Reforma administrativa do governo passa por desidratação na largada

O relator da reforma administrativa na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, deputado Darci de Matos (PSD-SC), promoveu uma nova desidratação na proposta do governo nesta quinta-feira (20). Ele removeu do texto o trecho que criaria novos princípios para a administração pública. Na semana passada, Matos já havia removido a possibilidade de o Poder Executivo fundir, transformar ou extinguir autarquias e também o trecho que impedia servidores de carreiras típicas de Estado de exercerem qualquer outra atividade remunerada. Nesta quinta, o relator ampliou seu relatório e retirou a modificação proposta pelo Executivo no artigo 37 da Constituição, que estabelece o que deve nortear a administração pública. Hoje, os princípios são a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Na PEC (proposta de emenda à Constituição) que enviou ao Congresso, o governo queria —dentre as várias modificações— incluir as expressões imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade. O deputado afirmou em seu parecer que a inclusão de novos princípios no texto constitucional deve possuir densidade normativa e que, da forma proposta, poderia gerar interpretações múltiplas. Matos disse ainda que a admissão das expressões levaria a uma excessiva abertura normativa não apenas indesejável, mas prejudicial à estabilidade jurídica e incompatível com a segurança jurídica. “Haveria uma corrida ao STF [Supremo Tribunal Federal] para clarear isso. Por exemplo, a inovação. Daqui a pouco o juiz poderia processar um prefeito que não inovou na prefeitura, mas pode ser que ele não tenha tido recursos para isso, por exemplo”, disse Matos à Folha. Segundo ele, a retirada não chegou a ser conversada previamente com membros do Executivo —mas foi alinhada com a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ e a aliada do governo. O objetivo foi remover qualquer ponto que pudesse ser visto como inconstitucional e que pudesse atrapalhar a tramitação da proposta. O parecer de Matos, após as remoções, concluiu que a proposta do governo não viola princípios constitucionais. Ele afirmou que a PEC tende a sofrer mais modificações na próxima etapa, a comissão especial, já que esse colegiado é que analisa questões de mérito sobre o texto. O governo defendia as mudanças nos princípios removidos por Matos como uma forma de modernizar a administração pública. No entanto, as propostas eram questionadas por analistas. No caso da subsidiariedade, por exemplo, o argumento do governo é que é preciso estabelecer que União, estados e municípios não podem atuar nas mesmas áreas. “É exatamente respeitar o espaço de atuação de cada ente. Deixar para os municípios as responsabilidades que a Constituição delega para eles, para os estados da mesma forma, e para que a União atue naquilo que não é responsabilidade de estados e municípios. Para que não haja exercício de competência de um ente por outro ente”, afirmou Gleisson Rubin, secretário especial adjunto de Gestão do Ministério da Economia, ao apresentar a proposta em setembro de 2020. Especialistas e representantes de servidores levantaram dúvidas sobre o princípio, no entanto, dizendo que ele pode levar à interpretação de que o Estado deveria ser “subsidiário” para dar espaço à iniciativa privada, em vez de regulador e fiscalizador da economia. Fontes do governo minimizaram a perda dos trechos dizendo que eles não afetam de forma crucial a proposta. Outros dois pontos da reforma removidos foram anunciados na semana passada. Um deles é o que dava a possibilidade de o presidente da República extinguir, transformar ou fundir autarquias. “Não nos parece admissível do ponto de vista constitucional, posto que tais entidades são criadas para desempenhar, de forma descentralizada, atividades típicas de Estado. Por essa razão, ostentam personalidade jurídica própria e da mesma natureza dos entes primários (União, Estados etc.), além de nem sequer estarem subordinadas aos ministérios, mas tão-somente vinculadas”, afirmou o deputado. Outra retirada é o ponto que impedia a realização de qualquer outra atividade remunerada para carreiras típicas de Estado (que ainda não foram definidas, mas que devem incluir diplomatas e policiais, por exemplo). Para o deputado, o trecho “representa uma restrição flagrantemente inconstitucional que não se justifica”. “Era um absurdo. Policial não pode ter salão de beleza, restaurante, não pode ter uma chácara? O Vinicius de Moraes era diplomata e ganhava dinheiro [também] com música”, disse. A expectativa é que o relatório seja lido na CCJ na segunda-feira (24) e votado no dia seguinte na comissão. O calendário foi adiado em uma semana em relação à previsão anterior. A oposição comemorou o adiamento da discussão e votação. O deputado Gervásio Maia (PSB-PB) avaliou que houve uma alteração de tom na tramitação. “Visivelmente houve alguma mudança de estratégia. Eles estavam muito apressados, muito açodados”, disse. Na terça, quando deve ocorrer a votação, Maia afirmou que a oposição vai usar todos os instrumentos disponíveis para obstruir o processo. Se a admissibilidade for aprovada, a PEC segue para uma comissão especial, presidida pelo deputado Fernando Monteiro (PP-PE). O texto será relatado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA) e o colegiado terá até 40 sessões para propor mudanças ao mérito do texto. Em 22 de fevereiro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estimou que a reforma administrativa seria votada no plenário da Casa antes do fim do primeiro trimestre. No dia 10 de maio, afirmou que sua intenção era enviar o texto para o Senado até julho. No entanto, a expectativa é que a PEC saia da comissão especial em agosto. Aliados do presidente Jair Bolsonaro veem chance de a reforma sair do papel só em 2023, depois das eleições. A reforma proíbe progressões automáticas de carreira, como as gratificações por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilidade em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras. Sem efeito sobre os atuais servidores e dependente de futuras regulamentações para mudar regras consideradas sensíveis, a medida não deve gerar economia aos cofres públicos no curto prazo. O pacote atinge futuros servidores dos três Poderes na União, estados e municípios, mas preserva categorias específicas. Juízes, procuradores, promotores, deputados e

