Auxílio emergencial: 1,7 mil pessoas que tiveram benefício negado em 2020 ainda esperam análise

O auxílio emergencial, destinado a trabalhadores informais, autônomos e mães chefes de família que viram a renda familiar desaparecer por conta da pandemia de coronavírus, parece não ser tão “de emergência” assim. Dados da Rede Brasileira de Renda Básica, obtidos com exclusividade pelo GLOBO, mostram que pelo menos 1.698 pessoas ainda aguardam a liberação do benefício do ano passado em todo país, o que pode tornar estas pessoas inelegíveis este ano. — Essas pessoas foram as que procuraram a rede para tentar solucionar o problema. E as que não tiveram como pedir ajuda, seja por falta de acesso à internet, de celular, de conhecimento? Esse número pode ser muito maior — avalia a assistente social Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, organização que defende a manutenção do auxílio até o fim da pandemia. Ela continua: — Temos casos de pessoas que tiveram a extensão do benefício concedido judicialmente, após negativa do Ministério da Cidadania, e por meio de conciliação proposta pelo próprio governo, e tiveram o benefício negado este ano pelos mesmos motivos alegados no programa anterior, que foi derrubado pela Justiça. Um desses casos é o da professora de educação física Maria Gabriela Arraes Damasceno, de 36 anos, moradora de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Gabriela é mãe solo de Emanuel, de 2 anos e 3 meses. — Tive o auxílio negado no ano passado, entrei com recurso, contestei, e nada. A alegação era a de que tenho trabalho formal, mas isso não é verdade. Desde que voltei da licença maternidade, em julho de 2019, estou sem emprego — explica a professora. Ela diz que viu na via judicial o único meio para receber a renda básica do ano passado: — Uma amiga advogada ao ver a minha situação entrou na Justiça para que meu direito fosse reconhecido. E mesmo assim, só fui receber as parcelas em março deste ano — diz a mãe do pequeno Emanuel, que conta com a ajuda da avó, D. Cirene, de 87 anos. Este ano a solicitação do auxílio emergencial por Gabriela foi negada novamente. Segundo os prints de celular do aplicativo da Caixa, por ela não atender aos critérios do programa, como não ter emprego formal, não ter renda familiar mensal superior a meio salário mínimo por pessoa e não ter renda familiar mensal superior a três salários mínimos no total. — Não tenho emprego e moro sozinha com meu filho em uma casa emprestada. Que emprego é esse que alegam? Que renda familiar é essa? É muita humilhação — lamenta. Assim como Gabriela e Tânia, outras pessoas também não conseguiram receber o dinheiro. Uma listagem com 900 nomes e CPFs de quem teve um não como resposta ao auxílio emergencial foi enviada ao Ministério da Cidadania, gestor do programa emergencial, e para a Defensoria Pública da União (DPU). — A DPU tem agido em prol desses trabalhadores, mas ainda existem muitas localidades no interior que não têm um posto da defensoria e isso dificulta o acesso da população mais carente à proteção jurídica e social — finaliza Paola. Como pedir ajudaPara saber mais sobre a Rede Brasileira de Renda Básica e solicitar ajuda, basta acessar os perfis da organização nas redes sociais. No Facebook a página é www.facebook.com/sou.paola. No Instagram: instagram.com/renda_basica. A rede é formada por professores, pesquisadores, ativistas sociais, voluntários, entusiastas e cidadãos que, segundo a descrição da página rendabasica.com.br, “conseguem perceber que a Renda Básica é atualmente a maneira mais viável de alcançar a justiça social através da distribuição de renda menos desigual”. Número de beneficiados caiu para 40 milhõesProcurado, o Ministério da Cidadania disse não ter conhecimento da fila de espera com pelo menos 1.698 pessoas e afirmou que não é uma regra negar o benefício deste ano a quem conseguiu receber as parcelas por via judicial. “Cabe destacar que é compromisso desta gestão atender ao maior número de cidadãos, assegurando uma renda mínima para essa parcela da população, ao mesmo tempo em que, com responsabilidade fiscal, respeita-se o limite orçamentário estabelecido pela Emenda Constitucional nº 109/2021, no valor de R$ 44 bilhões”, informa em nota. “A estimativa do governo federal é contemplar cerca de 40 milhões de famílias, que já estavam recebendo, em dezembro do ano passado, o auxílio emergencial, criado pela Lei nº 13.982/2020, e a extensão do benefício, instituída pela Medida Provisória nº 1.000/2020, e que se enquadram nos critérios definidos pela MP n.º 1.039/2021”, acrescenta. O valor destinado aos pagamentos e o número de pessoas contempladas caiu drasticamente este ano. No ano passado foram destinados R$ 293 bilhões para pagar a renda básica a 68 milhões de pessoas em todo país. É importante destacar que 7,3 milhões de pessoas que não atendiam os requisitos legais do programa receberam a grana, e que 6,4 milhões de mães solteiras receberam uma parcela a mais do benefício, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE. Somente com esses pagamentos indevidos R$ 54 milhões caíram em mãos erradas. Esse montante pagaria uma parcela de R$ 300 a 60 milhões de pessoas por três meses. — Para se ter uma ideia do corte no programa deste ano, 19 milhões de pessoas cadastradas no programa Bolsa Família receberam o auxílio em 2020, inclusive duas pessoas da mesma família. Este ano com a regra de uma pessoa por família ter direito ao benefício, 10 milhões ficaram fora do programa — pontua Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica. Paola cita o caso de uma mãe solo de uma menina de 10 meses de Cabrobó (PE): — Jayna recebe Bolsa Família, mas teve o auxílio negado apesar de cumprir todos os requisitos. O governo entende que ela já recebe valor mais vantajoso que o auxilio via Bolsa Família. Mas isso não procede! No programa assistencial do governo ela recebe R$ 180 por mês e se recebesse o auxílio, seriam R$ 375. Ela está

