Supremo pressiona governo a fazer o Censo e criar programa de renda básica
Em menos de uma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou duas decisões que vão pressionar o governo a buscar mais recursos no Orçamento e a retomar a discussão para ampliar a política de transferência de renda para a população em situação de pobreza. Os ministros do Supremo impuseram a regulamentação da concessão de um benefício de renda básica, prevista numa lei aprovada há 17 anos, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, e que nunca saiu do papel. A decisão, considerada por Suplicy um marco para a política de renda básica no Brasil depois de anos de luta para que fosse regulamentada. Mas deve obrigar o governo a se mexer para buscar mais dinheiro no Orçamento em 2022 para a ampliação do programa Bolsa Família ou criação de um novo programa, como foi estudado no ano passado. Além de ampliar recursos, será preciso redesenhar os benefícios para que atendam à determinação de regulamentação do STF, segundo especialistas. Em outra frente, o decano do Supremo, ministro Marco Aurélio Mello, determinou ontem que o governo adote medidas do Censo IBGE. Durante a tramitação do Orçamento de 2021, o relator, senador Marcio Bittar (MDBAC), retirou uma previsão de cerca de R$ 2 bilhões para a realização do Censo este ano e redistribuiu a verba para emendas parlamentares. No momento da sanção, o presidente Jair Bolsonaro vetou outros R$ 17 milhões que poderiam ser usados na preparação da pesquisa para 2022. Esse corte deve levar a um adiamento ainda maior do Censo, para 2023, segundo previsão do sindicato. A previsão original era realizá-lo em 2020. Em relação a um novo programa Os cortes no Orçamento podem adiar ainda mais o Censo, que deveria ter sido realizado no ano passado. A expectativa, com as reduções, é de que a pesquisa só possa ocorrer em 2023. “União e IBGE descumpriram o dever de organizar os serviços oficiais de estatística.” Marco Aurelio Mello, ministro do STF de renda básica, o presidente Jair Bolsonaro se antecipou e disse que governo pretende elevar a média do benefício que é pago pelo programa Bolsa Família de cerca de R$ 190 para R$ 250 a partir de agosto ou setembro. O Ministério da Cidadania está trabalhando na reformulação do programa Bolsa Família para o mês agosto, logo depois do fim do auxílio emergencial já concedido. Segundo a decisão do ministro Gilmar Mendes, a regulamentação da primeira etapa da Lei Suplicy deve ser equivalente ao valor da linha de pobreza, que é de R$ 178 per capita. “Essa é uma confusão que me parece proposital para evitar ou tentar resistir à regulamentação”, disse Ferreira ao Estadão. Transferência. “Não cabe mais ao governo dizer que não é possível. Essas considerações já foram feitas no entendimento que prevaleceu”, afirmou o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, movimento que reúne mais de 100 organizações em defesa da transferência de renda para os mais pobres. “É uma decisão judicial para se cumprir”, ressaltou. Ele vê risco de ocorrer o mesmo cenário de 2020, após o fim do auxílio emergencial, quando o governo perdeu tempo para buscar um entendimento em torno da renovação do ano passado. Uma das possibilidades para retardar é buscar uma alteração na Lei Suplicy no Congresso ou fazer uma regulamentação que não acolha a determinação do STF. Já a decisão do Supremo para a realização do Censo foi tomada na análise de uma ação movida pelo governo do Maranhão. “A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional”, observou o ministro Marco Aurélio. Os dados da população brasileira são atualizados a cada dez anos. Hoje, o que se sabe da população é com base em estimativa do Censo de 2010. Quanto mais se afasta da base do Censo, mais impreciso fica o dado para a definição de políticas públicas, inclusive distribuição de recursos a Estados e municípios. Os pesquisados do Censo visitam a casa de todos os brasileiros para traçar uma radiografia da situação de vida da população nos municípios e seus recortes internos, como distritos, bairros e outras realidades. Esse nível de minúcia não é alcançado em outras pesquisas do IBGE feitas por amostragem, que entrevistam apenas parcela da população. Marco Aurélio Mello decidiu submeter a sua liminar que determinou a realização do Censo de 2021 para referendo dos colegas no plenário virtual da Corte, uma plataforma que permite a análise de casos a distância, sem a necessidade de se reunir pessoalmente ou por videoconferência. O julgamento está marcado para começar em 7 de maio e durar uma semana, sendo encerrado no dia 14. O ministro da Economia, Paulo Guedes, argumentou que o corte de recursos para o IBGE no Orçamento de 2021 foi feito pelo Congresso Nacional, e não pela equipe econômica. O ESTADO DE S. PAULO
