Economia criará grupo com indústria para avaliar, em até três semanas, mudanças na reforma do IR
O ministro da Economia, Paulo Guedes, procurou na sexta-feira, 9, lideranças do grupo Coalizão da Indústria para debater o projeto de reformulação do Imposto de Renda. De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, José Velloso, o ministro concordou com as cobranças dos industriais, que pediram um projeto mais enxuto e focado nas mudanças conceituais do modelo tributário. Guedes, segundo Velloso, pediu “pressa”. A ideia é que a comissão construa uma proposta em até três semanas – que será então apresentada ao relator na Câmara, Celso Sabino (PSDB-PA). O grupo tratará apenas da parte da indústria, mas há discussões semelhantes e com o mesmo objetivo envolvendo setores como o comércio, serviços e agronegócio. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), chegou a dizer que votaria a proposta antes do recesso parlamentar em julho, mas recuou depois das críticas do empresariado e agora afirma que só pautará o texto quando estiver “maduro”. Nesta semana, 120 associações se manifestaram contrárias à proposta por considerarem que há aumento da carga tributária. Ontem, Guedes se reuniu com pesos pesados do PIB em São Paulo para tentar diminuir as resistências. “Foi a melhor reunião que já tivemos com o ministro”, disse Velloso ao Estadão/Broadcast. “O ministro nos procurou e pediu o diálogo. Guedes tem procurado os empresários, e essa é a postura certa, buscar consenso. Não fomos reclamar.” O grupo será composto por membros da Coalizão Indústria, que reúne 15 entidades do setor, incluindo a Abimaq, e integrantes da Receita Federal, inclusive o secretário José Tostes. Isaías Coelho, que assessora Guedes nos assuntos relacionados à reforma tributária, será o coordenador do grupo de trabalho, segundo Velloso. “No conceito geral, as propostas são corretas. Estamos de acordo com a Economia. Concordamos na necessidade de reformar o imposto de renda para pessoa física, criar um mecanismo para tributar dividendos e diminuir as alíquotas a quem tem menos renda. Mas é preciso acertar na calibragem”, afirmou o presidente da Abimaq. Essa calibragem, segundo ele, passa por um modelo em que a tributação sobre a indústria – hoje em 34%, considerando IR e CSLL – não seja elevada, mesmo com a inclusão do imposto sobre a distribuição de dividendos. Para Velloso, a taxa sobre dividendos precisa ser mantida em 20%, de forma que a solução seria reduzir ainda mais a alíquota de IR – que na proposta do governo, cairia de 25% para 20%. “No Brasil, as empresas são pobres e descapitalizadas, mas os acionistas são ricos. Toda vez que precisa ampliar ou comprar um ativo novo se recorre ao mercado financeiro, uma alternativa cara. É por isso que temos carência de investimentos”, afirmou. Aspectos consensuaisPara Velloso, o conceito da reforma está correto, mas é preciso focar no que é consensual e abrir mão de questões acessórias – como a tributação sobre empresas em paraísos fiscais e estratégias para reduzir a elisão fiscal. “Isso não estava no script. A Receita pegou vários ‘sonhos do passado’ e enfiou no projeto de lei, coisas que o ministro nem pensava ou dialogava sobre”, afirmou. Esses temas, na avaliação de Velloso, devem ser tratados em outros projetos ou mesmo por resoluções e portarias infralegais, que não precisam do aval dos parlamentares, sob o risco de atrapalhar a tramitação do texto no Congresso. “O acessório chamou mais atenção e desviou a atenção do foco da proposta.” “Guedes falou 30 vezes que não vai aumentar a carga”, afirmou Velloso. A indústria, segundo ele, defendeu uma proposta que estimule o empresário a deixar dinheiro na empresa e que proporcione uma carga tributária que torne o Brasil competitivo na atração de investimentos comparativamente a outros países. Em relação às pessoas físicas, o executivo disse acreditar que o texto precisa de ajustes, para que seja mais favorável aos mais pobres. Na avaliação dele, é preciso ampliar a faixa de isenção para além dos R$ 2,5 mil mensais propostos – hoje, ela está em R$ 1,9 mil por mês. O ESTADO DE S. PAULO
É um imenso equívoco achar que tributação dos dividendos reduz a regressividade do IR