A LGPD e os desdobramentos no Direito Tributário

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Nos últimos meses, muito se tem falado sobre o impacto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nos diferentes ramos do direito, inclusive no direito tributário. A grande preocupação que envolve o tema é sobre a necessidade de resguardar o sigilo das informações fiscais prestadas pelos contribuintes à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, especialmente no âmbito do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). A LGPD, Lei nº 13.709 de 2018, produziu efeitos a partir de Set/20. Ela trouxe uma nova dinâmica para tratamento dos dados pessoais, fazendo com que haja proteção, limites e acompanhamento acerca do uso de dados em si, protegendo o direito dos respectivos titulares. Isso ocorre na esfera privada e na pública.[1] Primeiramente, é necessário entender o que significa a expressão “tratar dados”. Nas palavras da professora Patrícia Peck Pinheiro, seria “toda operação realizada com algum tipo de manuseio de dados pessoais: coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, edição, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração”[2], ou seja, qualquer manuseio de informações”. Portanto, qualquer ação ou condição relativa aos dados. Os “dados pessoais” são qualquer informação identificada ou identificável de um indivíduo. Noutros dizeres, qualquer informação que junta ou separada seja capaz de identificar uma pessoa. Contudo, é preciso examinar os limites da possibilidade de compartilhamento dos dados dos contribuintes no cumprimento dos chamados “deveres instrumentais”[3] – comumente conhecidos como obrigações acessórias. Essas “obrigações acessórias” contribuem no exercício das atividades de arrecadação e fiscalização dos tributos. Por meio do cumprimento dessas “obrigações” por parte dos contribuintes, os órgãos fazendários dos entes federativos podem agrupar os dados disponibilizados para averiguação preliminar da incidência tributária e do cumprimento de todos os deveres legais. Nesse ponto, a EC nº 42/2003, inseriu o inciso XXII ao art. 37 da CF/88. A norma determina às administrações tributárias dos entes federativos atuarem de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. Tanto que o SPED foi instituído pelo Decreto nº 6.022/07, integrando o Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC 2007-2010). À época, representou um avanço significativo na informatização da relação entre os fiscos e os contribuintes. Nos termos do art. 5º desse Decreto, o SPED deve ser administrado pela Secretaria da Receita Federal (SRF) com a participação de usuários, que são os representantes indicados pelas administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta. Entre outras atribuições, consoante prescreve o art. 6º do Decreto em comento, compete à SRF: determinar a política de segurança e de acesso às informações armazenadas no SPED. Ademais, importa registar que o Decreto já, de certo modo, previa, nos idos de 2007, a proteção dos dados do contribuinte, pois, em seu art. 4º prescreve que: “O acesso às informações armazenadas no Sped deverá ser compartilhado com seus usuários, no limite de suas respectivas competências e sem prejuízo da observância à legislação referente aos sigilos comercial, fiscal e bancário”. Ainda no que concerne ao SPED, desde a sua implementação, muito se discute sobre a vulnerabilidade dos contribuintes e a modernização dos processos de escrituração contábil e fiscal, objetivando a integração dos entes federativos, o que possibilitaria a troca de informações entre os fiscos, para melhor auditar as movimentações fiscais e exigência de tributos a partir de um leiaute padrão. Em outras palavras, ao mesmo tempo que as informações eletrônicas declaradas no âmbito do SPED trazem um aperfeiçoamento no combate à sonegação por parte dos contribuintes; essas informações também possibilitam a troca de informações entre os entes federados e isto é algo que pode deixar os contribuintes vulneráveis, uma vez que todos os seus dados, ainda que sem a sua autorização, estarão expostos à todos os entes federativos, podendo, inclusive, acontecer, a depender de como a situação caminhe, quebra de sigilo comercial, fiscal e bancário. Além disso, em sua ânsia arrecadatória, o fisco (seja federal, estadual ou municipal) poderá se utilizar os dados dos contribuintes sem a devida e comprovada justificativa, valendo-se do “argumento” de que está usando os dados em prol de suas atribuições fiscalizatórias inerentes a sua função pública. Desse modo, entendemos que a LGPD deveria proteger a troca de informações entre os fiscos e, por conseguinte, proteger o contribuinte. Nesse contexto, a conexão entre a LGPD e o SPED é inerente ao ambiente tributário atual. Vejamos! O art. 23 da LGPD dispõe sobre o tratamento – até mesmo o compartilhamento – de dados pessoais pelo poder público. É nesse cenário que precisamos compreender o quanto a lei contribui para limitar a esfera de atuação da administração pública, ou, ainda, proibir determinadas ações sobre os dados pessoais. Se partirmos da premissa trazida pelo retro dispositivo legal, há clara observância aos princípios constitucionais prescritos no art. 37 da CF/88[4]. Nas palavras do professor Miguel Reale: “Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”[5]. Assim, não se pode negar que a administração pública, ao tratar os dados dos contribuintes, tem o dever de observar os princípios fundamentais trazidos pela norma constitucional. Ainda nesse mesmo art. 23 da LGPD, tem-se também a obrigatoriedade de serem examinados alguns pressupostos, como: (i) atendimento à finalidade pública; (ii) persecução do interesse público; e (iii) execução, pelo interesse público, de suas competências legais ou cumprimento de suas atribuições. Pelo raciocínio dos professores Márcio Cots e Ricardo de Oliveira, o “primeiro pressuposto depende do segundo, pois, a nosso ver, a finalidade, somente será ‘pública’ se o interesse for ‘público’, isso, logicamente, porque estamos tratando de entidades governamentais”. [6] Quando falamos em compartilhamento de dados,

O que as Medidas Provisórias nº 1045/2021 e nº 1046/2021 trazem de novo?