Só eficiência maior não resolve redução da pobreza, é preciso gastar mais, diz Ipea

Uma redução forte da pobreza e da desigualdade por meio de um amplo programa de transferência de renda demanda orçamento maior e novas fontes de financiamento. Essa é a mensagem central do estudo “A reformulação das transferências de renda no Brasil: simulações e desafios”, recém-finalizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O material, antecipado ao Valor, tem uma série de simulações sobre como se poderia ampliar o atual sistema de transferência de renda brasileiro e atingir melhores resultados que o já bem-sucedido Bolsa Família. O texto parte do debate gerado pela experiência do auxílio emergencial durante a pandemia, que descortinou o mundo dos “invisíveis” (para usar a expressão do ministro da Economia, Paulo Guedes). E apresenta nove possíveis arranjos que ampliariam o alcance do Bolsa Família e, na maioria dos casos, reduziriam a pobreza e a desigualdade. “Se o objetivo for combater a extrema pobreza e reduzir a desigualdade de forma mais forte, sugerimos que seja adotado um desenho de benefícios fortemente progressivo, dentro de cenários orçamentários substancialmente mais generosos do que o atual”, diz o documento. “Serão eles que conseguirão reduzir a extrema pobreza e a desigualdade de maneira mais sensível. Cenários orçamentários melhores que o atual, mas ainda relativamente modestos apresentarão resultados apenas marginalmente melhores.” O estudo tem como autores dois gestores públicos com experiência na gestão do Bolsa Família e de cadastro social (Luís Henrique Paiva e Leticia Bartholo) e dois pesquisadores do Ipea: Pedro Souza e Rodrigo Orair. O trabalho não faz somente cenários de custos e de desenhos dos programas, mas também levanta questões práticas relacionadas à operacionalização de um programa mais amplo, bem como apresenta desenhos sobre possíveis fontes de financiamentos (leia texto abaixo). As simulações consideram três tamanhos de orçamento. O primeiro é de R$ 58 bilhões por ano. Esse valor representaria neutralidade fiscal – os recursos poderiam ser obtidos pelo rearranjo de benefícios hoje existentes (como Bolsa Família, abono salarial, e dedução por dependente do Imposto de Renda). O segundo, de R$ 120 bilhões. O terceiro, R$ 180 bilhões. Para cada um desses orçamentos, o texto considera três hipóteses: o pagamento de benefícios focalizados só nos mais pobres (modelo mais próximo do Bolsa Família, mas com alcance maior, a partir da elevação da linha de pobreza); modelo híbrido, com um benefício para todas as crianças e focalização nos adultos mais pobres; e modelo universal, inspirado na tese de renda básica de cidadania. “Em todas as simulações, a cobertura seria significativamente maior do que a observada atualmente, saltando das 14 milhões de famílias do Bolsa Família para, no cenário mais restrito (benefício focalizado, cenário de R$ 58 bilhões/ano), 26 milhões de famílias beneficiárias” diz o documento. “No caso do modelo de benefício universal, por definição, todas as 73 milhões de famílias brasileiras seriam contempladas em qualquer dos cenários orçamentários.” O texto indica preferência pelos desenhos que envolvem modelos mais focalizado ou híbridos. Os cálculos sugerem que propostas universais teriam impacto pequeno na pobreza e desigualdade, exigindo gasto muito alto para isso e, em alguns cenários, teriam até efeito inverso. O documento mostra que, com R$ 58 bilhões decorrentes apenas do remanejamento dos recursos hoje existentes no Orçamento, seria possível reduzir o índice de Gini, que mede a desigualdade, em 1,3% no modelo focalizado e 0,8% no híbrido. A pobreza, por sua vez, diminuiria 0,6 ponto porcentual e 0,3 ponto., respectivamente. Com R$ 120 bilhões de orçamento, os resultados são bem melhores. “O modelo focalizado se destaca, derrubando a desigualdade em quase 5%, variação muito maior do que a queda anterior de 1%. O modelo híbrido não fica muito atrás, causando redução de 3,5% no Gini, percentual que cai para 1,5% com o modelo universal. Assim, seria preciso gastar R$ 120 bilhões com um benefício universal para alcançar o mesmo efeito redistributivo obtido pelo focalizado com menos da metade deste valor”, diz o texto. E na pobreza, uma das simulações com esse valor chega a reduzir em 41,9%. Diante do fato apontado que o orçamento é crucial para que, seja qual for o desenho, o programa tenha sucesso “se a sociedade quiser ter um impacto muito maior na redução da pobreza e da desigualdade, é preciso mais dinheiro, não basta ter ganhos de eficiência”, disse ao Valor, Luís Henrique Paiva, um dos autores. “Nós tentamos fugir da ideia de fazer uma proposta específica, buscamos apresentar desenhos básicos que podem inspirar para ir a algum lugar. O mais importante, ficou claro, é ter um orçamento grande”, acrescentou, tecendo elogios ao Bolsa Família. Rodrigo Orair, por sua vez, complementa que o estudo acaba sendo crítico para os dois lados mais extremos da discussão. Mostra que a renda básica universal não vai resolver os problemas, mas também aponta na direção contrária aos que defendem ser possível ter uma proteção social ampla no Brasil só melhorando a focalização de políticas públicas, sem gastar mais. “Vender a ideia de que você vai melhorar tanto assim a focalização é vender uma promessa que não será cumprida. O estudo mostra que, se quiser ter proteção social ampla, vai ter que gastar”, disse Orair. Ele ficou responsável por levantar as possibilidades de financiamento dos modelos, apresentando combinações de recursos originários da reforma tributária sobre o consumo (IBS), ampla reformulação do Imposto de Renda sobre empresas e pessoas físicas, tributação de patrimônio e unificação de benefícios atualmente existentes VALOR ECONÔMICO

