Militares inativos e pensionistas podem custar mais de R$ 700 bi ao País

A União teria que desembolsar R$ 703,8 bilhões caso tivesse que pagar hoje todos os benefícios futuros dos militares ativos e inativos das Forças Armadas e seus pensionistas. O custo, chamado de déficit atuarial, foi calculado pela primeira vez pelo Ministério da Economia, após o Tribunal de Contas da União (TCU) ter conseguido no ano passado abrir a caixa preta dos dados do sistema de proteção social das tropas. O acesso às informações foi o centro de um cabo de guerra que durou três anos. Sob a alegação de que a reserva e a reforma não constituíam um benefício previdenciário, as Forças Armadas se recusavam a calcular o custo fiscal futuro desses pagamentos. Mas a corte de contas exigiu a estimativa diante do valor significativo envolvido. Em 2020, o TCU finalizou as estimativas e entregou ao Tesouro Nacional, que divulgou os números. Neste ano, o próprio Ministério da Economia fez as contas, com metodologia e premissas semelhantes às adotadas para calcular o custo futuro dos benefícios aos servidores civis. Os dados foram divulgados no Relatório Contábil do Tesouro Nacional nesta quinta-feira, 10, e têm como referência a posição em 31 de dezembro de 2020. O déficit atuarial considera todas as contribuições que serão recolhidas no futuro e os gastos que o governo terá para bancar os benefícios dos militares, que são 369,4 mil da ativa, 162,9 mil inativos e 199,9 mil pensionistas, segundo dados de 2020 apresentados pelo governo no envio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022. O rombo existe porque, mesmo com o aumento da alíquota de contribuição de 7,5% para 10,5% para os militares ativos e inativos e extensão da cobrança para pensionistas, os valores arrecadados são insuficientes para cobrir o rombo deixado pelas despesas futuras. A diferença vira um custo extra potencial, a ser honrado no futuro, e por isso precisa ser provisionado no balanço da União. Na última reforma dos militares, a categoria foi agraciada com uma série de bonificações e reajustes a uma parte das tropas, além de uma regra de transição bem mais suave do que os servidores civis ou trabalhadores que contribuem ao INSS, com pedágio de 17% sobre o tempo que falta para a reserva. Para os demais, esse adicional ficou entre 50% e 100% a depender da regra. Segundo o relatório do Tesouro, somente os benefícios que serão pagos a militares da reserva ou reforma devem custar R$ 405,8 bilhões, calculados a valores de hoje. Desse valor, R$ 152,9 bilhões são de benefícios a conceder (militares ainda em atividade) e R$ 252,9 bilhões de remunerações já concedidas. Já as pensões concedidas ou a conceder geraram uma provisão de R$ 298 bilhões. O valor global do déficit atuarial é menor que o calculado inicialmente pelo TCU, de R$ 729,3 bilhões, e que tinha como referência a posição em março de 2020. Segundo o Tesouro Nacional, as estimativas passaram por alguns aprimoramentos, como o uso de “tábuas biométricas”: para cada idade dos atuais e futuros recebedores de pensão, é atribuída uma probabilidade de sobrevivência, ou seja, de continuar recebendo o benefício. Regime civilO déficit atuarial dos militares é menor, em termos absolutos, do que o custo de R$ 1,158 trilhão que a União teria para bancar hoje os benefícios futuros de seus servidores públicos civis. No entanto, o regime próprio dos servidores civis tem maior alcance, com 1,45 milhão de segurados, sendo 663,5 mil ativos, 479,5 mil aposentados e 305 mil pensionistas, segundo dados de 2020 informados pelo governo na proposta de LDO para 2022. Em relação ao INSS, o governo ainda não inclui o valor do passivo atuarial no balanço da União porque, segundo normas internacionais, essa não é considerada uma “dívida” dos governos. Mesmo assim, o Tesouro aponta que a projeção do déficit previdenciário (a diferença entre receitas e despesas num único ano) é de 3,50% do Produto Interno Bruto (PIB) e chegará a 8,67% do PIB em 2060. Apesar do aumento, a “linha de chegada” é menor do que antes da reforma da Previdência, quando o rombo poderia chegar a 11,64% do PIB. “A reforma da Previdência amenizou, mas não conteve o crescimento do déficit previdenciário projetado”, diz o Tesouro. O ESTADO DE S. PAULO

Bolsonaro conta com plano econômico para fazer frente à covid e conseguir se reeleger