Publicadas em 28/4/21, as Medidas Provisórias nº 1045/2021 e nº 1046/2021, renovam as medidas emergenciais de enfrentamento da pandemia, no âmbito trabalhista, que, implantadas no ano passado, perderam eficácia em dezembro/2020, com o fim do chamado estado de calamidade pública, estabelecido pelo Decreto Legislativo 06/20. As novas MPs renovam o programa que autoriza a redução de salário e jornada (25%, 50% ou 70%), as regras de teletrabalho, antecipação de férias, diferimento do recolhimento fundiário, dentre outros, como anteriormente previstos nas MP 927/20 e MP 936/20, esta última, convertida na Lei 14.020/2020. No que se refere a MP1045/21, o texto prevê novo prazo para implantação das medidas, que agora passa a ser de 120 dias (prorrogáveis, a depender de disponibilidade orçamentária), para a suspensão temporária de contrato ou redução da jornada de trabalho e do salário, em troca do pagamento do benefício emergencial (BEm). O subsídio mensal continua tendo como valor de referência a parcela do seguro-desemprego a que o empregado faria jus. Como em sua versão anterior, a MP oferece uma contrapartida à redução salarial, com as empresas se comprometendo a não demitir. Ademais, a MP permite a suspensão dos contratos de trabalho para empresa com faturamento anual, em 2019, de até 4,8 milhões de reais. As empresas com faturamento acima desse valor somente poderão se valer da suspensão mediante o pagamento de uma ajuda compensatória mensal, correspondente a 30% do salário do empregado. Ou seja, embora a “nova versão” das medidas emergenciais, trazidas pela MP 1045/21, repita, praticamente, os textos anteriores (MP936/20 e Lei 14.020/20) estabelecendo, dentre outros aspectos, o mesmo regramento, mas, algumas alterações significativas foram perpetradas, como por exemplo: (i) exclusão do contrato intermitente: a MP prevê, expressamente, que o empregado com contrato de trabalho intermitente (art. 443, § 3º,CLT) não mais faz jus ao BEm; (ii) inclusão da “rescisão por acordo” (art.484-A, da CLT) às hipóteses em que o empregado deixa de fazer jus a estabilidade provisória prevista na MP; (iii) previsão de recursos contra as decisões proferidas em relação ao BEm, a ser disciplinado por ato do Ministério da Economia; (iv) aplicação apenas aos contratos de trabalho celebrados até a data de publicação da MP, conforme estabelecido em ato do Ministério da Economia; (v) previsão de que as férias antecipadas gozadas, cujo período não tenha sido adquirido, serão descontadas das verbas rescisórias do empregado no caso de pedido de demissão; (vi) permitida a concessão de férias coletivas por prazo superior a trinta dias; (vii) o trabalhador que receber indevidamente parcela do BEm estará sujeito à compensação automática com eventuais parcelas devidas de Benefício Emergencial referentes ao mesmo acordo ou a acordos diversos ou com futuras parcelas de abono salarial (Lei nº 7.998/90), ou de seguro-desemprego a que tiver direito; dentre outras. Ademais, foram suprimidos do texto anterior (MP 936/20 e Lei 14.020/20) as referências à concessão de cursos de qualificação profissional; a redução dos prazos de depósito de acordos coletivo; a vedação da dispensa, sem justa causa, do empregado com deficiência e a exclusão da obrigação do Ministério da Economia divulgar os resultados das medidas. A expectativa do Governo Federal é, mais uma vez, manter aquecida a economia, com a preservação de empregos, repetindo os índices ambiciosos do programa do ano passado, que, na sua ótica, “salvou cerca de 10 milhões de empregos”. Nesse sentido, entretanto, chama à atenção o fato do novo texto ter deixado de fora o compromisso do Governo divulgar, semanalmente, as informações detalhadas sobre os acordos firmados, com o número de empregados e empregadores beneficiados, bem como o quantitativo de demissões e admissões mensais realizados no País. Segundo divulgado na mídia, “em 2020, aproximadamente 1,5 milhão de empregadores firmaram acordos temporários de redução de jornada e salário. O programa ainda contabilizou cerca de 9,8 milhões trabalhadores que aderiram à suspensão de contrato[1]”. Já a MP 1046/21, reedita as medidas anteriormente previstas na MP 927/20 (que não chegou a ser convertida em lei), que poderão ser adotadas pelo prazo de 120 dias, prorrogável por igual período, por ato do Poder Executivo. O novo texto, também, praticamente repete as previsões anteriores, com algumas inovações, como, por exemplo, o prazo de suspensão dos recolhimentos do FGTS, que fica prorrogada, por mais 04 meses, até agosto/21. As principais alterações trazidas pela MP 1046/21, são: (i) a autorização do desconto nas verbas rescisórias das férias antecipadas gozadas cujo período não tenha sido adquirido, no caso de pedido de demissão; (ii) pagamento, na rescisão do contrato de trabalho, dos valores das férias, individuais ou coletivas, ainda não adimplidos; (iii) a obrigatoriedade da comunicação das férias coletivas, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência de, no mínimo, 48h, permitida, inclusive, a concessão por prazo superior a trinta dias; (iv) inclusão dos feriados religiosos nas hipóteses de antecipação de feriados; (v) a compensação, no Banco de Horas, do tempo para recuperação do período de interrupção das atividades, através da prorrogação de jornada em até 02h, inclusive, nos finais de semana; (vi) autorização às empresas que desempenham atividades essenciais a constituir regime especial de compensação por meio de Banco de Horas, independentemente da interrupção de suas atividades; (vii) possibilidade de suspenção de exames periódicos somente para trabalhadores em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância; (viii) autorização da realização de reuniões das CIPAS, inclusive para processos eleitorais; (ix) retomada da plena atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho, que deixarão de atuar apenas de maneira orientadora. Não é ocioso ressaltar que o ano de 2021 tem apresentado um cenário muito mais doloroso e desafiador, no que se refere a pandemia, que o ano de 2020, quando as Medidas Provisórias 927 e 936/20, foram editadas, estabelecendo as iniciativas emergenciais que agora se renovam. A retomada da economia, portanto, é medida que se impõe, sendo especialmente bem-vindas iniciativas voltadas à geração de renda, preservação da vida e preservação do emprego, como as que hoje se retomam. *Ana Paula Ferreira Vizintini e Paula Ottero, advogadas da área Trabalhista do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel O ESTADO DE S.