Investimento no Brasil tem pior década em 50 anos, diz estudo

Os investimentos no Brasil, tanto públicos quanto privados, tiveram de 2011 a 2020 a pior década em 50 anos. Os aportes foram equivalentes a 17,7% do PIB (Produto Interno Bruto), o resultado mais fraco desde a década de 1961 a 1970, segundo estudo dos pesquisadores Juliana Trece e Claudio Considera, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas). Além disso, pelos cálculos é possível observar que quase nove em cada dez países do mundo (87%) tiveram investimentos maiores do que os do Brasil no ano passado e que a pandemia não mudou a trajetória de baixa que era vista antes da crise sanitária. “O Brasil ainda investe muito pouco, mesmo quando se compara com países similares. A pandemia traz dificuldades, mas este é um problema antigo”, diz Trece. No ano passado, a taxa de investimento do país foi de 16,4% do PIB, mas já vindo de um histórico difícil desde a recessão de antes da pandemia, entre 2015 e 2016. Quando os pesquisadores comparam apenas as economias emergentes, os demais países investiram, em média, mais que o dobro do Brasil. “Desde a década de 1980, vemos um ritmo de desindustrialização que afeta os investimentos. Um fator que colabora para isso é a taxa de investimentos oriunda da construção. Ela vem diminuindo sua participação”, diz a pesquisadora. Os pesquisadores também concluíram que o país teve uma taxa de investimentos média de 2010 a 2014 de 20,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Com a recessão, do segundo trimestre de 2014 até 2016, os investimentos desabaram, com a taxa indo a seu menor nível, de 14,6%, em 2017. De acordo com o estudo, foram quatro anos seguidos de queda real dos investimentos. Na comparação de 2011 com o ano passado, a fatia dos investimentos em construção (desde obras pesadas de infraestrutura até na construção de residenciais) caiu 3,4 pontos percentuais, perdendo espaço para os aportes em máquinas e equipamentos —um desempenho que atrapalha tanto no volume de investimentos quanto em uma retomada mais robusta do mercado trabalho, já que o setor é um importante empregador. 87%dos países do mundo apresentaram uma taxa de investimento maior do que a do Brasil em 2020 44%foi a participação da construção na formação bruta de capital fixo de 2018 a 2020; de 2000 a 2017, essa média de participação era de 52% Fontes: IBGE, com cálculos de pesquisadores do Ibre/FGV Nas obras de infraestrutura, que demandam investimentos mais pesados, a queda na taxa se dá pelas dificuldades fiscais do país, no caso dos investimentos públicos. No caso da iniciativa privada, o investidor acaba optando por outros países em uma situação mais estável, lembra a economista. “Estamos em uma situação ruim para o investimento público e com dificuldades de atração de investimento privado”, diz ela. Para a pesquisadora, as reformas estruturais que ainda não foram aprovadas seriam um caminho para retomar a confiança dos investidores e destravar investimentos, mas a pandemia obrigou o adiamento das discussões. De acordo com o estudo, os resultados mostram a importância de reverter o cenário dos investimentos de construção. “Para que o PIB possa voltar a crescer a taxas mais robustas e com isso, possibilitar a redução da taxa de desemprego, é preciso que além dos investimentos em máquinas e equipamentos, a construção mereça atenção.” “Primeiro, é preciso resolver a questão da pandemia, acelerando o processo de vacinação. Depois, precisamos continuar a resolver os problemas que vinham de antes da pandemia.” Trece avalia que, historicamente, o pontapé inicial dos investimentos tende a ser por via pública, para alavancar um determinado setor, e o investimento privado costuma vir em seguida. “Apesar de termos de pensar em um ajuste fiscal, não tem como parar os investimentos públicos.” Outra iniciativa importante, ela complementa, pode se dar por meio de concessões e privatizações. “Só não dá para ficar do jeito que está.” Para este ano, os pesquisadores esperam uma melhora nos investimentos, mas ainda bem lenta e distante do nível de antes da recessão de 2015 e 2016. “Se a gente conseguisse voltar ao nível de antes da recessão, seria importante, por ser um dos maiores que o país já teve, mas o investimento parece travado.” FOLHA DE S. PAULO

Rede de moda Marisa planeja ter 50% de mulheres na diretoria até o fim do ano

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A rede de moda feminina Marisa acaba de elevar para 50% a presença de mulheres em seu conselho de administração e agora planeja fazer o mesmo nos cargos de diretoria. A meta será cumprida até o fim deste ano, segundo a empresa, que tem hoje apenas uma mulher nos seis postos da diretoria. A terceira mulher no conselho, composto por seis membros, assumiu em março. Com a chegada de Flávia Verginelli, que teve passagem por empresas como Google e Microsoft, a Marisa recebeu o selo ​Women on Board, apoiado pela ONU Mulheres, que certifica empresas com duas ou mais mulheres nos conselhos. ​ FOLHA DE S. PAULO