A prorrogação do auxílio emergencial combinada com o reforço do programa Bolsa Família, o Refis para as empresas e o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas formam uma tríade de peso que o governo Jair Bolsonaro está pavimentando para aumentar o apoio político nas eleições presidenciais do ano que vem. É na economia que o governo conta para fazer frente à crise na saúde, que o atraso da vacina e as mortes de quase 500 mil brasileiros tiram da popularidade do presidente. Com essas três frentes de medidas, Bolsonaro atende a um público eleitor grande: os empresários endividados com o Fisco, a classe média e a população de baixa renda. Garantia de reforço extra na campanha de 2022. As negociações políticas avançaram nos últimos dias no embalo da narrativa de que a economia está se recuperando mais rápido do que o previsto, num quadro também de menos aperto das contas públicas programado para 2022. Se de um lado a CPI da Covid expõe o desastre do presidente na condução da pandemia, os dados mais favoráveis da economia vêm fazendo o contraponto, mesmo que haja muitas dúvidas sobre a sustentabilidade no médio prazo dos indicadores positivos. Nesse novo ambiente econômico, os aliados governistas no Congresso estão redobrando as apostas na expectativa de que haverá mais dinheiro para gastar em 2022. Resultado: mais apoio com o cálculo político de que o desgaste do presidente com a CPI não se sustenta até a eleição. Foi para o mundo político que o ministro Paulo Guedes disse em entrevista à Folha de S.Paulo que vai para o “ataque” nas eleições. Ataque, no caso, significa aumento de despesas. Para o mercado, Guedes garantiu que o governo “não ficará louco” do lado fiscal por causa das eleições. A reaceleração do crescimento e a melhora do fiscal (ainda que puxada pela inflação mais alta) abre espaço para o ministro da Economia fazer essas bondades, em contraste com o cenário anterior em que ele disse não à mudança do teto de gastos e contrariou muito caciques de dentro do governo e no Congresso. Monitoramento importante para calibrar o espaço maior de gastos em 2022 será o comportamento da inflação no segundo semestre. O IPCA de maio surpreendeu negativamente e veio mais alto do que esperado. O interesse se justifica: é a inflação em 12 meses até junho que vai corrigir o limite do teto em 2022. Ou seja, definir quanto o governo terá de espaço extra para gastar. O outro lado da conta dependerá da evolução da inflação medida pelo INPC, que vai ditar o rumo do aumento das despesas obrigatórias. Portanto, a segunda variável não poderá ser maior do que a primeira para garantir essa folga. Daí os olhos voltados para a atuação do Banco Central na tarefa de segurar o processo de disseminação da inflação nos próximos meses. O BC terá papel decisivo para não atrapalhar o plano econômico da reeleição do presidente. Obviamente, Bolsonaro não quer chegar na campanha com o calcanhar de Aquiles da inflação pesando no bolso dos eleitores. Até o momento, técnicos da equipe econômica calculam um espaço líquido maior para despesas no ano que vem (decorrente dessas duas variáveis citadas acima) – um pouco maior do que R$ 30 bilhões. Esse número leva em conta o impacto de crescimento vegetativo das despesas com pessoal de R$ 10 bilhões e gastos de R$ 11 bilhões do abono salarial. Tudo mais “constante”, dá para aumentar R$10 bilhões em investimento e mais R$ 20 bilhões para um programa Bolsa Família um pouco mais turbinado. Será pouco para o apetite político dos planos do presidente? Muito provável. Entre os aliados, já se fala em “arrecadação bombando”. Após o anúncio antecipado pelo ministro da prorrogação do auxílio por dois a três meses, o teste do momento será a evolução das negociações do Refis. Guedes resiste a um Refis nos moldes antigos, como o Senado quer, e tenta limitar a negociação ao que vem chamando de “passaporte tributário” para atender as empresas que tiveram mais problemas de faturamento na pandemia. Como a aprovação do Refis (que tramita no Senado) é a moeda de troca para o projeto de reforma tributária da Câmara ser aprovado depois pelos senadores, o mais provável é que o ministro terá de ceder. Um e outro não andam sem acordo. No mais, a reforma administrativa tem pouca chance ou quase nenhuma de andar. O discurso do momento é o de que não precisa de pressa. De certo, é o abre alas da tríade de medidas eleitorais. *É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA O ESTADO DE S. PAULO

Supermercados sentem recuo do home office e auxílio emergencial nas vendas

A volta do auxílio emergencial se refletiu no resultado do primeiro quadrimestre do INC Abras, índice nacional de consumo nos lares, da associação dos supermercados, que sai nesta quinta (10) com crescimento real superior a 4%. Na comparação de abril com o mesmo mês de 2020, a alta ficou em quase 3%. Quando a comparação é feita com o mês anterior, aparece uma queda de 4,8%, que a Abras atribui ao retorno para o trabalho presencial de parte dos consumidores, que substituíram compras por consumo em restaurantes. FOLHA DE S. PAULO

Governo diz que revisão de aposentadoria para incluir todos os salários aumentaria filas no INSS