Reforma tributária exige debate, não tumulto (Fabio Graner)

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Ofuscado pelo tumulto gerado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma tributária merece ser amplamente discutido pelo Congresso e pela sociedade. O texto mostra uma evolução importante em relação às PECs originais (45 e 110), porém, nasce com algumas lacunas que também precisam ser debatidas, entre elas não atacar a questão da baixa tributação sobre renda e patrimônio. O substitutivo apenas tangencia o assunto ao reforçar na Constituição o princípio da progressividade fiscal, garantindo sua aplicação no imposto sobre heranças e doações (ITCMD) e no IPVA. Ao Valor Ribeiro diz que não se trata de omissão. Como as duas PECs originais são centradas na tributação de consumo, seu relatório teve foco nisso, justifica. “Até porque muita coisa de renda pode ser por lei, infraconstitucional. Eu me referi à renda e patrimônio, reforcei o caráter de progressividade. Nós registramos isso e deixamos aberto para os parlamentares fazerem essa contribuição e, se todos entenderem que é devido, não serei eu que vou dizer que não é. Pelo contrário.” O relator vai receber nos próximos dias sugestões para seu texto, que, pelo calendário da comissão, pode ter uma nova versão contemplando as contribuições no próximo dia 11. A despeito de Lira ter anunciado a extinção das comissões, o relator mantém o tom diplomático e diz acreditar que seu texto conseguirá ser bem-sucedido no Congresso. “Eu vejo possibilidade de avançar. Os presidentes das duas casas, Rodrigo Pacheco [Senado] e Arthur Lira, disseram que a reforma tributária era prioridade. Reforma tributária é o que eu defendo. Ajustes tributários são outra coisa, não se tem impacto na economia como na reforma”, disse, em crítica indireta à tese de fatiamento do governo. “Eu defendo reforma ampla e confio na liderança dos presidentes para que esse tema possa avançar.” Ribeiro destaca no relatório a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em duas fases, iniciando-se com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) do governo federal por dois anos e no terceiro ano incorporando o ICMS e o ISS. Esse desenho, admite, foi feito para atender a equipe econômica. Ele disse ter recebido muitos retornos positivos. “Acho que é importante a mudança estrutural na tributação do consumo. Isso vai de fato transformar o país. Hoje acho que temos um texto para ser debatido. Temos uma legislação única que tributa o consumo e não mais bens e serviços de forma diferenciada”, afirmou. Ex-secretário da Receita Federal, o professor da FGV Marcos Cintra elogiou o relatório, mesmo não sendo simpático à tese de um IVA nacional. Para ele, o texto corrigiu problemas de “falta de realismo” na PEC 45. “Ele manteve o que tinha de bom na PEC 45, crédito financeiro, tributação no destino, unificação administrativa, e tirou o que era irrealista, como a universalidade, ao abrir exceções para o Simples, Zona Franca de Manaus, autorizar regimes especiais e permitir alíquotas menores para setores como saúde e educação.” Cintra, porém, elogia a decisão de Lira e avalia que, com extinção das comissões, a PEC 45 está morta e abriu-se espaço para a CBS e o Imposto de Renda avançarem na Câmara, pois não há necessidade de quórum constitucional. Além disso, avalia, o relatório de Ribeiro pode tramitar sem problemas no Senado e avançar no Congresso, se conseguir apoio. Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, o substitutivo, “embora bem feito, parece ter acolhido pouquíssimas manifestações dos setores empresariais”. Ele cita que não foram acatadas algumas sugestões relativas à compensação de créditos tributários acumulados no passado e critica regra de que os novos créditos do IBS só existirão após a comprovação do pagamento do tributo na etapa anterior (fornecedor). “Eu diria que aqueles que pagam a conta não foram muito ouvidos. E isso é particularmente grave num momento em que a recuperação econômica nem começou ainda.” Há muitos aspectos de mérito ainda a se analisar do texto. Porém, não podemos escapar da tentativa de entender o embate político que Lira trouxe para a luz do dia. O chefe da Câmara anunciou que a comissão mista estava extinta ainda durante a leitura do texto. Para além da descortesia política, o mais grave foi que ele adicionou incerteza sobre o destino de uma reforma absolutamente necessária e sobre a qual já repousa justificado ceticismo, diante de décadas de fracassos. Seus aliados apontam que a intenção de Lira seria acelerar o processo reformista. Isso porque o tema agora foi para o plenário, o que daria a ele maior controle sobre seus próximos passos. Se isso for verdade, ganha força a tese de reforma fatiada sem mudanças imediatas na Constituição e que priorize a CBS e as mudanças no Imposto de Renda, como ainda defendem o governo e o próprio Lira. Uma das questões importantes é saber se as ações mais recentes do parlamentar não deixam rastro de mágoa e contrariedade que inviabilizaria essa alternativa. Na terça mesmo ficou claro que sua decisão não foi bem recebida por boa parte dos seus pares. O presidente do Senado se posicionou pela continuidade da comissão e parlamentares dela também reagiram, lembrando que a discussão no colegiado era parte de um acordo. Ontem, os secretários estaduais de Fazenda emitiram nota contra a extinção da comissão mista e defenderam a continuidade dos trabalhos. A decisão de Lira, segundo a nota, foi desrespeitosa. Cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Cesar avalia que o presidente da Câmara agiu movido por interesse em retomar o protagonismo perdido com a CPI da Pandemia, por rivalidade política com o grupo do seu antecessor, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo sonho de aparecer para o mercado financeiro como grande artífice da reforma. Para ele, a atitude deixa sequelas que dificultam o avanço dessa reforma. “Ele não combinou com os russos e a coisa ficou mal construída”, disse, apontando risco de o Senado engavetar a reforma fatiada. A dúvida que persiste é se a série histórica de fracassos da reforma tributária prevalecerá ou se, como na