Programas capacitam jovens minorizados para mercado de trabalho

As desigualdades sociais que perpassam por problemáticas de gênero, classe, raça e acessibilidade estão sendo cada vez mais discutidas no mercado de trabalho. Não apenas com relação a diversidade e inclusão de grupos minorizados, mas também na capacitação dessas pessoas. Com isso, estão abertas inscrições tanto do projeto Cósmicas – Programa de Lideranças Femininas Makro, concebido pelo Instituto Tomie Ohtake com patrocínio do Makro Atacadista, quanto da plataforma Vocação LIT, com cursos da Saint Paul Escola de Negócios e apoio da Vocação, organização da sociedade civil que atua para fortalecer as capacidades de crianças, jovens e suas comunidades. Com mil vagas abertas, o Cósmicas foi desenvolvido com foco em mulheres jovens (de 14 a 21 anos), que sejam prioritariamente negras, indígenas, trans e com deficiência, que residam nas periferias da capital paulista e de outras 18 cidades do estado de São Paulo. As inscrições podem ser feitas no site, até o dia 5 de junho. “Esses programas têm um papel fundamental, principalmente quando falamos das mais jovens. Primeiro porque mostrar que estar na liderança é um lugar para todos. Não é uma coisa inatingível, principalmente quando damos acesso a oportunidades. Participar desses programas dão a possibilidade de troca de experiências”, diz Jandaraci Araujo, cofundadora do Conselheira 101, conselheira do CIEE São Paulo e uma das 30 mulheres inspiradoras que serão responsáveis por ministrar atividades no programa. Além de Jandaraci, também estarão presentes nomes como Adriana Barbosa, da Feira Preta, Macaé Evaristo, vereadora em Belo Horizonte, Priscila Gama, presidente do Instituto Das Pretas, e Danielle Rainha, CHRO do Makro Group. “Não é empoderar, é despertar o protagonismo. Todo mundo tem poder. O que a gente faz é despertar o protagonismo individual, fortalecendo o poder das redes e que as pessoas podem ter um papel de liderança independente de onde elas estejam (bairro onde vivem, empresas e outros)”, ressalta Jandaraci. São 16 semanas de atividades, totalizando 112 horas com conteúdos diversos, como aulas online, encontros com lideranças femininas inspiradoras e experiências virtuais ligadas a temas como artes, cultura, direitos humanos, ancestralidade, gênero, raça e acessibilidade. O principal objetivo é criar espaços de aprendizagem, desenvolvimento de autonomia e articulação de redes. Como o programa ocorrerá de forma remota, a plataforma online para a interação das participantes com os conteúdos e o pacote de dados de internet serão disponibilizados pelo Cósmicas. Para Jandaraci, o preconceito ainda é uma questão a ser enfrentada no Brasil. “A gente ainda tem muito o que batalhar para falar de equidade de gênero no País, principalmente quando falamos de intersecções. Mulheres negras são minorizadas nos espaços de poder, mesmo sendo 27% da população. E aí eu volto para um dado que foi divulgado no ano passado de que mulheres negras chegam a ganhar 160% a menos que homens brancos. Estou falando além de um tabu, mas um preconceito. A sociedade não avança.” Capacitação de jovens em 2 anosOutra parceria que busca capacitar jovens de baixa renda é formada pelo LIT, plataforma de cursos da Saint Paul Escola de Negócios, e a Vocação, organização da sociedade civil que atua para fortalecer as capacidades de crianças, jovens e suas comunidades. Em um primeiro momento, mil vagas serão abertas, sendo que metade é dedicada ao público atendido pela entidade e as demais são para o público geral. A expectativa é atender 13 mil alunos ao longo de dois anos de projeto, com idades entre 18 e 24 anos. Serão oferecidos cursos livres gratuitos em diversas áreas, desde assuntos mais técnicos – como contabilidade e finanças pessoais – até o desenvolvimento de soft skills, com temas voltados para gestão e liderança. “Os cursos são livres, qualquer pessoa pode fazer, e isso é importante para não criarmos restrições que, eventualmente, algum jovem tenha por não ter concluído alguma fase dos estudos”, comenta José Cláudio Securato, CEO da Saint Paul Escola de Negócios e idealizador do LIT. Ele afirma que a capacitação oferece a oportunidade de um currículo mais competitivo para o mercado de trabalho, que passa por um momento frágil devido à pandemia e contabiliza 14,2 milhões de desempregados no Brasil. Há ainda uma porcentagem de pessoas subutilizadas, ou seja, que atuam em funções que exigem menos do que a qualificação delas. “Quando faz extrato disso para o jovem, tem problema grave que é: ele não tem emprego porque não tem experiência e não tem experiência porque não tem emprego. O foco da parceria é democratizar a aprendizagem de qualidade, conseguir fazer a educação chegar a eles. Pelo menos um início para ter mais projeção no mercado de trabalho”, diz Securato. Dessa forma, a edtech (startup de educação) ainda não atua para fazer a ponte direta desse jovem com o mercado de trabalho, mas a união entre a empresa e a Vocação vai na linha de complementar o trabalho de ambas. Enquanto uma oferece a capacitação, a outra segue com o trabalho que já é realizado de formação pessoal, profissional e o programa de jovem aprendiz. Os cursos podem ser acessados por qualquer jovem e, inicialmente, é necessário ter acesso à internet para baixar os conteúdos e realizar algumas atividades. Mas, com os materiais em mãos, é possível estudar de modo offline. As inscrições estão abertas por meio deste link e, a partir da validação pela Vocação, o estudante terá acesso a todos os cursos durante três meses. O idealizador do LIT destaca a possibilidade de personalização do aprendizado na plataforma. “A gente usa uma inteligência artificial que atua em duas esferas: uma para ajudar a identificar o que o aluno já sabe sobre o curso que escolheu e outra que tem a ver com a personalidade de cada um, porque cada pessoa aprende de um jeito diferente”, explica. Assim, o estudante pode focar mais nos conteúdos que ainda desconhece e otimizar o ritmo e modo de aprendizagem, se mais com textos ou vídeos, por exemplo. O ESTADO DE S. PAULO