Em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), a revisão de aposentadorias considerando inclusive os salários do trabalhador anteriores ao Plano Real atrasaria a concessão de benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), segundo o Ministério da Economia. De acordo com nota técnica do governo, é “praticamente impossível automatizar cálculos” caso a decisão seja por autorizar a contagem com base em todas contribuições previdenciárias, incluindo as anteriores a julho de 1994. A tese a favor do recálculo da aposentadoria, mais conhecida como revisão da vida toda por causa dessa maior abrangência temporal, pode gerar um custo adicional aos cofres públicos de R$ 46,4 bilhões em dez anos, segundo estimativa da equipe econômica. Até esta quarta-feira (9), o placar estava quatro a três contra o recalculo. Os ministros Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram contra a mudança no valor da aposentadoria, enquanto Marco Aurélio, Edson Fachin e Cármen Lúcia foram favoráveis. O julgamento ocorre no plenário virtual e os outros ministros têm até sexta-feira (11) para incluírem seus votos no sistema. Num parecer, o Ministério da Economia diz que há ausência de informações no sistema interno do INSS e prevê que, se derrotado no STF, haverá considerável aumento dos atendimentos na agência da Previdência Social, já que caberá ao segurado comprovar as contribuições pagas antes do Plano Real. “Dessa forma, a tendência seria haver um grave efeito negativo sobre a celeridade na concessão de benefícios com prejuízos relevantes para todos os segurados do INSS”, concluiu a pasta. Uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) permite o recálculo das aposentadorias. A União questiona esse entendimento e aguarda a decisão do plenário do STF. O IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) considera justa a revisão. “O segurado vai receber nada além do que ele contribuiu”, disse a presidente do IBDP, Adriane Bramante. Bramante afirmou que nem todos podem se beneficiar com o recálculo levando em consideração as contribuições anteriores ao Plano Real. Por isso, o custo operacional do INSS não seria tão elevado. “Isso [não ter dados no sistema] não é desculpa para deixar de dar o direito da pessoa”, afirmou. Segurados que tinham altas contribuições antes do Plano Real podem se beneficiar dessa revisão. Para isso, precisam acionar a Justiça. Tribunais começaram a aplicar a decisão do STJ, concedendo acréscimo no valor da aposentadoria ou pensão com base em todas as contribuições pagas, mesmo as anteriores a julho de 1994. No ano passado, porém, o STF aplicou repercussão geral à discussão, o que significa que a decisão valerá para todos os processos sobre o tema, e suspendeu a tramitação de todas as ações do país que tratam do tema. O desfecho final desse caso depende do resultado do STF, que analisa um recurso da AGU (Advocacia-Geral da União) contra a decisão do STJ. O Ministério da Economia pede que o entendimento do STJ seja derrubado e não seja permitido o aumento nos valores da aposentadoria gerado pela revisão da vida toda. “Por conta de questões específicas burocráticas, questões específicas formais, questões específicas de Justiça previdenciária, criamos um marco legal em julho de 1994, momento em que houve estabilização da nossa moeda. Isso é uma lei, uma regra”, disse o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, em debate virtual nesta quarta. O custo imediato estimado pelo governo é de R$ 20 bilhões, considerando o pagamento de parcelas passadas. Para os próximos dez anos, a conta é que R$ 26,4 bilhões seriam desembolsados para elevar benefícios que podem ser atendidos pela revisão. Até a reforma da Previdência (novembro de 2019), o valor da aposentadoria era calculado com base nos 80% maiores salários a partir de julho de 1994. Uma decisão do STJ amplia essa base e tem potencial de aumentar o benefício de quem recebia altos salários. “Agora se busca avaliar o período pretérito, anterior a 1994, que tem uma estabilidade abissal, enorme”, disse Bianco. Segurados que querem se beneficiar da revisão da vida toda devem ficar atentos a alguns pontos. Há um prazo para pedir o novo cálculo à Justiça. Esse limite é de dez anos contados a partir da data de recebimento da primeira aposentadoria. Além disso, a legislação permite que o pagamento retroativo seja de apenas cinco anos. Isso significa que, mesmo em caso de decisão favorável no processo judicial, o INSS irá pagar o adicional referente aos últimos cinco anos. O primeiro a votar sobre o tema no STF foi Marco Aurélio, relator do caso. Ele afirmou que não é correto falar em majoração de benefício sem contrapartida, muito menos em ofensa ao equilíbrio financeiro ao Regime Geral da Previdência. “Ao contrário, o enfoque prestigia a realidade dos fatos, uma vez que o afastamento da limitação temporal, considerada a regra definitiva, permite alcançar recolhimentos efetivamente realizados”, afirmou. O ministro argumentou, ainda, que a jurisprudência atual do Supremo concede ao segurado o direito ao cálculo mais vantajoso. Kassio Nunes Marques, porém, inaugurou a divergência e foi acompanhado por três colegas. O magistrado afirmou que a mudança no cálculo foi uma opção legítima do Congresso a fim de facilitar o cômputo de contribuições à Previdência anteriores à alteração da moeda vigente no país. REVISÃO DE APOSENTADORIASO STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou o julgamento da revisão da vida toda. Confira abaixo o que é essa revisão e quem pode ser beneficiado por ela: Mudança na lei é base para a revisão Ao fazer a reforma da Previdência em 1999, o governo criou duas fórmulas de cálculos para a média salarial: Para quem já era segurado do INSS até 26 de novembro de 1999A média salarial é calculada sobre 80% das maiores contribuições feitas a partir de julho de 1994Para quem começou a contribuir com o INSS a partir de 27 de novembro de 1999A média é calculada sobre 80% dos mais altos recolhimentos desde o início das contribuições (sem definir a data de início das contribuições)O que os aposentados pedem: Trabalhadores que começaram a contribuir com a Previdência até

As carreiras sem fronteiras e o apagão de talentos (Rafael Souto)