Intervenção de Lira abre caminho para reforma tributária fatiada de Guedes

A discussão sobre uma fusão ampla de impostos federais, estaduais e municipais foi praticamente inviabilizada no Congresso após a intervenção nos debates feita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira abriu caminho na Casa para o avanço do plano do ministro Paulo Guedes (Economia), que quer mudanças no sistema tributário de forma fatiada, começando apenas pela fusão dos impostos federais PIS e Cofins. Agora, as negociações entre governo e aliados preveem que a reforma deve ser repartida em até cinco projetos que serão distribuídos entre Câmara e Senado —que, segundo interlocutores do Palácio do Planalto ouvidos pela Folha, deu aval ao acordo. A estratégia de dividir o tema entre diferentes congressistas foi usada anteriormente por governo e aliados. Em busca de apoio ao Plano Mais Brasil, que buscava reformar regras orçamentárias e rever despesas, foram produzidas três PECs (Propostas de Emenda à Constituição). O pacotaço lançado pela equipe econômica em 2019 acabou sendo, posteriormente, reunido em apenas um texto que foi aprovado em 2021. Lira atendeu os interesses do governo nesta terça-feira (4) ao acabar com a comissão especial da Câmara sobre a reforma tributária, permitindo que a PEC 45, que trata do tema, fique restrita ao plenário. A decisão foi anunciada somente depois que o relator da comissão mista, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou seu parecer que contrariava o Executivo. Aguinaldo formulou o relatório com base na PEC 45 —de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP)—, discutida desde 2019 e que propunha uma fusão ampla de impostos (com tributos federais, o estadual ICMS e o municipal ISS), mas alterou o texto e ainda incorporou elementos sugeridos pelo governo e pela PEC 110, do Senado. Apesar do esforço para conciliar as diferentes propostas, o texto não agradou o governo por ter incluído na fusão impostos estaduais e municipais. Guedes era contrário a uma fusão com tal alcance por temer que a União tivesse que arcar com eventuais perdas de estados e municípios ao fim das discussões. Agora, com a intervenção de Lira, a PEC 45 só pode ser discutida formalmente no plenário da Câmara —o que, pela complexidade do tema, praticamente elimina as chances de ela prosseguir. Procurados, interlocutores não confirmam que Guedes foi o responsável por pedir a Lira as medidas tomadas na terça —mas dizem que sempre comunicaram a ele a insatisfação com uma reforma ampla. As discussões baseadas na PEC 45 até podem prosseguir na comissão mista ou no Senado. No entanto, sem apoio do comando da Câmara e do Executivo, as chances de elas prevalecerem são baixas. Aliados do governo na Câmara dizem que a PEC 45 deve agora ser enterrada. Sem debate na comissão, não há como ajustar o texto conforme o defendido pelos partidos. Assim, não haveria como costurar maioria favorável à proposta de fusão ampla (federal, estadual e municipal) no plenário. Há décadas se tenta aprovar uma reforma tributária no país, mas nenhum governo conseguiu o feito. A equipe econômica espera que, agora, a Câmara avance com uma reforma nos moldes defendidos por Guedes. A ideia é começar pela junção de PIS e Cofins na nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). O projeto de lei sobre o tema já foi enviado pelo Executivo no ano passado. Lira tem mostrado alinhamento ao governo ao dizer que busca aprovar a reforma tributária que seja possível. “Eu sempre digo: entre o tudo e o nada, eu prefiro o melhor possível. É o que faremos”, afirmou nesta semana. A equipe econômica também quer avançar em uma proposta de unificação da legislação de ICMS e também do ISS, com limitação no número de alíquotas que governadores e prefeitos poderão escolher —evitando a guerra fiscal entre eles e diminuindo a quantidade de diferentes regras tributárias pelo país.​ A visão do time de Guedes é que avançar com propostas como essas é uma estratégia mais viável do que uma PEC ampla. A maior parte das mudanças, inclusive a da unificação do ICMS, exigiria proposições mais simples, como projetos de lei —que demandam menos votos. Outra vontade do governo é avançar com as demais etapas da reforma tributária imaginada por Guedes. Está nos planos a redução do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, a taxação de dividendos e a transformação do IPI em um imposto seletivo a itens como cigarros e bebidas. Em outra frente, o governo quer ampliar as renegociações com devedores, permitindo o pagamento —com desconto— de débitos com a União. Chamado de “passaporte tributário”, o projeto visa encerrar discussões judiciais concedendo redução no montante devido por empresas. Não está nos planos do ministério abrir um novo Refis —parcelamento do débito com desconto. A empresa que aderir ao “passaporte tributário” teria de buscar um financiamento em bancos, por exemplo, para quitar a dívida de uma só vez. Segundo interlocutores do governo no Congresso, projetos tributários que já estão na Câmara e no Senado poderão ser usados para acelerar as votações. Assim, Guedes não precisaria apresentar propostas que partiriam da estaca zero no Legislativo, e sim apresentar as ideias a congressistas aliados que estarão relatando os projetos. A definição e distribuição das propostas entre os congressistas passam por uma nova negociação também porque as medidas de Lira causaram reação de integrantes da comissão mista –que se encontra em um limbo, porque não foi prorrogada por Lira– da reforma tributária nesta terça. O presidente do colegiado, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), afirmou que o objetivo das discussões deve ser esclarecer o debate e criticou a decisão de Lira na terça-feira. A intervenção do presidente da Câmara na comissão da reforma gerou reações também nesta quarta-feira (5) no Senado. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que integra o colegiado, defendeu que seja mantida a comissão mista. Para ele, a decisão de Lira é uma oportunidade para o Senado se movimentar e decidir de qual maneira agir. “Deveria concentrar a reforma tributária em uma comissão mista, para que a gente saia com um parecer, com um projeto palatável para que seja aprovado. Fatiar não é reforma, passa a ser uma minirreforma”, disse Coronel.