Economia da obediência (Editorial)
O fracasso do Ministério da Economia, sem rumo, sem projetos e sem peso político, foi comprovado, mais uma vez, pela rendição de Paulo Guedes a pressões. Ofracasso do Ministério da Economia, sem rumo, sem projetos e sem peso político, foi comprovado, mais uma vez, pela rendição do ministro Paulo Guedes a pressões do Congresso, de outras áreas do Executivo e também do presidente da República. Ao substituir alguns de seus principais auxiliares, como o secretário especial da Fazenda, o ministro cuidou apenas de uma reles acomodação política. Ele nem tentou disfarçar. “O que está acontecendo”, explicou, “é remanejamento da equipe justamente para facilitar negociações com o Congresso.” Negociações para quê? Para garantir a execução de uma ambiciosa política econômica? Até poderia ser, mas nada parecido com essa política foi apresentado em quase dois anos e meio de escassa atividade governamental. A nova rendição é mais um desdobramento da enorme confusão sobre o Orçamento de 2021. Aprovado só em março, o projeto orçamentário, muito ruim desde a origem, ainda foi destroçado no Congresso para atender aos interesses paroquiais de parlamentares. Emendas foram infladas, gastos obrigatórios foram subestimados e a sanção presidencial foi decidida, enfim, no meio das negociações entre Poderes e de graves divergências dentro do Executivo. Já desgastado em outros episódios, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, atraiu novas críticas. Com isso, ficou mais exposto à destituição, enfim anunciada, juntamente com outras mudanças, na terça-feira. Considerado um fiscalista rigoroso, ele chegou a propor, no ano passado, o congelamento de aposentadorias ligadas ao salário mínimo. O presidente reagiu, ameaçou demissões e o ministro aceitou a pressão, embora houvesse admitido, inicialmente, a proposta impopular formulada pelo secretário. A desarticulação da área econômica, no entanto, é muito mais importante que o conteúdo das polêmicas. O Ministério da Economia negociou mal, e de forma confusa, a forma final do Orçamento. O ministro falhou na escalação do pessoal autorizado a se manifestar e na definição dos temas e objetivos da negociação. Os parlamentares conseguiram, afinal, manter boa parte das emendas infladas. Ficou para o Executivo a missão de completar os ajustes. Cortaram-se verbas destinadas ao censo demográfico, já atrasado, ao programa habitacional e a outras ações de importância econômica e social, em áreas como educação, serviços de saúde e pesquisa médica. Houve pouca discussão sobre os efeitos desse ajuste, mas o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo apontou possíveis consequências. Os cortes, segundo o sindicato, poderão impedir ou dificultar a produção de cerca de 215 mil unidades habitacionais em todo o País, com perda de “mais de 400 mil empregos diretos e indiretos”. Especialistas podem debater os detalhes, mas o investimento em habitação é conhecido como importante fonte de empregos e de estímulos a vários setores da indústria – nos segmentos de aço, plásticos, cimento, vidros, guindastes, tratores, tintas e móveis, entre outros. Pode-se perguntar se o governo leva em conta informações como essas ao tomar decisões sobre política orçamentária. A resposta é provavelmente negativa, a julgar pela escassa atenção destinada, habitualmente, às condições de funcionamento da economia, isto é, ao dia a dia da produção e dos negócios. Essa pouca atenção foi demonstrada na decisão de reduzir o auxílio emergencial a partir de setembro e extingui-lo na virada do ano. O aumento da miséria foi uma das consequências. Depois, aparentemente surpreendido, o governo teve de negociar com o Congresso ações para restabelecer a ajuda. Não houve sequer, em 2020, o planejamento necessário para o enfrentamento continuado da crise. Sem plano e sem prioridades para a economia real, o governo se aproxima de um período eleitoral muito perigoso para as finanças públicas, com o Tesouro sujeito às pressões do presidente e de seus aliados dentro e fora do Congresso. Se nada surpreendente ocorrer, a função do Ministério da Economia será tentar a conciliação dessas pressões. O ESTADO DE S. PAULO