Mercado de trabalho na pandemia (Naercio Menezes Filho)

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A pandemia afetou o mercado de trabalho em vários países do mundo, mas a queda no emprego foi especialmente severa no Brasil. Enquanto a atividade econômica já voltou aos níveis de antes da pandemia, a taxa de desemprego continua bastante alta por aqui, assim como o número de pessoas que desistiu de procurar emprego. E os trabalhadores menos qualificados são os que estão sofrendo mais os efeitos da pandemia. Por que será que o emprego está demorando tanto a reagir? Qual a perspectiva futura para os trabalhadores jovens que não conseguiram completar o ensino médio? A figura ao lado mostra índices de emprego medidos através da Pnad Contínua para os trabalhadores que completaram o ensino médio ou superior e também para os que só estudaram até o ensino fundamental ao longo de 2019 e 2020, na indústria, comércio e serviços. Podemos notar que as séries apresentaram um leve aumento ao longo do 2019. Mas, já no início da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, o emprego dos trabalhadores menos qualificados começa a declinar acentuadamente, ao passo que entre os mais qualificados a queda é mais suave e concentrada no comércio e serviços. Com o agravamento da pandemia, o emprego despencou entre os menos qualificados dos três setores, com cerca de 20% dos trabalhadores perdendo seu emprego. Já entre os trabalhadores com ensino médio completo ou superior, a queda foi de 7% no comércio e apenas 3% na indústria e serviços. Desde então, o emprego tem reagido lentamente para todos os grupos, mas enquanto os mais qualificados já atingiram o nível de emprego do início de 2019, os menos escolarizados permanecem 20% abaixo. A situação é especialmente grave entre os mais jovens que não completaram o ensino médio. Por que isso ocorreu? Em primeiro lugar, devemos notar que esses efeitos fortes da pandemia no desemprego não estão acontecendo devido às políticas de distanciamento adotadas para conter a disseminação do vírus. O comportamento do emprego ao longo de 2020 foi bastante parecido nos locais que adotaram políticas de distanciamento mais rígidas logo no início da crise com relação aos que não as adotaram. Na verdade, esses efeitos decorrem em grande parte do receio das pessoas de saírem de casa e serem contaminadas pelo vírus. A taxa de isolamento social em São Paulo, que antes da pandemia era de apenas 28%, atualmente está por volta de 40%. Assim, mesmo depois de 1 ano e 2 meses desde o início da crise, 12% das pessoas que costumavam sair de casa todos os dias para trabalhar ainda permanecem isoladas em casa. E essa taxa apresentou poucas variações ao longo da pandemia, independentemente das medidas de isolamento tomadas no Estado. Junto com o isolamento, a pandemia provocou alterações na forma de trabalho e nos padrões de consumo. Quase 13% dos trabalhadores qualificados continuavam trabalhando de casa no final do ano passado, com poucas alterações nesta taxa ao longo da pandemia. Por outro lado, menos de 1% dos trabalhadores menos qualificados adotou o home office, pois trabalham em ocupações que não permitem o teletrabalho. Mas será que as pessoas que estão trabalhando de casa irão voltar a circular pelas ruas quando a pandemia acabar? Há evidências de que grande parte delas não voltará mais ao trabalho presencial, mesmo após o fim da pandemia. Dados do Instituto de Pesquisa DataSenado (2020) mostram que entre aqueles adotaram o home office, 75% preferem que no futuro o trabalho permaneça dessa forma. E a grande maioria acha que a sua produtividade aumentou ou permaneceu igual com o teletrabalho, o mesmo acontecendo com a produtividade da empresa em que trabalham. Por fim, 70% afirmam que a adaptação ao home office foi fácil. Acontece que, devido à alta concentração de renda no Brasil, os padrões de consumo da parcela mais rica da população têm muito impacto na geração de empregos dos menos qualificados. Os 10% mais ricos concentram cerca de 1/3 do consumo total no Brasil. Assim, mudanças de comportamento e no padrão de consumo dessa classe têm efeitos multiplicadores no emprego bem maiores do que mudanças nas classes média e baixa. Por exemplo, se as pessoas com maiores rendimentos permanecerem mesmo trabalhando de casa após a pandemia, deixarem de frequentar restaurantes em dias úteis e passarem a comprar comida e outros produtos pela internet, a recuperação dos empregos menos qualificados pode demorar muito para ocorrer, pois este tipo de compra não exige a presença de vendedores e garçons. Em suma, apesar da retomada da atividade econômica, a taxa de ocupação continua baixa, especialmente entre os jovens e menos qualificados. Isso reflete uma persistência na taxa de isolamento social, facilitada pelo fato de que parcela relevante das pessoas com maiores rendimentos continua trabalhando de casa. Como estas pessoas são responsáveis por uma grande parcela do consumo agregado no Brasil, sua mudança no padrão de consumo tem grande efeito sobre o emprego nos setores de alimentos, vestuários, shoppings e viagens, que empregam uma grande parcela de trabalhadores não-qualificados. A renda desses trabalhadores, por sua vez, movimenta o comércio informal nas ruas. Assim, se grande parte das pessoas com maior poder aquisitivo permanecer em home office após o final da crise, será difícil que o emprego dos jovens não qualificados retorne para os níveis de antes da pandemia, mesmo com a volta da circulação das pessoas nas ruas e nos shoppings nos finais de semana. E quanto mais tempo os jovens permanecerem desempregados, mais a sua trajetória profissional será afetada, diminuindo sua felicidade, produtividade e salários no futuro, empurrando-os para a criminalidade e aumentando a desigualdade de renda. Naercio Menezes Filho, é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP emembro da Academia Brasileira de Ciências, escreve mensalmente às sextas-feiras.E-mail: naercioamf@insper.edu.br VALOR ECONÔMICO

