta das férias, do 13º salário e dos benefícios de um emprego com carteira assinada. “Eu trabalho mais agora, mas tenho flexibilidade de horário, posso levar e buscar as crianças na escola, por exemplo. Mas a empresa já sinalizou que o trabalho será híbrido, o que conta muito para mim.” O exemplo de Maurício diz muito sobre as novas relações de trabalho vividas pela classe média no Brasil. Com raras exceções —concentradas nos setores de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e finanças—, essa mão de obra que vende seu conhecimento intelectual encontra cada vez menos vagas formais no mercado e vê crescer a precarização das suas condições de trabalho. A esses profissionais, empresas costumam oferecer um contrato com ganhos maiores em relação a um trabalhador em regime CLT. Enquanto o setor privado deixa de arcar com os impostos da contratação formal, os trabalhadores abrem uma empresa e passam a arcar com seus tributos, contador e todos os benefícios que estariam incluídos em um pacote formal de trabalho, como plano de saúde e seguro de vida. Além de se submeterem muitas vezes a uma jornada extenuante, sobre a qual não existe qualquer regulação, esses profissionais não contam com a “poupança forçada” do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), equivalente a 8% do salário, que serve como socorro financeiro em caso de demissão ou ser usada para compra da casa própria. “A verdade é que a gente ganha mais [que um CLT], mas nunca guarda”, diz a advogada Patrícia [nome fictício], 43 anos. Com uma renda bruta mensal de R$ 12 mil, ela constituiu uma Sociedade Individual de Advocacia, uma figura jurídica para a profissão, que permite ganhos de até R$ 180 mil ao ano. O valor é superior ao permitido hoje ao microempreendedor individual, o MEI, que está em R$ 81 mil ao ano, mas que deve passar a R$ 130 mil anuais com uma nova legislação. No escritório de advocacia onde trabalha, Patrícia recebe 13º salário e férias, inclusive o abono de um terço. “Mas não tenho FGTS, nem pago um plano de previdência”, afirma. Por meio da sua empresa, adquiriu um plano de saúde para ela, o marido e o filho por pouco mais de R$ 2.000 mensais. Também paga um seguro de vida individual, de R$ 500. Do seu trabalho vem a única remuneração fixa da casa, já que o marido, engenheiro elétrico, foi demitido há cerca de dois anos de uma empresa de telecomunicações e desde então presta serviços. “Faz falta um mensal fixo”, diz, sobre o marido. Mas Patrícia avalia que o mercado de trabalho vive um momento de transformação e que cabe ao profissional criar ele próprio as suas garantias. Na opinião do especialista em direito do trabalho André de Melo Ribeiro, do escritório Dias Carneiro Advogados, o fenômeno da “gig economy” —ou economia dos bicos, que começou no setor de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg com plataformas como o Uber, que prometiam que cada um seria o seu patrão— transbordou para as mais diferentes áreas e atingiu a classe média intelectualizada. “É fato que teremos cada vez menos emprego formal como conhecemos no regime CLT, um modelo criado nos anos 1940 que se mostra cada dia mais distante”, diz Ribeiro. “Mas é preciso que a legislação englobe estas novas maneiras de produção intelectual para garantir um trabalho decente, como preconiza a OIT [Organização Internacional do Trabalho]”, afirma. “O direito tem que refletir os valores da sociedade”. O especialista lembra que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é muito clara: um prestador de serviços PJ não se submete a uma remuneração fixa mensal, não cumpre horário e não usa equipamentos da empresa contratante, uma vez que essas premissas caracterizam um emprego formal. “Se o trabalho prestado pelo PJ não for um complemento da renda, ao contrário, a renda do PJ depender daquele trabalho, é uma relação empregatícia disfarçada.” Foi o que aconteceu com a jornalista Joana (nome fictício), 48 anos. Como pessoa jurídica, ela tem um contrato fixo de R$ 5.000 com uma agência de comunicação, com direito a 21 dias de férias. Para aumentar sua renda mensal para R$ 9.000, ela aceita “jobs” da agência, tarefas que deveriam ser pontuais, mas se tornaram fixas. Metade do mês, sua jornada dura em média 15 horas por dia. Na outra metade, 12 horas. Entre os “jobs”, estão plantões aos fins de semana —ela realiza três ao mês, sendo que um deles já está incluído no pacote dos R$ 5.000. “A reforma trabalhista deixou a agência muito à vontade para explorar mais a figura do PJ”, diz ela, referindo-se à sua condição de pessoa jurídica. Joana sempre teve muito medo de sofrer um acidente de trabalho. Até antes da pandemia, ela precisava chegar às 4h na agência, na zona oeste de São Paulo. Um colega que costumava chegar um pouco depois foi assassinado durante uma tentativa de assalto a caminho do trabalho. “A empresa não