Como o IGP-M, ‘jabuticaba’ brasileira e herança da hiperinflação, vira fardo para inquilinos e empresas
A disparada do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que já chega a 32% em 12 meses até abril, tem bagunçado os preços no país. A alta contaminação do indicador pelo dólar, em meio a pandemia e desemprego recorde, se tornou uma dor de cabeça para empresas, inquilinos e consumidores. Criado na década de 1940, o índice é uma “jabuticaba” brasileira, avaliam especialistas. Mistura pressões no atacado com preços ao consumidor e, ainda, custos da construção – composição que não é usada em nenhum outro país. Para complicar ainda mais, seu período de coleta não segue o mês calendário, e sim as datas entre os dias 20. Ou seja, o IGP-M de abril, divulgado nesta quinta-feira, mediu a variação de preços entre 20 de março e 20 de abril. Graças a essa periodicidade atípica, o índice foi muito usado pelo mercado financeiro no auge da hiperinflação, por “antecipar” em alguns dias o resultado da inflação do mês calendário. Indexação, o jeitinho brasileiroCriado na década de 1940 pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o IGP-M é até hoje a principal referência para correção de aluguel residencial e comercial, além de estar presente no cálculo dos reajustes de tarifas como energia, telefonia e transporte público. O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, conta que a ideia de criação de um índice geral de preços teve início nos Estados Unidos, mas essa discussão econômica logo perdeu força na década de 1950. O que explica o Brasil ter adotado o IGP-M como indexador por tanto tempo, diz ele, está na herança do tempo de hiperinflação pela qual o país passou até a década de 1990. A indexação foi um “jeitinho brasileiro” que acabou retroalimentando a inflação. — A economia era contaminada pelo processo de indexação, que era a sua força e a fraqueza ao mesmo tempo. A indexação ajudava a corrigir o valor dos salários e aluguéis com base na inflação passada, mas por outro lado, realimentava a inflação futura — diz Cunha. Um índice que é 3 em 1 O IGP-M, como o próprio nome diz, é um “índice geral” e é composto por três subíndices: o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60%, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com 10%. O IPA, com maior peso no IGP-M, é muito sensível à alta do dólar, que afeta diretamente os custos de commodities como soja, dos produtores agrícolas, ou minério, usado na indústria. Além da lei do inquilinato de 1991, que prevê que contratos de locação tenham um índice para a correção, o período de privatizações na mesma década fez com que os reajustes tarifários de empresas de energia e telefonia fossem tratados nos contratos de concessão e corrigidos pelo IGP-M. Na época, as empresas estrangeiras que disputaram os leilões queriam um índice de reajuste nos contratos que variasse próximo ao dólar, já que elas tomaram empréstimos pela moeda americana e precisavam de proteger suas remessas de lucro. Correção monetáriaVale lembrar que o IGP-M foi usado até 2006 como base para correção monetária dos títulos públicos do governo. — A credibilidade e importância do indicador é muito grande — diz Cunha. Não por acaso contratos de serviços como telefonia, água, luz e gás são reajustados até hoje pelo IGP-M, na sua totalidade ou de forma agregada. Acontece que o indicador parece ter se tornado uma “jabuticaba brasileira”, como avaliam economistas ao se referirem a uma solução que só existe aqui no Brasil. Em nenhum outro país há um índice geral de preços como o brasileiro, que seja fruto da média ponderada de outros três índices, sendo que o maior peso vem justamente dos custos no atacado. A inflação dos custos de produção acumula 43,59% nos 12 