Reforma tributária, mitos e verdades

Não há nenhuma dúvida quanto à necessidade de reforma tributária, no Brasil, por várias razões, como a natureza intrinsecamente imperfeita de todos os sistemas tributários, as mudanças, cada vez mais rápidas e relevantes, nas circunstâncias econômicas e sociais, as controvérsias conceituais em razão de instabilidades na interpretação administrativa e na jurisprudência, a voracidade da burocracia tributária, etc. Essa necessidade, todavia, não é exclusiva do Brasil. Alcança todos os países, não necessariamente ao mesmo tempo, nem com a mesma agenda de questões a solucionar. Propostas de reforma tributária devem, precipuamente, delimitar seu objeto e eleger a forma de execução, dispensando chavões, dogmatismos, ilações insubsistentes, pretensões de recepcionar acriticamente experiências estrangeiras, estudos e pareceres encomendados por interesses privados. Além disso, devem ser precedidas de estudos, que exponham de forma clara os problemas que pretende enfrentar, as possíveis soluções e suas repercussões, a serem submetidas a debate aberto e transparente. É como se fez no Brasil, em 1953, quando da elaboração do anteprojeto do Código Tributário Nacional. Instituiu-se então uma comissão presidida pelo próprio ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, e integrada por qualificados tributaristas e servidores públicos, tendo como relator Rubens Gomes de Souza. Durante nove meses, a Comissão fez inúmeras reuniões, produziu relatórios levados ao conhecimento público, examinou mais de mil sugestões, daí resultando um projeto de lei encaminhado para apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional. De igual modo, em 1965, foi constituída uma comissão para elaborar o anteprojeto de reforma da discriminação constitucional de rendas, presidida por Simões Lopes, presidente da Fundação Getúlio Vargas, e integrada por Rubens Gomes de Sousa, na condição de relator, e, entre outros, por Gerson Augusto da Silva, Gilberto de Ulhôa Canto e Mário Henrique Simonsen. Essa Comissão, tomando por base estudos que remontam a 1963, elaborou o anteprojeto da Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, que foi certamente a melhor reforma da tributação do consumo no Brasil. Fica patente, em ambos os casos, que os projetos foram concebidos por especialistas, porém com efetiva participação do Estado, em nome da preservação do interesse público e da imparcialidade. A Espanha, em abril passado, adotou providência análoga, ao instituir comissão, integrada por tributaristas, economistas e servidores da Fazenda Pública, para analisar o sistema tributário espanhol e, até fevereiro de 2022, propor medidas visando a torná-lo mais eficiente no plano arrecadatório e mais eficaz no combate à pobreza, e, por fim, ajustá-lo ao contexto do século 21, especialmente no que concerne à atenção com a sustentabilidade e a economia digital. Fatos recentes atestam que iniciativas tributárias movidas por mero voluntarismo, mesmo que lastreadas em teses razoáveis, podem resultar em custosas frustrações, em virtude da reação dos contribuintes. Na França, em 2018, a elevação dos tributos incidentes sobre os combustíveis de origem fóssil gerou o movimento dos coletes amarelos (gilets jaunes, em francês), que promoveu uma trágica rebelião popular, com pessoas mortas, feridas e detidas, além de barricadas, saques e danos à propriedade pública. No início desta semana, o governo colombiano se viu obrigado a retirar proposta de reforma tributária que, entre outras medidas, previa tributar, com uma alíquota uniforme de 19%, bens e serviços consumidos pela classe média e pelos pobres. A proposta provocou uma revolta, com 19 mortos e 700 feridos. Esses fatos constituem um alerta para propostas de reforma tributária, no Brasil, que subestimam reações aos impactos da tributação sobre os preços, especialmente em tempos de pandemia. Os contribuintes, dizia Maurício de Nassau em seu testamento político, são como carneiros, que se, entretanto, tosquiados até a dor se convertem em terríveis alimárias. ✽ CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002) O ESTADO DE S. PAULO