Claudio Adilson Gonçalez Depois da confusa e pouco eficaz PEC emergencial, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma da tributação do consumo, apresentado em 4/5/2021, renovou, por algumas poucas horas, as esperanças de expressiva melhora do caótico sistema tributário brasileiro. Ribeiro fez um trabalho minucioso e de alto nível técnico. Conseguiu fundir as propostas que tramitavam no Senado (PEC 110) e na Câmara (PEC 45), além de incorporar algumas ideias do próprio Ministério da Economia. Infelizmente, a alegria durou pouco. Antes mesmo de o relator terminar a leitura do seu parecer, a dupla Paulo Guedes-Arthur Lira entrou em ação. O presidente da Câmara, acordado com o ministro da Economia, dissolveu a comissão especial que estudava o tema, jogando por terra uma das melhores propostas de reforma tributária que surgiu no Brasil nos últimos 30 anos. Anunciou-se, então, confuso fatiamento da reforma. A primeira fatia (PL 3.887/20), que funde o PIS/Cofins no chamado IVA-Federal, é tímida e equivocada, pois não se deve fatiar mudanças na tributação do mesmo fato gerador, qual seja, o consumo final de bens e serviços. A segunda fatia (PL 2.337/21), que trata de mudanças no Imposto sobre a Renda (IR), passa ao largo das enormes distorções inibidoras do crescimento econômico contidas nos impostos indiretos, principalmente no ICMS. A julgar por esses nacos, a fruta toda parece de péssima qualidade. O extenso PL 2.337/21 apresenta dois assuntos de maior destaque: a correção da tabela para cálculo do IR pessoa física (IRPF), com a elevação mais expressiva do limite de isenção, e a tributação de lucros e dividendos. O discurso político é de que se eleva a tributação dos ricos que recebem dividendos, mas se reduz ou se elimina o tributo dos contribuintes de menor renda. Isso é conversa eleitoreira e não corresponde à verdade. Vejamos. A correção da tabela do IRPF não é, necessariamente, redução permanente de tributação dos contribuintes de menor renda. Basta que não se corrija a tabela nos próximos anos, que a inflação corroerá o benefício ora concedido. Já o aumento da tributação do capital, num país que tanto necessita de estimular o investimento, tem caráter permanente. Na verdade, é um imenso equívoco achar que a tributação dos dividendos reduz a regressividade do IR. Pouco importa se o lucro é tributado na pessoa jurídica onde é gerado, na pessoa física dos sócios ou acionistas, ou em ambas. O relevante é determinar qual a parcela dos rendimentos do capital que vai para o Tesouro. O PL não altera as enormes distorções que existem na legislação atual para a tributação dos lucros. Ao contrário, amplia várias delas. Dependendo da magnitude das suas receitas, do setor que opera, da possibilidade de exclusões maiores ou menores do lucro contábil para cálculo do imposto, as alíquotas efetivas do IR das pessoas jurídicas variam de cerca de 10% até 50%, no caso dos bancos. Embora avancem em alguns pontos, as novas normas de tributação oferecem outras possibilidades de arbitragens para redução ou mesmo elisão do IR. Outras pautas da agenda econômica também estão sendo mal conduzidas. A privatização da Eletrobrás foi desastrosa. Optou-se por um modelo de diluição do capital estatal sem nenhum estudo técnico prévio e incluíram-se inúmeros interesses setoriais e corporativos, que nada têm a ver com a privatização da estatal. O Tesouro acabará ficando com muito pouco e a conta dos jabutis será paga pelos consumidores. As instabilidades políticas, quase todas criadas pelo próprio presidente da República, e a ineficácia do seu outrora Posto Ipiranga dão poucas esperanças de aprovação de uma boa reforma administrativa. Em resumo, as reformas estruturais estão sem rumo. Com isso, a retomada sustentável do crescimento fica novamente postergada. *ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA O ESTADO DE S. PAULO
Taxação sobre dividendos entre empresas deve cair
A cobrança de Imposto de Renda na distribuição de dividendos entre empresas tem grande chance de cair do texto da reforma do Imposto de Renda ou ao menos passar por ajustes, segundo apurou o Valor. A medida é polêmica e tem deixado as companhias, sobretudo as organizadas em formato de holding, como no setor de construção, muito preocupadas. Uma das críticas levantadas pelos especialistas é a possibilidade de acumulação de créditos tributários nas companhias organizadas como holdings (na qual várias empresas estão dentro de uma organização maior). Outra é o risco de bitributação. Em suas recentes conversas com empresários, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ouviu várias reclamações sobre isso e sinalizou que deve modificar esse capítulo da reforma. O problema é que a proposta do governo prevê a incidência de 20% de IR na distribuição de dividendos em todas as situações, inclusive quando há distribuição entre empresas e não somente quando vai para os acionistas pessoas físicas (PF). Esse tributo recolhido no repasse intra-companhias torna-se um crédito que poderá ser aproveitado (descontado) do imposto que incidirá quando finalmente a holding distribuir seu lucro para as PF.A leitura dos especialistas é que as empresas não conseguirão