meses até abril. É uma das maiores altas desde o início do Plano Real, que colocou fim à hiperinflação em 1994. Disparada no atacado Levantamento da economista Andrea Damico, da gestora de investimentos Armor Capital, mostra que, de uma lista de 71 países, a inflação do atacado nos últimos 12 meses só é maior do que a do Brasil na Argentina. Na prática, reajustar contratos imobiliários ou tarifas pautadas no efeito do preço da soja, por exemplo, que ficou mais cara ao produtor, parece gerar um descolamento. — Os pesos diferentes para cada componente do IGP-M era uma tentativa de mensurar a estrutura da economia de quando o índice foi criado, nos anos 1940. Acontece que essa estrutura não tem nada a ver com a da economia de hoje, o que gera distorções. Só que ponderar esses pesos a cada novo ciclo econômico também gera ruído — explica Cunha, da PUC-Rio. Como resolver o impasse?Em meio a necessidade de solucionar o impasse do indexador nas alturas em tempos de crise econômica, empresas de transporte e energia, por exemplo, negociam a troca do IGP-M no reajuste de contratos, já que encontram dificuldade para repassar reajustes tão altos. Desde o ano passado, imobiliárias tem substituído o IGP-M pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como indexador para reajustes de contratos, já que o indicador tem a característica de ser menos volátil que o primeiro. André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), não recomenda, no entanto, que a taxa oficial de inflação do país seja utilizada para reajustes, pois há riscos para o proprietário de subvalorização da propriedade: — Assim como o IGP não foi desenvolvido para essa finalidade, o IPCA também não. O IPCA só é bom para o inquilino, porque o inquilino tem o seu salário corrigido pela inflação passada. Mas e o interesse do proprietário? E a valorização dos imóveis no mercado imobiliário? O proprietário pode ter mais benefícios naquela localidade que o IPCA não é capaz de captar — pondera. Cunha ressalta que o IGP-M é um índice de qualidade feito pela FGV, mas avalia que, diante do descolamento, a solução é deixar de utilizá-lo: — Quando começa
STF barra saídas adotadas por juízes para ampliar correção de dívidas trabalhistas
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem barrado as saídas encontradas por juízes do trabalho para estabelecer uma maior correção para as dívidas trabalhistas. São pelo três argumentos usados pelos magistrados para não seguir à risca o que foi determinado pelos ministros em dezembro: aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa Selic. No julgamento, os ministros consideraram inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas. Também não seguiram a fórmula adotada pela Justiça do Trabalho – IPCA-E mais juros de mora de 12% ao ano. A decisão afeta pelo menos 6,5 milhões de ações, em um valor total de R$ 643,5 bilhões, segundo levantamento da Data Lawyer. Juízes de primeira e segunda instâncias estão resistentes por considerar baixa a correção pela Selic, que hoje está em 2,75% ao ano. Por isso, eles têm buscado saídas, como aplicar a taxa básica mais juros de mora de 1% ao mês, considerar que a questão ainda não foi completamente definida no STF ou estabelecer uma indenização suplementar – válida sempre que demonstrado em liquidação que a Selic rendeu render menos que o IPCA mais 12% de juros ao ano. Esses casos têm sido levados ao STF por meio de reclamações. Ao julgar um deles no dia 20, a ministra Cármen Lúcia decidiu que não cabe indenização suplementar. Ela analisou uma sentença do juiz da 5ª Vara do Trabalho de São José dos Campos (SP). Na decisão, o magistrado diz que a aplicação da Selic causaria perdas ao trabalhador. Por isso, considerou adequado a concessão de uma indenização suplementar, prevista no parágrafo único do artigo 404 do Código Civil. O dispositivo afirma que “provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”. Embora o juiz afirme estar seguindo o entendimento do Supremo, Cármen Lúcia destaca na decisão que a Corte, no julgamento em dezembro (ADC 58, ADC 59, ADI 5.867 e ADI 6.021) “não contemplou indenizações complementares” (RCL 46550). Dias antes, o ministro Luís Roberto Barroso cassou decisão do juiz da 6ª Vara de Vitória, que