Câmara aprova desconto em dívida de empresários do Norte e Nordeste

A Câmara dos Deputados aprovou ontem medidas provisórias (MP) para renegociar, com altos descontos, as dívidas de empresários com os fundos de financiamento do Nordeste (Finor) e da Amazônia (Finam) e para reduzir as taxas cobradas pelo governo da internet banda larga via satélite. Os textos seguiram para sanção. A renegociação de dívidas causou polêmica por causa do aumento dos descontos aprovado pelo Senado, que subiu de 15% para 80%. PT e Novo criticaram a proposta e defenderam votar o texto original do governo. “80% de rebate, sem novas garantias do saldo, mudando a taxa referencial, isso é uma farra de dinheiro público, uma anistia para os caloteiros”, disse o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP). Relator da MP, o deputado Danilo Forte (PSDB-CE) defendeu que o dinheiro era privado, por serem fundos de aval a empréstimos, e que na prática estão extintos desde os anos 2000. “Quando você chega a situação em que 99% das empresas estavam inadimplentes, não foi o problema das empresas, foi o problema que o país atravessou”, disse. O governo defendeu a aprovação da medida, tal qual votada pelo Senado, mas não se comprometeu com a sanção dos aumentos. Já a medida provisória que reduz as taxas cobradas sobre a internet por satélite teve seu texto principal aprovado com amplo apoio na Câmara, mas emendas acatadas pelo relator, o Paulo Magalhães (PSD-BA), em negociação com o Executivo causaram grande polêmica por tirar dinheiro destinado a produções audiovisuais nacionais e por mudar a gestão dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). O projeto acabará com a cobrança de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) pelos serviços de vídeo por demanda (“streaming”), como o Netflix e Amazon Prime. Esses recursos são hoje destinados para o Fundo Nacional da Cultura (FNC) com o objetivo de produzir produções audiovisuais. Para a oposição e alguns partidos “independentes”, como o MDB e o Cidadania, a mudança deveria ser mantida para financiar produtores brasileiros. “Quem votar a favor estará privilegiando as grandes plataformas de ‘streaming’ em detrimento da produção audiovisual local”, disse Tadeu Alencar (PSB-PE). Autor da emenda, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) afirmou que a Condecine foi criada numa época em que não existiam serviços de “streaming” que a cobrança é irregular. “Ninguém está falando em mudar a lei porque nunca existiu lei para cobrar de serviço de ‘streaming’”, disse. Para ele, o correto seria cobrar sobre imposto sobre o faturamento da empresa e não haverá perda de receita porque as plataformas já não estavam pagando a taxa. O relator ainda ampliou a força do governo no conselho gestor que administra o Fust, ao ampliar os representantes do Ministério das Comunicações de um para dois. Assim, os ministérios terão sete representantes, contra seis “independentes” (um da Anatel, dois do setor de telecomunicações e três da sociedade). Esse conselho decide as diretrizes para aplicação do dinheiro e os projetos escolhidos. VALOR ECONÔMICO