aproveitar todo esse crédito porque o valor de dividendos paraos sócios PF tende a ser menor do que o distribuído dentro da holding. Além disso, em geral, o volume distribuído dedividendos é menor do que todo o lucro obtido pela holding, dificultando o aproveitamento do crédito. Outra hipótese deacumulação de crédito é no caso de a companhia demorar para transferir lucro às PF, quando há, por exemplo, reinvestimento do lucro da holding. “Uma parte do lucro vai ficar represado a título de imposto nas holdings”, avalia Elizabeth Libertucci, especialista e sócia do escritório de mesmo nome. “É muito crédito que será gerado se houver tributação sobre dividendo [entre empresas]. A base de cálculo sobre o dividendo distribuído é muito menor do que sobre o lucro gerado”, explicou. Ela aponta uma série de problemas na proposta do governo e destaca que hoje, na prática, o acionista é tributado quando o governo retém o IRPJ/CSLL de 34%, já que essa alíquota é maior do que a praticada no mundo. No entendimento dela, o formato atual é como se o governo antecipasse o tributo sobre o dividendo do acionista, na origem do recurso, ao taxar o lucro com IRPJ/CSLL maior do que a média internacional. E que a mudança proposta com os dividendos, na prática, significa a Receita adiar esse recolhimento. Para Elizabeth, as alíquotas também estão mal calibradas e no final, se não tiver ajustes haverá aumento de carga. Também crítico da proposta, o ex-secretário especial da Receita, Marcos Cintra, concorda que deve haver acumulação de créditos tributários no desenho proposto. Ele lembra que setores como o de construção estão estruturados em diversas Sociedades de Propósitos Específico (SPE), que transferem os recursos para suas holdings. “Quando a empresa fonte distribui o recurso para a holding, ela será obrigada a reter o imposto. E ele só poderá ser abatido quando chegar na pessoa física. Mas parte desse dinheiro não será distribuída, será investido”, disse Cintra. “É o efeito ‘lock in’, o dinheiro fica preso lá dentro e não pode aproveitar porque não poderá usar o crédito para outros impostos. São coisas que não pensaram [na Economia]”. Para Alessandro Borges, tributarista do Benício Advogados, o texto do governo cria uma tributação “em cascata”. “Eu posso ter duas ou três incidências de tributação de IR sobre dividendos, em cada fase vai sendo comido o valor. Da forma como está (o Leia mais: Proposta de “fim do ágio” poderá gerar novas discussões judiciais · texto do PL) muitos conglomerados empresariais terão que se desaparelhar, quebrar a cadeia societária e diminuir esse caminho [que os dividendos fazem]”, disse. Ele aponta que isso interessa à fiscalização da Receita. “Agora a Receita simplifica a vida dela, mata dois coelhos com uma cajadada só, tributa e elimina uma estrutura que ela não gosta”, afirmou. André Gomes, sócio da área de tributário do escritório Souto Correa, aponta que o desenho é muito nocivo porque não há livre compensação do crédito gerado. “Deveria haver outra forma de compensar os valores, alguma forma de aproveitar o tributo que fica represado. A subsidiária pode fazer a compensação, mas só do que ela perpetuar na sua distribuição de dividendos. É um modelo muito fechado. Já existe uma forma de compensação na proposta mas não é perfeita e desestimula estruturas mais sofisticadas”, disse. A alternativa, diz, será a simplificação de suas estruturas. Alamy Candido, sócio de escritório de mesmo nome, vai na mesma direção e diz que, se a ideia é trabalhar com crédito tributário, deveria ser permitido se compensar com qualquer tributo. “A ideia do crédito funciona bem, mas se a empresa reinveste, ela deveria poder compensar com outros tributos. Sem isso pode gerar acumulação”, afirmou. Procurada pela reportagem para comentar as críticas sobre a possibilidade de acumulação de créditos, a Receita Federal se limitou a dizer: “A tributação intra-grupo é flexibilizada pelo crédito que é concedido. É importante destacar que o crédito não tem prazo para ser usufruído. Assim, a holding poderá utilizá-lo nos períodos futuros, quando realizar a distribuição dos dividendos”. O relator do projeto de reforma do IR, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), disse ao Valor que, mesmo com a criação de um grupo de trabalho entre Economia e empresários, ele deve apresentar um relatório preliminar com diversos ajustes no texto original. Segundo ele, seu texto deve gerar redução de carga tributária e retirar uma série de medidas que a Receita colocou para tentar vedar planejamento tributário pelas empresas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também disse que muita coisa da Receita será retirada. VALOR ECONÔMICO