resolveu não aplicar o entendimento do STF por considerar que o desfecho do caso ainda depende da análise de recurso (embargos de declaração). O magistrado tinha determinado a aplicação da TR mais 1% de juros de mora ao mês. Na reclamação, Barroso afirma que desde a publicação da ata de julgamento, no dia 22 de fevereiro, o que foi decidido já tem eficácia sobre as demais instâncias. Ainda que estejam pendentes embargos de declaração, que “não obsta a aplicação das teses jurídicas firmadas” (Medida Cautelar na Reclamação nº 46.723). Segundo o advogado que entrou com a reclamação, Alberto Nemer Neto, do escritório Da Luz, Rizk & Nemer, a empresa foi surpreendida com a decisão do juiz da execução provisória, em um processo que trata de vínculo empregatício e envolve cerca de R$ 1,5 milhão. Para Neto, “apesar dos juízes terem autonomia, eles têm que se curvar ao que definiu o STF”. A decisão do ministro, segundo Neto, “traz mais segurança jurídica para as empresas e um ambiente de negócios mais saudável”, diz. Muitos juízes de primeira e segunda instâncias passaram a aplicar a TR mais juros de mora nos processos, enquanto o tema estava pendente de julgamento no STF, segundo Ricardo Calcini, professor da pós graduação de Direito do Trabalho da FMU. Isso porque a discussão, acrescenta, pendia ainda pela aplicação da TR, como estabelecia a Lei da Reforma Trabalhista (nº 13467, de 2017), ou pelo IPCA-E, como tinha estabelecido o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Contudo, afirma Calcini, os ministros do Supremo optaram pela Selic, índice de correção usado na área cível. “Essa decisão do Supremo agora é vinculante, desde a ata de publicação do julgamento. Juízes não podem deixar de aplicá-la.” O ministro Alexandre de Morais também cassou, por meio de reclamação, uma decisão de primeira instância. Foi proferida pela Vara do Trabalho de Araçuaí (MG). O juízo aplicou a Selic mais juros de mora de 1% ao ano. Na decisão, o ministro afirma que só deve ser aplicada a Selic, que já teria juros de mora embutidos, conforme o que teria sido decidido pelo Supremo (RCL 46023). A advogada Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer Advogados, escritório que entrou com essa reclamação, diz que a decisão do STF é clara e que, mesmo assim, juízes têm mantido os juros de 1% ao mês. “Assim como aconteceu na época em que o Supremo julgou favoravelmente à terceirização, alguns juízes do trabalho estão resistentes. Mas com o tempo essa resistência vai diminuindo.” No Supremo, está pendente de análise o recurso apresentado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As entidades questionam a Selic como correção e a exclusão de juros de 1% ao mês. Na petição, alegam que o julgamento deveria se ater exclusivamente à questão da atualização monetária dos créditos trabalhistas, uma vez que não estava em debate a exclusão dos juros de 1% de mora previsto no parágrafo 1º do artigo 39 da Lei nº 8.177, de 1991. Ainda afirmam que a Selic, de acordo com o próprio Banco Central, não constitui índice de correção monetária. Não há data definida para a análise do recurso. VALOR ECONÔMICO
Bolsonaro aceita convite e almoça com empresárias
O almoço do presidente Jair Bolsonaro com mulheres líderes corporativas, que acontecerá amanhã no Palácio Tangará, em São Paulo, contará com a presença de empresárias e executivas da indústria e de serviços. Serão 48 convidadas. Entre elas, Dulce Pugliese, cofundadora da Amil; Janete Vaz, fundadora do laboratório Sabin; Stella Damha, sócia do grupo de construção civil Damha; Edna Onodera, fundadora da rede de franquias de estética Onoderas; Marina Willisch, vice-presidente da General Motors; Cristiane Lacerda, diretora do Carrefour; e Marly Parra, do Instituto Unidos pelo Brasil e ex-executiva da E&Y e GPA, segundo organizadores do evento. Também estão previstas a presença da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e das ministras Tereza Cristina (Agricultura), Damares Alves (Família e Direitos Humanos) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). “Enviamos convites às empresas, que os repassaram às suas líderes”, diz Karim Miskulin, presidente executiva do Grupo Voto e organizadora do evento. “As mulheres estão mais bem preparadas