Como a Ford queimou R$ 61 bilhões no Brasil

Um século atrás, Henry Ford veio ao Brasil e estabeleceu a cidade de Fordlândia, na esperança de se tornar um barão da borracha da Amazônia, mas desistiu depois da operação registrar forte prejuízo. Agora, a montadora que ele fundou está mais uma vez abandonando o País, após queimar cerca de R$ 61 bilhões na última década. A Ford anunciou o fechamento de suas fábricas no Brasil em janeiro, desferindo um duro golpe contra seus mais de 5 mil trabalhadores e quase 300 concessionárias no País. Até a decisão de desistir de produzir no Brasil, a Ford havia queimado R$ 39,5 bilhões, a maior parte em prejuízos acumulados, mas também com algumas injeções de dinheiro, de acordo com documentos arquivados na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Some-se a isso os US$ 4,1 bilhões (R$ 21,7 bilhões) que a Ford vai desembolsar para se livrar de seus compromissos no País, e o preço da operação brasileira sobe para R$ 61 bilhões. Quase todas as perdas e injeções de dinheiro ocorreram nos últimos oito anos, quando a empresa teve prejuízo de mais de R$ 10 mil em cada carro que vendeu, indicam cálculos da agência de notícia Reuters com base em registros e dados de vendas. A Ford, que não separa o Brasil da América do Sul em seus resultados financeiros, não quis comentar sobre os prejuízos, injeções de dinheiro e cálculos da Reuters. A pandemia prejudicou as finanças da companhia, mas os problemas da Ford também refletem, em parte, um erro estratégico que a deixou atrás de seus rivais na transformação de sua linha de carros compactos não lucrativos em SUVs de margem mais alta, de acordo com meia dúzia de fontes familiarizadas com a operação brasileira da empresa. A Ford elaborou um plano para focar nos utilitários esportivos (SUVs), mas foi muito lenta em implementá-lo, disseram as fontes. “Não havia outras opções viáveis”, disse Lyle Watters, presidente-executivo da Ford para a América do Sul à Reuters em comunicado sobre a decisão da empresa em parar de produzir no Brasil. Watters, que iniciará em julho uma nova função na Ford na China, citou um “ambiente econômico desfavorável, menor demanda de veículos e grande capacidade ociosa da indústria” para a retirada do Brasil. Ele se recusou a comentar sobre o projeto envolvendo SUVs, dizendo que não iria “especular sobre planos de novos produtos”. Brasil x MéxicoDe fato, o Brasil é um grande gerador de perdas para as montadoras globais, apesar de o governo fornecer subsídios federais que totalizaram R$ 42 bilhões na última década e uma tarifa de importação de 35% para proteger a produção local. Os custos internos são altos. Embora as fábricas locais possam produzir 5 milhões de carros por ano, mais do que o dobro do número vendido atualmente no País, as exportações são mínimas porque os preços não são competitivos. E custa dinheiro manter essas fábricas operando com ociosidade alta. O México, ao contrário do Brasil, exporta mais de 80% dos carros que fabrica, auxiliado por acordos de livre-comércio com os Estados Unidos e Canadá, o que o torna uma alternativa atraente para as mesmas montadoras que já operam no Brasil. Um estudo de 2019 da PwC descobriu que vender um carro mexicano no Brasil era 12% mais barato para uma montadora do que vender um veículo feito localmente, incluindo custos de produção, impostos e logística. O estudo foi encomendado pela associação de montadoras instaladas no Brasil, a Anfavea, que está pressionando o governo para reduzir impostos e custos trabalhistas. Os altos custos brasileiros significam que até mesmo as montadoras que optaram antes da Ford por SUVs de margens mais altas, como Volkswagen, General Motors e Toyota Motors, estão lutando para permanecer no azul. A Volkswagen Brasil acumula prejuízo de R$ 19 bilhões desde 2011, de acordo com os registros da Jucesp. A GM Brasil recebeu R$ 11 bilhões em injeções de dinheiro desde 2016 e a Toyota Brasil no ano passado recebeu perdão para R$ 6 bilhões em dívidas com a matriz, mostraram os documentos. Volkswagen, GM e Toyota se recusaram a comentar sobre as perdas e injeções de dinheiro. Perspectivas em quedaA Ford não conseguiu desenvolver um negócio de produção viável no Brasil, apesar da prática de buscar subsídios fiscais, que totalizaram mais do que qualquer um de seus rivais na última década. Desde 2011, a Ford arrecadou cerca de R$ 14 bilhões em subsídios fiscais, ou um terço de todos os incentivos automotivos federais distribuídos naquele período, de acordo com cálculos da Reuters com base em números oficiais. A Ford não quis comentar sobre os benefícios fiscais recebidos. Em 2013, porém, as perspectivas dos negócios começaram a mudar, à medida que os preços das commodities despencaram e arrastaram o real com ela, levando o Brasil a uma recessão profunda, agravada por escândalos de corrupção. Na época, o Brasil era o quarto maior mercado automotivo do mundo. Agora está em sétimo lugar. A fraca demanda doméstica e as exportações não competitivas levaram a Ford a quintuplicar suas vendas de veículos a frotistas entre 2011 e 2019 e aprofundar os descontos para 30% ou mais, disse uma pessoa familiarizada com os preços. A matriz da Ford nos Estados Unidos reforçou sua subsidiária brasileira com R$ 6,7 bilhões em injeções de dinheiro, em nove transferências ocorridas entre março de 2018 e janeiro de 2021, de acordo com os arquivos da Jucesp. No fim de 2019, a Ford estava considerando a principal mudança estratégica para fabricar SUVs no Brasil e tinha três modelos planejados, de acordo com três fontes familiarizadas com a operação. No entanto, muitos de seus concorrentes já estavam há dois anos renovando suas linhas para produzirem esses veículos localmente. “A verdade é que a Ford não conseguiu modernizar sua linha de produtos na mesma velocidade que seus rivais”, disse Ricardo Bacellar, chefe automotivo da consultoria da KPMG no Brasil. No final, os planos envolvendo SUVs da Ford no Brasil nunca se concretizaram. Em abril de 2020, a pandemia forçou a Ford a reavaliar