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Desista da retenção de talentos. Eles não são retidos. Podem ser engajados. E esse desafio passa pela maior transformação dos últimos cem anos. Na Europa e América do Norte, 50% dos trabalhadores têm atividades que permitem o trabalho remoto. No Brasil, segundo o IBGE, por volta de 25% dos trabalhadores estão habilitados para o trabalho a distância. Essa tropa de elite compõe o grupo estratégico de atividades intelectuais mais sofisticadas e que precisa ser engajado. Esse grupo está incorporando o conceito de carreira sem fronteiras, criado por DeFillipe e Michael Arthur no Vale do Silício em 1994. Naquela época já observavam as transformações no mercado e o impacto nas carreiras. A antiga expectativa de carreira para a vida toda numa empresa foi substituída pela mentalidade do profissional que vai, de forma autônoma, construindo seu futuro nos locais que agregam mais valor para seu desenvolvimento. É certo que os criadores do conceito não imaginariam que isso aconteceria em 2020. Os dados apontam para uma revolução na mobilidade do trabalho. A discussão central não é se a empresa optará pelo modelo híbrido, presencial ou remoto. O ponto é que existirão empresas globais e locais competindo pelos melhores profissionais e isso servirá para alguém no Brasil, Índia ou África. O WFA (trabalho de qualquer lugar, da sigla em inglês “Working From Anywhere”) veio para ficar. As opções de trabalho remoto afetarão a lógica de contratações, a forma de engajar e desenvolver as carreiras. Isso já aconteceu com os profissionais de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg nas últimas décadas e ganhou força em 2020. O impacto não foi maior porque boa parte das empresas não teve apetite para contratar e estava definindo as políticas de trabalho remoto, medindo impactos na cultura para encontrar o melhor formato. No passado perguntávamos sobre a mobilidade de um candidato para uma vaga. Atualmente, questionamos quais vagas podem se movimentar para onde estiver o melhor candidato. A dificuldade para engajar profissionais não é decorrente apenas dos efeitos do WFA. Ela já acontecia pela restrição de níveis hierárquicos e achatamento das ofertas lineares de carreira. Esse movimento acelerou no século XXI. A impossibilidade de oferecer um plano de carreira pela imprevisibilidade de negócios reduziu a oferta de níveis. Isso exige uma nova abordagem sobre carreira e desenvolvimento. Estudos de 2019 do Gartner já apontavam a falta de perspectivas de carreira como o principal motivo de pedidos de demissão. Nenhuma empresa conseguirá ter planos de carreira previsíveis e oferecidos de maneira prévia para todos como nos modelos antigos. O caminho para o engajamento será permitir que as pessoas construam seus caminhos de forma personalizada, exercendo seu protagonismo, cada vez mais. Para isso, será necessário escutar os interesses de cada indivíduo, favorecendo escolhas dialogadas e sem imposição. Os modelos de comando e controle são alavancas poderosas para perder bons profissionais. A carreira contemporânea pode ser definida como “o conjunto de experiências significativas para o indivíduo”. Esse conceito nos ensina que o desenho de vida das pessoas não pode ser inferido e sim construído. A alta performance e o engajamento virão da oferta de experiências variadas que permitam que cada talento construa sua carreira, ao longo do tempo, e evite que as ofertas tentadoras de fora rompam um ciclo que ainda seria produtivo. Num mundo em que os mais talentosos são disputados, as empresas com estruturas mais flexíveis e dispostas a conectarem seus projetos de negócios aos planos de vida de seus profissionais serão mais exitosas. O novo contrato psicológico de trabalho será baseado em protagonismo e cooperação. Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado VALOR ECONÔMICO

Gestantes afastadas do local de trabalho receberão adicional

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A Justiça do Trabalho do Espírito Santo determinou que técnicas e auxiliares de enfermagem gestantes devem receber o adicional de insalubridade, enquanto estiverem afastadas do trabalho presencial em um hospital. É a primeira sentença que se tem notícia após o governo editar, em maio, lei que determina o afastamento de gestantes por causa da pandemia, “sem prejuízo do recebimento da remuneração”. A decisão da Justiça capixaba acendeu o alerta no setor de saúde, que contesta a obrigação de desembolsar o adicional a trabalhadoras que não estão mais expostas ao ambiente insalubre. Mas pode impactar também os segmentos industriais que pagam a verba a suas funcionárias. Apesar de as trabalhadoras estarem em casa, longe de potencial contaminação no hospital, a juíza Ana Paula Rodrigues Luz Faria, da 8ª Vara do Trabalho de Vitória, determinou que o hospital mantenha o pagamento do adicional de insalubridade. Para a magistrada, a verba compõe o salário e, por isso, deve ser paga por imposição da Lei nº 14.151, editada pelo governo em maio. De acordo com informações do processo, 33 gestantes que trabalham em um hospital referência no tratamento da covid-19, em Vila Velha, são beneficiadas. Elas poderão receber um adicional de insalubridade de grau médio, de 20% sobre o saláriomínimo, equivalente a R$ 220. A decisão confirmou liminar concedida em março (processo nº 00002057420215170008). Advogados que atuam para empresas questionam a ordem de continuidade de pagamento da verba. Eles citam o artigo 194 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo prevê o fim do direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física. “Se as gestantes em trabalho remoto não estão sujeitas às condições insalubres, elas não têm direito de manter o adicional durante o afastamento forçado pela lei”, afirma Fabio Medeiros, sócio da área trabalhista do Lobo de Rizo Advogados. Para ele, a orientação judicial pode impactar também a indústria, que paga o adicional de insalubridade a seus empregados. Medeiros aponta ainda haver diferença entre remuneração efetiva e natureza remuneratória da verba. Os adicionais de insalubridade e periculosidade, quando devidos, devem ser considerados para fins previdenciários e trabalhistas. “Essas verbas têm natureza remuneratória, mas só são devidas quando o empregado está exposto”, diz. Segundo a advogada Cleonice Januaria dos Reis, que representa o Sindicato dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem do Espírito Santo no caso, o afastamento das funcionárias do trabalho no hospital visa proteger a gestante e o nascituro. Além disso, diz ela, a continuidade do pagamento da verba atende ao comando da lei, que impede alterações na remuneração. Preserva ainda a garantia da irredutibilidade do salário, prevista na Constituição Federal. “O adicional compõe o salário desde o início do contrato de trabalho”, afirma. Para o advogado Paulo Woo Jin Lee, sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados, a Lei nº 14.151 faz expressa referência à remuneração. “Que é mais amplo que salário. Este é uma espécie de remuneração”. Lee ainda cita o artigo 394-A da CLT, que foi inserido por meio da reforma trabalhista de 2017. O dispositivo determina que a empregada, durante a gestação ou a lactação, seja afastada de atividades consideradas insalubres, “sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade”. Em nota, a Associação Evangélica Beneficiente Espírito Santense (Aebes), que administra o hospital de Vila Velha, informou que recorreu da decisão. Argumenta que o fato que gera o dever de pagar o adicional de insalubridade é a exposição da trabalhadora a agentes insalubres. “Se a colaboradora está afastada da atividade presencial para não se expor ao risco de contaminação, não faria jus a verba”, diz. VALOR ECONÔMICO