Assédio aumenta durante pandemia no home office

Nos primeiros meses da pandemia, o distanciamento social teve um efeito positivo para reduzir práticas abusivas nas relações de trabalho. Esse arrefecimento no assédio moral e sexual, no entanto, durou pouco e um levantamento obtido pelo Valor, baseado em 106 mil denúncias registradas em 347 empresas ao longo de 2020, mostra um aumento de 6,2% no número de casos registrados em relação a 2019. Foram 12.529 denúncias de assédio em 2020. Os dados foram compilados pela ICTS Protiviti, consultoria de gestão de riscos, que administra canais de denúncias em companhias de diversos portes e segmentos no Brasil. “Existia uma falsa impressão que no home office essa situação diminuiria”, diz Fernando Scanavini, diretor de operações da ICTS. Segundo ele, no segundo trimestre de 2020, em período de maior impacto da pandemia, houve até uma redução de 22,7% das denúncias, mas no fim do ano os relatos retornaram a patamares similares aos do início do ano. Os desvios de conduta no ambiente corporativo não foram superados no trabalho remoto. “Os ofensores se adaptaram ao chamado novo normal”, diz Scanavini. Metade das denúncias registradas em 2020 nas companhias pesquisadas foram relacionadas a relacionamentos interpessoais, sendo que 21,4% do total são identificadas como assédio moral e sexual. O assédio sexual, por exemplo, continuou acontecendo só que de maneira virtual, entre câmeras. “O fato de as pessoas estarem em casa e a possibilidade de os encontros acontecerem apenas entre duas pessoas, sem as restrições que o ambiente corporativo impõe, de alguma forma, facilitou o assédio”, diz o diretor. “A internet dá uma sensação de impunidade”. Por outro lado, ele diz que os profissionais também estão mais sensíveis por estarem sós e conseguem perceber mais o que está acontecendo quando estão sendo assediados pelo chefe ou colegas. “Houve um filtro nas denúncias e as pessoas se manifestaram apenas em situações mais contundentes”. A apuração das denúncias, no entanto, ficou mais difícil com o trabalho em casa e o distanciamento social. “Você não tem testemunhas porque tudo está acontecendo na tela do computador”. Por conta disso, o tempo médio para a conclusão de uma investigação sobre uma denúncia de assédio em 2020 subiu para 51,5 dias nas empresas pesquisadas, uma alta de 10,5% em relação a 2019. A maior parte das denúncias (58,8%) desde o início da pandemia foram feitas pela web e 30,8% pelo telefone. “O 0800 faz falta porque têm um papel importante nessa apuração. Quando alguém liga, um analista faz uma entrevista e extrai mais dados, inclusive sobre o estado de espírito de quem está denunciando”, diz o diretor. O levantamento mostra que 62,9% dos denunciantes o fazem de forma anônima. Entre os denunciantes pesquisados, 57,5% são homens e 42,5% são mulheres. “Não é comum os homens estarem na frente. Acredito que eles se sentiram mais à vontade pelo fato de boa parte estar no home office, mas essa é uma suposição. Existem comportamentos que surgiram na pandemia que não são claros ainda e para entendê-los será preciso mais tempo de observação.” A falta de testemunhas e de elementos suficientes para embasar uma denúncia, em razão de os procedimentos serem virtuais, com restrições operacionais e orçamentárias por parte das companhias, prejudicou a aplicação de punições. As demissões com ou sem justa causa caíram 18,6% no ano passado, comparado a 2019. Elas foram aplicadas em apenas 20% das denúncias consideradas procedentes. As medidas disciplinares mais utilizadas ainda são o feedback e a orientação, praticados em 65,3% dos casos. Os assediadores mais denunciados foram os gestores (62,4%), clientes (17,8%) e colegas de outras áreas (8,6%). As denúncias também ganharam outras motivações ao longo da pandemia. Scanavini conta que no início 5% estavam relacionadas à falta de equipamentos de segurança, como máscaras e álcool gel. Conforme mais pessoas foram aderindo ao home office, surgiram denúncias relacionadas a abusos de jornada e falta de pausas no expediente. “O trabalho invadiu a casa dos funcionários e muitas pessoas passaram a não ter horários predefinidos para almoçar ou para terminar o trabalho. Essa disponibilidade constante pode ser configurada como assédio moral”. Outro efeito identificado no levantamento da ICTS foi o aumento nas denúncias sobre roubos, furtos ou desvios de materiais. “A desocupação do ambiente de trabalho propiciou que acontecesse mais esse tipo de ocorrência”, diz. O número de fraudes identificadas em 2020 cresceu 62,7% em relação a 2019. “Podemos conectar essas denúncias à mudança na dinâmica do trabalho e fragmentação das operações”, afirma o diretor. Comparando o resultado de 2020 com levantamentos realizados pela ICTS Protiviti nos últimos cinco anos, as denúncias de assédio moral e sexual tiveram um crescimento de 187%. Um aspecto positivo, segundo Scanavini, é que percebe-se uma evolução no embasamento e nos detalhes oferecidos pelos denunciantes. O Valor perguntou a três multinacionais (bens de consumo, telefonia e alimentação e bebidas) e a duas grandes empresas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e de logística se as denúncias envolvendo casos de assédio ou falta de ética aumentaram na pandemia e como têm aprimorado os canais internos de denúncia. Quatro delas não quiseram responder. A VLI, de soluções logísticas, disse que, em termos numéricos, a média de comunicações em seu “canal confidencial” permaneceu a mesma quando comparada ao cenário pré-pandemia. No entanto, a companhia notou o recebimento de mais situações relacionadas a estresse e ansiedade e de questões envolvendo o cumprimento de protocolos da covid-19. A empresa tem um comitê de ética e conformidade que trata de deliberações sobre eventuais desvios comportamentais. Também diz que promove treinamentos a funcionários, e específicos para a alta liderança, para cultivar um “ambiente íntegro”. No fim de abril, assinou o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, promovido pelo Instituto Ethos. O processo de carreira também leva em conta comportamentos e atitudes éticas. VALOR ECONÔMICO

Home office elevou produtividade, mas reduziu bem-estar, diz pesquisa

Após um ano de home office, o número de brasileiros que se consideram mais produtivos no trabalho remoto do que no presencial aumentou, ao mesmo tempo em que a sensação de bem-estar com o modelo caiu, segundo pesquisa da Fundação Dom Cabral. Em 2021, quase 60% dos entrevistados afirmaram ser mais produtivos ou significativamente mais produtivos trabalhando de casa, ante 44% do ano anterior. As mulheres foram as que mais perceberam aumento da produtividade, aponta o levantamento. No grupo de profissionais que ocupam cargos de gerência ou liderança, 13% disseram que rendem menos ou bem menos. Esse número chega a 22% entre diretores e presidentes de empresas —acima dos que afirmaram produzir bem mais, de acordo com a pesquisa, que ouviu 1.075 pessoas em 23 estados, feita em parceria com a Grant Thornton Brasil e a Em Lyon Business School. Apesar do aumento da produtividade, os brasileiros disseram que o home office resultou em maior volume de horas trabalhadas (24%), dificuldade no relacionamento e na comunicação com os colegas, e problemas no equilíbrio entre trabalho e demandas pessoais. Os entrevistados também mencionaram falta de infraestrutura adequada. Mais de 20% das pessoas afirmaram que receiam perder o convívio social caso o trabalho remoto continue. FOLHA DE S. PAULO

Certa recuperação na indústria (Celso Ming)