e ocupando cargos mais importantes nas organizações ano após ano, mas ainda há uma barreira no relacionamento delas com a política e os núcleos estratégicos do poder.” Segundo ela, a ideia do almoço nasceu a partir de sua indignação de não ver nenhuma mulher nos encontros recentes de Bolsonaro com empresários. “Liguei para o (Washington) Cinel (dono da Gocil e anfitrião de jantar no início do mês), um amigo querido, e reclamei, mas a lista estava fechada”, diz ela, que fez, então, o convite ao presidente. Karim imagina que uma das pautas do almoço será um pedido para que Bolsonaro sancione o projeto de lei que prevê multas a empresas que praticam discriminação salarial a trabalhadoras. Na semana passada, o presidente sugeriu que arranjar emprego pode se tornar “quase impossível” para as mulheres caso ele sancione o texto. “No mais, as pautas devem ser as mesmas dos grupos cuja maioria do público é masculino: reforma administrativa, tributária e vacinas”, diz ela, que não prevê qualquer constrangimento entre as convidadas e o presidente. Há vários registros de declarações misóginas feitas por Bolsonaro. O almoço não será cobrado. O modelo de negócios do Grupo Voto, que nasceu no Rio Grande do Sul, é de patrocínios anuais. Empresas como Carrefour, Ferrero Rocher, Souza Cruz, Dana e GM pagam um valor anual, em troca de publicidade na revista Voto e acesso a eventos como o ciclo de debates “Brasil de Ideias”, seminários locais e missões internacionais. Há também prestação de serviços de consultorias de relações institucionais. É um modelo parecido com o do Lide, que era comandado pelo hoje governador João Doria (PSDB). Por isso, para falar de Karim, alguns interlocutores usam o aposto “João Doria de saias”. Como ambos, há muitos que vendem serviços similares a empresas. Para Karim, o formato do evento – sem palco e bastante informal – facilita a interlocução entre as lideranças e os políticos. “A ideia é que eles falem de igual para igual, para humanizar a figura do político”, diz. Segundo um patrocinador de uma grande empresa que pede para não ser identificado, os serviços da empresa de Karim são eficientes. Com as agendas dos políticos tornadas obrigatoriamente públicas, os fóruns mais discretos para encontros com empresários (com demandas como benefícios fiscais ou aprovação de leis) são pequenas reuniões antes de palestras em eventos. “Nas gestões dos governos do PT, que eram mais intervencionistas, esses encontros eram muito importantes”, diz o executivo, para quem o Grupo Voto dança ao sabor do governo da vez. Capas recentes da revista têm o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), e o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia). “Já fui chamada de tucana, petista e bolsonarista”, diz ela. “Somos uma empresa que nasceu fomentada pela indústria e buscamos pautas positivas nas demandas que o setor público não consegue resolver.” O ESTADO DE S. PAULO
Procuradoria diz ao Senado que PL que libera compra de vacinas por empresas ofende a Constituição
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou nesta quarta-feira, 28, ao Senado nota técnica contra o projeto de lei que libera a compra de vacinas contra a covid-19 pelo setor privado. Segundo o órgão do Ministério Público Federal, o texto ofende dispositivos da Constituição, contraria as premissas básicas do SUS, interfere na análise de segurança, qualidade e eficácia das vacinas realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ‘sequer’ tem o potencial de acelerar a imunização dos grupos prioritários e da população. No documento enviado à Casa legislativa, a PFDC defende que a escassez de vacinas contra a covid-19 deve justificar uma ‘vedação completa à burla à priorização estabelecida pelo Programa Nacional de Imunizações’. “Não é lícito permitir medidas que interfiram na priorização, como a permissão para aquisição de imunizantes por entidades privadas”, frisa o órgão. O documento considera ainda que aberta a possibilidade de compras privadas de imunizantes, ‘fatalmente haveria “escape” no esforço que deveria estar total e inicialmente concentrado e direcionado à imunização dos grupos mais vulneráveis e prioritários’. “Mesmo que o constituinte tenha assegurado à iniciativa privada a prestação