Inflação alta pode contribuir para acentuar queda do dólar ao forçar aumento nos juros

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A inflação em maio mais alta do que a esperada favorece o movimento de queda do dólar frente ao real. O IPCA, índice oficial de inflação, mais salgado pode pressionar o Banco Central a acelerar a alta de juros e, assim, acabar atraindo mais dólares para investimentos no País. “A inflação mais alta no curto prazo deve ser um fator a ajudar na apreciação do real pelo canal de juros, mas é apenas um vetor a influenciar a taxa de câmbio. São muitos vetores e não podemos colocar todas as fichas em apenas um”, avaliou Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE-FGV) e sócio da consultoria BRGC. Fatores externos e internos explicam o movimento de queda da moeda americana nos últimos dias. Depois de fechar em R$ 5,80 e março, o dólar terminou esta quarta-feira, 9, cotado a R$ 5,0692, alta de 0,7%. Para Ribeiro, o que mais tem influenciado tem sido o recuo das taxas dos títulos dos Estados Unidos (treasuries) com prazo mais longo de vencimento. “O Fed (Banco Central norte-americano) tem botado um pouco mais de água na fervura ao mostrar que a elevação de juros americanos, que o mercado tinha na cabeça, não virá tão rápida”, disse o economista do IBRE. Ele ressaltou, porém, que está no radar o início da normalização de política monetária global e, consequente, redução dos estímulos adotados pelos países durante a pandemia da covid-19. Esses estímulos levaram os bancos centrais em todo mundo a injetarem dinheiro na economia como resposta ao combate do impacto da pandemia, aumentando o crédito e reduzindo os juros. Ribeiro destacou que esse processo vai influenciar os juros no mundo inteiro e impactar outros preços, como das commodities, produtos básicos, como petróleo, grãos e minério de ferro. Ao analisar os dados dos fatores que influenciaram o movimento do câmbio, Ribeiro discorda da avaliação recente de muitos economistas de que o dólar mais baixo reflete uma “descompressão” do risco fiscal por conta dos sinais de melhora na economia, como previsão mais baixa de dívida pública e crescimento mais alto do que o inicialmente previsto do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. “A melhora do câmbio teve influência de vários fatores que nada tem a ver com a situação fiscal”, explicou. Segundo ele, o que o seu modelo matemático de análise do câmbio mostra que a apreciação do real frente ao dólar é motivada por uma boa maré de fatores globais, como ao aumento dos preços das commodities, recuo dos títulos americanos e grande liquidez internacional. Ele acrescentou que melhorar a dinâmica da dívida pela alta da inflação não representa uma descompressão do risco fiscal, mas um “caminho errado” para a economia brasileira. Para ele, há espaço para o dólar cair abaixo de R$ 5. Mas é preciso ficar de olho nos fatores de risco que poderem afetar esse caminho, sobretudo os ventos da política de juros global. ApetiteO diretor de Estratégias Públicas do Grupo MAG, Arnaldo Lima, destacou que a recuperação da atividade econômica mundial em 2021 gera maior apetite a risco dos investidores estrangeiros para injetar capital nos países em desenvolvimento, cujas expectativas de retorno financeiro podem ser maiores do que a dos países desenvolvidos. Segundo ele, o real não é a única moeda de países emergentes que está se apreciando frente ao dólar. Mas para que esse movimento positivo seja duradouro, o Brasil precisa ter vantagens comparativas, especialmente no equilíbrio das contas públicas e no controle da inflação. “A recuperação da atividade econômica mundial está refletindo diretamente na elevação do preço das commodities. Como temos forte concentração de commodities na pauta de exportação, ciclos de alta nos preços internacionais historicamente se traduzem em apreciação do real”, disse. O aumento exponencial dos preços das commodities em 2021 já refletiu positivamente na redução do déficit de transações correntes de 40%, em abril do ano passado, para 10% em abril deste, no acumulado em 12 meses, em grande medida, explicado pela elevação do superávit da balança comercial. A melhora substancial no balanço de pagamentos tem impactado na depreciação do dólar frente ao real nos últimos meses. Ressalta-se que o dólar está bastante acima da média histórica em termos reais, mas abaixo do pico observado em 2002. Lima destaca que, desde maio, as expectativas do mercado registram depreciação do dólar, com perspectiva de R$ 5,30 em 2021, mas esse movimento acabou sendo antecipado para abril. “Contratos de futuro de dólar com vencimento em julho e dezembro de 2021 também indicam tendência de apreciação do real em relação ao mês de maio”, afirmou. O ESTADO DE S. PAULO