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Alguns indícios sugerem que está em curso certa recuperação da produção industrial, que cresceu 4,4% no 1º trimestre. Alguns indícios sugerem que está em curso certa recuperação da produção industrial. Nesta quarta-feira, o IBGE mostrou que, em março, a atividade da indústria ultrapassou o nível de imediatamente antes da pandemia. Cresceu 10,5% sobre março de 2020, mês em que a sociedade começou a se dar conta da gravidade da covid-19. Mas caiu 2,4% em comparação com fevereiro, que já havia registrado perda de 1,0% em relação ao mês anterior. No acumulado do primeiro trimestre, o crescimento da indústria foi de 4,4%. (Veja o gráfico.) Os números da balança comercial de abril apontam consistências com essa recuperação. As importações da indústria de transformação cresceram 42,6% sobre abril de 2020. No primeiro quadrimestre (sobre igual período do ano anterior), o avanço foi de 12,6%. Também de janeiro a abril, as importações de bens intermediários evoluíram 25,6%. São números que mostram a indústria agora voltada a recompor estoques de peças, componentes e insumos para atender a uma demanda que ficou reprimida. As próximas estatísticas deverão mostrar a maior força do varejo que, logo em seguida, deverá puxar a produção. Ajuda essa tendência o dinamismo da economia mundial, especialmente dos Estados Unidos e da China, duas caldeiras em forte atividade. A disparada dos preços das commodities no mercado global (petróleo, minérios e alimentos) é demonstração disso. Ainda não dá para garantir que seja sustentável a recuperação em “V” que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem cantando há meses ao som de seu fagote. Há incertezas no ar. A maior delas é o risco do efeito Índia. Ninguém sabe até que ponto o Brasil está vulnerável às novas variantes do coronavírus. Hoje, a mais importante medida de política econômica é a vacina. Embora atrasada e muito lenta, há indícios de que a imunização da população brasileira começa a produzir efeitos, mas não há segurança sobre sua eficácia na proteção contra as novas cepas. Se a pandemia se agravar, novas paralisações ficarão inevitáveis e, com elas, o recuo da indústria. Outras incertezas não podem ser omitidas. É o negacionismo do governo federal diante da pandemia que joga contra o combate ao vírus. É a deterioração das contas públicas (questão fiscal), a leniência com o agendamento das reformas, o desgoverno na área ambiental, a falta de rumo e a falta de chão político de um governo agora nas mãos do Centrão. Sempre que se fala em recuperação vem a pergunta: e o emprego? Dá para contar com a criação de postos de trabalho? Certamente dá, porque a economia vem operando muito enxuta. Mas, sem ilusões. Se o setor produtivo aprendeu algo na pandemia foi a necessidade de investir em https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, automatizar linhas de produção, remodelar a logística e cuidar de maior integração de produção e distribuição. Tudo isso conduz não só à redução de pessoal. Empurra o sistema para o redesenho das relações de emprego, que não será mais o mesmo. ✽ COMENTARISTA DE ECONOMIA O ESTADO DE S. PAULO

Selic vai a 3,50%, na 2ª alta da taxa neste ano

Para tentar conter a alta da inflação, o Banco Central elevou ontem a Selic (a taxa básica de juros), de 2,75% para 3,50% ao ano. Esse foi o segundo aumento consecutivo de 0,75 ponto porcentual em 2021. Na decisão, o órgão sinalizou a intenção de promover novo reajuste no próximo mês, para 4,25% ao ano. A alta ocorre mesmo com o BC reconhecendo o impacto da segunda onda da covid-19 sobre a economia do País. Para conter a escalada mais recente da inflação no Brasil, o Banco Central elevou ontem a Selic (a taxa básica de juros), de 2,75% para 3,50% ao ano. Esse foi o segundo aumento consecutivo de 0,75 ponto porcentual, em um movimento iniciado em março deste ano. Ao anunciar a decisão, o BC também sinalizou a intenção de promover novo aumento no próximo mês, para 4,25% ao ano. A alta de juros ocorre apesar das dificuldades do Brasil para reativar a atividade econômica. Por trás da decisão do BC está o receio de que a inflação brasileira possa acelerar, em especial no próximo ano – que passou a ser a principal referência da instituição em sua decisão sobre os juros. As projeções da autoridade monetária, atualizadas ontem, indicam que o IPCA – o índice oficial de inflação – encerrará 2021 com alta de 5,1%. Esse porcentual já está bem acima da meta de inflação perseguida pelo BC para este ano, de 3,75%, embora exista uma margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual (inflação entre 2,25% e 5,25%). Já a expectativa do BC para o IPCA em 2022 é de 3,4% – valor muito próximo da meta para o ano que vem, de 3,50%. Para evitar que o índice de preços se “descole” da meta em 2022, o BC decidiu elevar os juros. Commodities. Ao justificar a decisão, o BC lembrou em comunicado que, “com exceção do petróleo, os preços internacionais das commodities (matérias-primas) continuaram em elevação, com impacto sobre as projeções de preços de alimentos e bens industriais”. “Além disso, a transição para patamares mais elevados de bandeira tarifária deve manter a inflação pressionada no curto prazo”, acrescentou o BC, em referência ao mecanismo que eleva o valor da conta de energia elétrica para famílias e empresas. O BC também alertou para o chamado “risco fiscal”, ligado às dificuldades do governo em equilibrar receitas e despesas, em especial em meio ao combate aos efeitos da covid-19. Para a instituição, “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do País”, assim como frustrações em relação às reformas econômicas, podem gerar mais inflação no futuro. Nova alta. O resultado foi que, além de elevar a Selic a 3,50% ao ano, o BC sinalizou novo aumento de 0,75 ponto porcentual no próximo mês, para 4,25% ao ano. A alta de juros ocorre a despeito de a autarquia reconhecer o impacto da segunda onda da covid-19 sobre o Brasil. “Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes mostram uma evolução mais positiva do que o esperado, apesar da intensidade da segunda onda da pandemia estar maior do que o antecipado”, registrou o BC ontem. “A incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia ainda permanece acima da usual.” Para o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, a comunicação do BC reforça a perspectiva de pelo menos mais dois aumentos seguidos de 0,75 ponto porcentual da Selic, com a taxa atingindo o patamar de 5,00% ao ano. “Em linhas gerais, o BC mostrou-se austero com o avanço da inflação, e a perspectiva é de que isso continue assim. Mas ele manteve a sinalização de normalização ‘parcial’ do juro”, afirmou Sanchez, a respeito da sinalização do BC de que ainda manterá algum estímulo à economia, em meio à crise provocada pela pandemia. Na prática, a leitura é de que a Selic subirá, mas ainda permanecerá em níveis mais baixos que no passado, em função da fraqueza da economia. O ESTADO DE S. PAULO