‘A lição amarga é que nada foi resolvido com a pandemia’, diz Gustavo Franco

Uma lição “amarga” que a crise da covid-19 já deixou em relação à política econômica brasileira é que os “velhos problemas” continuam aí, diz o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da gestora Rio Bravo Investimentos. Ao mexer com a noção de tempo, a pandemia “criou uma imensa metáfora da procrastinação” brasileira, sempre deixando para depois as reformas necessárias para deslanchar o desenvolvimento econômico, explica Franco. A reflexão faz parte do novo livro do economista, Lições Amargas (História Real, selo da editora Intrínseca), que chega às livrarias no próximo dia 26, tomando a crise de 2020 como ponto de partida para tratar temas como reformas, tamanho do Estado e privatização. A pandemia “não resolveu grandes guerras ideológicas e controvérsias” sobre a política econômica e, assim, o Brasil continua “encalhado no mesmo banco de areia de antes”, após “quatro décadas perdidas”, diz Franco. A seguir, os principais trechos da entrevista. No livro, o sr. escreve que parece que 2020 não terminou. Quando a economia brasileira deixará a pandemia para trás?A observação do livro tem a ver com as noções de tempo que a pandemia destruiu em todos nós. Não apenas do tempo vago, que cada um de nós fica no computador, em casa, confinado, uma espécie de tempo roubado. Cada um de nós achava que ia demorar menos o sacrifício do confinamento. Isso criou uma imensa metáfora da procrastinação que tem sido o Brasil nos últimos anos. Toda essa fase de reformas e consertos do Brasil era para já ter acabado, mas, não, continua a encrenca. Essa sensação de tempo desperdiçado, esticado, permite dizer que 2020 virou uma década perdida. E 2021 não começou ainda, vai começar em 2025. Qual a principal lição amarga da pandemia?É o desconforto de perceber que essa procrastinação permanente do nosso destino de glórias vai continuar. Os velhos temas continuam todos aí. A grande lição amarga é que nada foi resolvido com a pandemia. Tudo continua como estava. A pandemia não resolveu as grandes guerras ideológicas e controvérsias. Continuamos, portanto, encalhados, no mesmo banco de areia de antes. O Brasil continuará sendo o país do futuro que nunca chega?Já era visível, antes da pandemia, que estávamos terminando a quarta década perdida em matéria de crescimento. Falamos de década perdida nos anos 80 do século passado, mas, desde então, não tivemos nenhuma década que não fosse perdida. Estamos caminhando para trás, por causa dessa nossa indecisão crônica. As possibilidades (de desenvolvimento) continuam aí, mas a nossa incapacidade de executar as reformas que efetivamente promovam prosperidade econômica só fez se acentuar com o tempo. Como reformar a ideia de reforma, como o sr. propõe no livro?A ideia de reforma ocupa hoje no imaginário brasileiro o lugar que, antigamente, ocupava aquela noção mítica de desenvolvimento. Ninguém sabe o que são direito as reformas, mas, quando vierem, tudo será resolvido. Parece que tudo se resolve quando essa agenda chegar ao parlamento, e o parlamento, por bom senso, decidir aprovar. Só que não é assim. Essa mitologia vem lá de trás, da época dos choques econômicos, do Plano Real, após a queda do Muro (de Berlim, em 1989, que marcou o fim do socialismo no Leste Europeu). A mitologia sugeria que coisas mágicas iam instaurar uma economia de mercado no mundo comunista ou aqui. Ocorre que, passadas as quatro décadas perdidas, não é bem assim. Não apenas é muito difícil passar esse tipo de reforma, como nem sei se elas existem. Podemos pegar qualquer uma das reformas e começar quebrá-la em pequenas coisas que têm que acontecer todo dia. Precisa crescer a produtividade, isso é um esforço de todo dia, não é uma reforma que vai resolver. É outro conceito, um tanto diferente da noção de que vai haver uma solução mágica para resolver o nosso problema. Quebrar as reformas em pequenas coisas pode ser uma estratégia de governo?Algumas coisas aprendemos com a pandemia. Uma delas é que não tem remédio mágico. A economia está cheia de cloroquinas e propostas mágicas. Há uma boa vontade inacreditável com abordagens não científicas para os assuntos da economia. Tudo é creditado à diversidade das ideias. Só que o que funciona é a “medicina tradicional” (da economia). Precisamos de uma pandemia para adquirir essa crença? Ideal seria que não. No mundo da economia, alguma coisa pode mudar para melhor com essa experiência sobre a ineficácia da mágica para resolver os problemas. Há chance de essa lição ser aplicada ainda no atual governo?Possível é, mas será fortuito. O presidente não é o Paulo Guedes, o presidente é Jair Bolsonaro. O que for proposto ao Congresso Nacional será já uma matéria que é meio caminho entre o presidente e o ministro. E ainda vai, no Congresso, sofrer as negociações que são próprias do parlamento. Pode acontecer qualquer coisa, inclusive aprovar coisas muito interessantes. Recentemente, por exemplo, aprovamos o marco do saneamento. Quer dizer, algumas reformas importantíssimas acabam acontecendo quando as pessoas estão distraídas fazendo outros planos. Não é que o presidente esteja convencido daquilo. As coisas acontecem porque tem muitas pessoas envolvidas no esforço e, a menos que alguém crie algum obstáculo, vão acontecendo. Mas tem risco de dar errado. Quando a política está focada nos objetivos corretos na economia, os riscos são maiores de acertar. Não é o que temos agora. Temos a pandemia ainda em operação, e um governo muito dividido sobre o que fazer. Sem contar as encrencas que o governo arruma com a oposição, com o resto do País. É difícil ser otimista com o governo, mesmo para os otimistas com o Brasil, como eu. Qual a lição da pandemia para a responsabilidade fiscal?A responsabilidade fiscal é comparável, em importância, à defesa do meio ambiente. Se ocorre uma urgência, como uma guerra ou uma pandemia, não significa que, agora, não importa mais a responsabilidade fiscal, ou a defesa do meio ambiente, porque agora temos que combater a pandemia a qualquer custo. Uma urgência não significa que você tenha que abrir mão de todos seus outros valores permanentes importantes.

Pacheco diz a empresários que Congresso não pode falhar e pede ousadia na reforma tributária

O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse na manhã desta quinta (20) que o Congresso não pode errar na análise da reforma tributária. Em seminário na Confederação Nacional da Indústria, Pacheco disse a empresários que vai se reunir com Arthur Lira (PP-AL) nesta tarde para discutir os caminhos da reforma. Pessoas presentes afirmaram que Pacheco falou em cautela, mas disse ser necessário ter ousadia para simplificar o sistema tributário do país. O modelo de reforma está indefinido desde que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, extinguiu a comissão que debatia o texto do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Como mostrou o Painel, Lira analisa seguir a vontade do governo federal e fatiar a reforma entre cinco relatores. Ao Painel, o 1º vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, disse que a proposta do governo é uma “pizza de vento”.​ Pacheco defendeu na CNI a utilização do relatório produzido pela comissão extinta por Lira e afirmou que a reforma não pode ser discutida em um ambiente de conflito. No encontro, Pacheco acordou ainda a privatização da Eletrobras, aprovada na Câmara, e disse que vai designar um relator e que ela será analisada dentro do prazo. FOLHA DE S. PAULO