Inflação está alta, disseminada e duradoura; entenda motivos e o impacto disso para a economia

A inflação deu mais um salto no mês passado e levou o mercado a aumentar o nível de preocupação com seu avanço. Sob pressão de preços monitorados pelo governo, como a energia elétrica e os combustíveis, mas também de aumentos acima do previsto em outros itens da cesta de consumo das famílias, o IPCA, índice oficial de inflação do País, ficou em 0,83% em maio, maior resultado para o mês desde 1996, segundo os dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira, 9. Os analistas alertam que a inflação está mais alta, mais disseminada e mais duradoura do que se estimava anteriormente. O resultado de maio ficou acima até mesmo das previsões mais pessimistas de economistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, que projetavam uma inflação entre 0,65% e 0,76%. A taxa acumulada pelo IPCA em 12 meses subiu a 8,06% em maio, ante uma meta de inflação de 3,75% perseguida pelo Banco Central ao fim deste ano (com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos). Com esse resultado, os economistas estão revisando para cima suas previsões de inflação para o ano e também elevando as estimativas para a taxa de juros – a ferramenta usada pelo Banco Central para tentar conter a alta de preços. “O índice está alto e causa preocupação. Isso deve levar o Banco Central a continuar a subir a taxa de juros”, disse o economista-chefe do Banco Itaú, Mário Mesquita. A Rio Bravo Investimentos elevou sua projeção para a taxa Selic de 6,25% para 6,50% este ano. “A inflação mais pressionada parece mais duradoura. Na verdade, está havendo espalhamento. Vemos, pela difusão, que não é concentrado em um item só. O índice de difusão (que aponta a distribuição da inflação pelos diferentes tipos de produtos) ficou em 64% em maio e está rodando acima de 60% nos últimos três meses. Essa questão de custos está muito espalhada em toda cadeia. Os problemas na cadeia de suprimentos impactam a produção de diversos itens”, diz Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos. Ela também acredita agora numa taxa Selic de 6,5% ao fim deste ano. Antes, a aposta da XP era de que esse nível só seria atingido em 2022. ​“O problema, aqui, é que todo mês a gente está apontando uma surpresa, e ela vem sistematicamente”, ressaltou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. “Ainda que a surpresa tenha sido concentrada em combustíveis e alimentação fora do domicílio, no nosso caso, eu estou prestes a revisar o cenário de inflação para cima.” Após a surpresa com o IPCA de maio, a LCA Consultores já elevou a projeção para a inflação de 2021, de 5,50% para 5,80%, se distanciando cada vez mais do teto de tolerância da meta, de 5,25%. Além da taxa mais “salgada” em maio, a consultoria cita pressões derivadas direta e indiretamente da energia elétrica. No mês passado, a LCA já tinha elevado a projeção para o IPCA de 5,0% para 5,50%, por conta do cenário hídrico mais desafiador, à alta mais forte de commodities e à expectativa de aquecimento maior da atividade no segundo semestre. “O quadro qualitativo da inflação está realmente muito preocupante”, disse o economista do Banco ABC Brasil Daniel Lima, que já espera uma “revisão relevante” do cenário de inflação do banco para 2021, de 5,4% para perto de 6%. “Os serviços tiveram deflação menor do que o esperado (-0,15%), puxados pela alta da alimentação fora do domicílio (0,98%). Em tese, essa parte deveria ajudar mais, deixando a inflação em um modo mais moderado”, acrescentou. A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, deve elevar um pouco menos sua projeção para o IPCA de 2021, de 5,30% para 5,40%. Embora reconheça que o resultado final do ano ainda possa ser um pouco mais elevado, ela espera que a recente valorização do real ante o dólar ajude a conter aumentos de preços no segundo semestre deste ano. “O cenário de inflação se deteriorou nos últimos meses. Ressaltamos que ainda é muito concentrado em bens comercializáveis, um choque de oferta. É uma inflação mais alta que vem de vários choques. Ainda perdura, porque a economia não se normalizou”, disse Vitória. Em maio, a energia elétrica subiu 5,37%, devido à entrada em vigor da bandeira tarifária vermelha patamar 1, que aumenta a cobrança adicional sobre a conta de luz, em substituição à bandeira amarela em vigor em abril. Além da mudança na bandeira tarifária, ocorreram reajustes em diversas regiões pesquisadas, apontou o IBGE. As famílias também gastaram mais com o gás encanado e o gás de botijão, que já acumula uma alta de 24,05% em 12 meses consecutivos de aumentos. A gasolina subiu 2,87% em maio, acumulando um aumento de mais de 45% em 12 meses. Apenas as altas da gasolina e da conta de luz responderam por quase metade da inflação do mês. Também houve elevação nos preços do gás veicular, etanol e óleo diesel. Na alimentação, as frutas ficaram mais baratas, mas houve nova rodada de altas nos preços das carnes e da alimentação fora de casa. Também pesaram mais no bolso do consumidor os medicamentos, plano de saúde, itens de vestuário e artigos de residência. Sem pressão de demandaApesar dos aumentos disseminados, ainda não há sinais de pressão de demanda sobre a inflação, defende Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE. Segundo o pesquisador, embora haja um cenário de recuperação da economia, o mercado de trabalho ainda mostra desemprego elevado e renda comprimida. “Não dá para falar em inflação de demanda não. Ainda temos um contexto de desemprego alto e renda comprimida”, ressaltou Kislanov. “Serviços tiveram queda.” Dentro do IPCA, a inflação de serviços – usada como termômetro de pressões de demanda sobre a inflação – arrefeceu de uma alta 0,05% em abril para uma deflação de 0,15% em maio, sob influência da queda nas passagens aéreas (-28,33%), mas também de itens importantes no orçamento das famílias, como aluguel residencial (-0,20%) e condomínio (-0,24%). “Por outro lado, teve aceleração em alimentação fora e transporte por aplicativo,

Risco de estouro da inflação (Editorial)

Garantir comida, moradia e demais condições básicas de sobrevivência é uma tarefa cada vez mais complicada para os brasileiros, com a disparada dos preços. A inflação de maio, 0,83%, foi a maior para o mês em 25 anos. Chegou-se a um recorde nada festivo, especialmente num país com mais de 14 milhões de desempregados. Muitas famílias têm dependido de ajuda para comer e o número de subnutridos volta a aumentar, num tenebroso retrocesso histórico. O quadro piora seguidamente. Já chegou a 8,06%, em 12 meses, a alta acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em abril havia chegado a 6,76%. Nem os mais otimistas levam em conta, em suas previsões, a meta oficial de inflação, de 3,75%. O foco, agora, está num ponto bem mais alto, no limite de tolerância, de 5,25%, fixado para 2021. O estouro desse limite já é tido como quase certo. No mercado, a mediana das projeções já cravou 5,44% como resultado final deste ano. Com mais de 8% em 12 meses, parece bem menos fantasmagórica a inflação de 2015, quando o IPCA subiu 10,67%. Foi uma das últimas façanhas do governo da presidente Dilma Rousseff. O Brasil saberá, dentro de dias, depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), se os diretores do Banco Central (BC) terão sangue-frio para manter a “normalização parcial” da taxa básica de juros. “Normalização parcial” foi a qualificação oficial dos últimos dois aumentos, cada um de 0,75 ponto porcentual. Mantido o padrão, a taxa será elevada para 4,25%. O sangue-frio foi demonstrado, até a última reunião, com a tentativa de atender a dois objetivos: reagir à inflação crescente com um leve aperto monetário e, ao mesmo tempo, manter juros muito moderados para estimular a atividade. Economistas muito respeitados no mercado e na academia têm criticado a “normalização parcial”, sugerindo ações mais fortes para contenção da alta de preços. Isso permitirá, segundo argumentam, um avanço mais seguro, logo adiante, na reativação dos negócios. O novo surto inflacionário é um fenômeno global. A inflação recuou quando a atividade foi derrubada pela crise pandêmica e retornou em seguida, mais forte, quando a economia reagiu. O Banco Mundial dá destaque a esse novo surto na edição de junho de suas Perspectivas Econômicas Globais. Segundo o relatório, a inflação média nos países emergentes e em desenvolvimento chegou a 3,5% em 2020 e a projeção para 2021 aponta 4,5%. Na maior parte dos países, o resultado anual ficará na meta ou na vizinhança. O cenário brasileiro é obviamente mais preocupante. A alta de preços tem sido bem superior à média observada naquele grande grupo de países e, além disso, as projeções são bem piores. Alguns fatores têm sido observados em toda a parte: alta das cotações de alimentos e de minérios e desvalorização das moedas em relação ao dólar. Mas quem segue o dia a dia do Brasil percebe logo algumas diferenças. A alta geral de preços tem sido maior e as projeções são piores, assim como o impacto do câmbio. Desde o ano passado, o real tem sido uma das duas ou três moedas mais desvalorizadas diante do dólar. Além disso, a instabilidade cambial tem claramente refletido as incertezas diante do quadro fiscal e reações negativas a palavras e decisões do presidente da República. A posição do câmbio seria muito diferente se estivesse associada apenas ao comércio exterior, à evolução do balanço de pagamentos, ao estoque de reservas e à excelente condição de solvência externa. O IPCA subiu 3,22% em cinco meses. Atingirá rapidamente a meta anual de 3,75% e ficará muito difícil evitar o estouro do limite superior. O Copom terá de resolver se um aperto mais forte será justificável como forma de cumprir sua missão central, a defesa do poder de compra da moeda. Se um aumento maior de juros frear o crescimento, o desemprego, já muito alto, será ainda mais duradouro. Se a inflação continuar intensa, os desempregados e os pobres, de modo geral, serão os mais prejudicados. É permitido jogar cara ou coroa em reunião do Copom? O ESTADO DE S. PAULO

PIB encosta em nível que teria sem crise, diz SPE

Enquanto indicadores agregados da atividade brasileira surpreendem positivamente em 2021, a despeito da piora sanitária, um olhar mais atento aos segmentos que compõem os grandes setores da economia revela ramos – e não apenas em serviços, mas também no comércio e na construção – em que a confiança está muita baixa e persistem dificuldades para aproveitar esse “vento favorável”. Sete dos dez segmentos com os menores níveis de confiança em maio de 2021 estavam no setor de serviços, aponta abertura das Sondagens do Instituto Brasileiro de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). A confiança mais baixa, porém, é a do varejo de tecidos, vestuário e calçados. Na média móvel de três meses – métrica que ajuda a observar tendências -, registra 69,6 pontos. Em termos de evolução, também fica na lanterna: a confiança está 27,3 pontos abaixo do nível pré-covid fevereiro de 2020), pelas médias trimestrais. “Chama a atenção que o segmento realmente evoluindo de forma menos favorável não é o de serviços”, afirma Aloisio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas do FGV Ibre. Isso porque o setor é o mais diretamente atingido pelo isolamento social. Mas diversas de suas categorias estão no “top 10” da menor confiança (ver quadro ao lado). Na ponta oposta, quase todos os segmentos mais otimistas são da indústria, com exceção do comércio de veículos. “O problema são os que dependem de venda A recuperação da economia brasileira em ritmo mais forte do que o esperado colocou o país apenas 2% abaixo do que estaria, caso a tendência de crescimento dos anos de 2017 a 2019 não tivesse sido interrompida pela recessão da covid-19. O cálculo é da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia e foi antecipado ao Valor pelo subsecretário, Fausto Vieira, da área macroeconômica da pasta. Essa distância pode até ser eliminada, ainda neste ano, o que seria inédito nos dez episódios de retrações do nível de atividade vividos pelo Brasil desde 1980, avalia Vieira. Mesmo que esse prognóstico não se confirme, ele diz que a distância de 2% em relação à tendência sem a crise é um evento raro, só ocorrido após a recessão de 2001, evidenciando o bom desempenho da atividade. Nas outras recuperações, esse espaço foi bem superior, com no mínimo 5% de distância ante a trilha original. O economista do governo ressalta que a literatura mostra não ser só no Brasil que há dificuldade de se alcançar o nível em que a economia estaria sem o evento negativo. Em geral o que se perdeu não se recupera nunca mais, e isso é mais frequente em países pobres. Vieira salienta que o atual ciclo no Brasil tem sido liderado pelos investimentos e estaria sendo financiado pelo setor privado. Ele atribui esse movimento às mudanças macroeconômicas, com uma agenda de melhoria de marcos regulatórios e a chamada consolidação fiscal. Em sua visão, o fato de o país ter tido a maior expansão de gastos públicos da história no ano passado, embora tenha ajudado, não explica a retomada e a liderança dos investimentos, que já superaram o nível pré-pandemia. “Se fosse por causa disso [expansão fiscal] o consumo estaria bombando, mas o que está puxando é o investimento, que está respondendo a questões do lado da oferta, como novos marcos legais, crédito e financiamento barato indo para onde há produtividade”, disse. Enquanto os investimentos cresceram 13,5% e 17% nos últimos dois trimestres, o consumo das famílias recuou 3% e 1,7%, respectivamente, na comparação com iguais períodos do ano anterior. “Nós fizemos as medidas para ajudar na pandemia, elas tiveram efeito para a população e teve uma retomada no consumo, mas não foi tão forte. O que veio forte foi o investimento”, acrescentou. Com essa leitura, o técnico do governo destaca a necessidade de se persistir na agenda de melhoria de regras para o setor privado e também em se manter a agenda fiscal, com medidas como a reforma administrativa e a manutenção do teto de gastos. Com isso, avalia, a retomada será sustentável no longo prazo. O professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador do Cebrap, André Roncaglia, enxerga a recuperação de forma diferente. Além da expansão fiscal, ele aponta que outros fatores cooperam para isso, como o ciclo de alta de commodities. “O monumental déficit de 2020 ainda é parte importante desse crescimento, que poderia ter sido maior se governo não tivesse cortado o auxílio emergencial no início do ano”, destacou. “Tirar o efeito da demanda é pouco razoável, mas pode haver também o elemento de confiança puxado pelos fatores que mencionei. Não acredito que tudo está ocorrendo no lado da oferta”, completou. Roncaglia mostra ceticismo quanto à manutenção desse crescimento. A principal razão, explica, é o mercado de trabalho, com mais de 20 milhões de desempregados e desalentados (quem não procura mais emprego). “Essa vulnerabilidade no mercado de trabalho refuta a expectativa de que economia brasileira volte de maneira muito forte. É preciso uma recuperação do emprego e da renda para resgatar o consumo de maneira muito forte”, destaca. O economista também aponta que o ciclo das commodities pode ser mais curto e menos intenso do que o da década de 2000, por fatores como a mudanças nas cadeias de valor. Outro fator a jogar contra, diz, é a relação “histriônica” do Brasil com o exterior, principalmente na área ambiental, que hoje mobiliza grande parte do capital internacional. “A conjunção de fatores que hoje sustentam a economia não permite acreditar que ela vai retomar nível pré-pandemia nem o de 2013.” Roncaglia diz que para sustentar a retomada e assim gerar empregos e renda é preciso acelerar a vacinação e o setor público voltar a mobilizar investimentos em infraestrutura, além de uma reforma tributária que atinja quem ganha muito, entre outras medidas. Nesse contexto, ele defende abandonar o teto de gastos para não sufocar o investimento público. São visões diferentes sobre uma mesma realidade de recuperação surpreendente na econômica. Se o PIB mais forte é uma boa notícia, em especial para as