de serviços de saúde (CF/88, art. 199), essa atuação não pode, e nem deve, prejudicar o sistema público de saúde, o que fatalmente ocorrerá no cenário de escassez global de vacinas contra a covid-19, atualmente vivenciado”, afirma o órgão. A nota técnica destaca ainda que mesmo em países com uma maior dependência do setor privado, a ordem de prioridades para vacinação não é alterada. “A justificativa não é apenas ética – embora seja suficiente –, mas científica. A escolha dos grupos prioritários não é aleatória e existe uma razão específica para que sejam vacinados primeiramente”, registra a Procuradoria. O objetivo principal da vacinação atualmente é a redução da morbimortalidade causada pela Covid-19, bem como a proteção da força de trabalho necessária para manutenção do funcionamento dos serviços de saúde e serviços essenciais, diz a PFDC. O órgão destaca ainda que a priorização da imunização de determinados grupos é realizada a partir de critérios técnicos e segue modelo da Organização Mundial da Saúde. A Procuradoria aponta que ‘se as pessoas dispostas a pagar puderem ser vacinadas antes do cronograma de prioridades definido, acaba-se por implantar uma segunda fila’ e considera que caso o SUS tenha que concorrer com o setor privado interno – além de enfrentar a demanda mudial – a vacinação dos grupos prioritários será ainda mais lenta’. Segundo o órgão, com as empresas privadas trabalhando fora do cronograma do SUS, o plano de vacinação ficará ainda mais lento, demorando para abranger todos os grupos vulneráveis e, por consequência, a recuperação econômica. “A criação, por lei, da “segunda fila” de vacinação não é adequada, não é ética, não tem o potencial de ampliar a vacinação e ofende os mais basilares princípios constitucionais, acirrando e agravando as desigualdades existentes”, diz a PFDC. O órgão do MPF questiona ainda a previsão do PL de que as empresas possam comprar vacinas s independentemente de registro na Anvisa, bastando autorizações emergenciais, temporárias ou excepcionais de qualquer autoridade sanitária estrangeira reconhecida e certificada pela OMS. “Não é crível que a lei possa se sobrepor às questões de segurança e eficácia de uma vacina, colocando em risco a população brasileira, e autorizando o uso sem que essa efetiva análise da Anvisa ocorra”, rebate a Procuradoria. Segundo a nota técnica, a ‘única justificativa’ para importação de vacinas sem autorização da Anvisa ‘derivaria de entraves burocráticos intransponíveis’ – “o que não ocorre, uma vez que o processo tem sido, em regra, célere e absolutamente válido em garantir a qualidade, segurança e a eficácia das vacinas hoje aprovadas para uso no Brasil”, defende o órgão. O ESTADO DE S. PAULO
Atacadista Assaí planeja contratar mais de 10 mil funcionários em expansão
A rede de supermercados atacadistas Assaí planeja contratar mais de 10 mil funcionários até o fim deste ano. Segundo a empresa, o projeto de expansão é parte da abertura de 28 nova lojas e outros 25 lançamentos por ano até 2023. Os novos processos seletivos da empresa, que não parou na pandemia porque é considerada serviço essencial, serão feitos totalmente online. O Assaí afirma que tem hoje mais de 50 mil funcionários. FOLHA DE S. PAULO
71% acreditam em recuperação da economia só a partir de 2022, diz CNI
A lentidão da campanha de vacinação e um recrudescimento da pandemia de Covid-19 têm pesado nas expectativas da população, e 7 em cada 10 brasileiros dizem acreditar que a economia irá se recuperar só a partir de 2022, segundo levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Quando a mesma pergunta foi feita em julho do ano passado, 61% responderam que a economia brasileira deve se recuperar dos efeitos da Covid-19 em até dois anos ou mais. “Só a imunização em massa da população vai recolocar o Brasil no caminho da retomada da economia”, diz Robson Braga de Andrade, presidente da entidade. Os dados apontam que 83% dos entrevistados consideram o ritmo de vacinação no país lento ou muito lento e 21% dizem acreditar que serão vacinados apenas no ano que vem. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, revisou o calendário de vacinação contra a Covid-19 e adiou o fim da imunização do grupo prioritário em quatro meses, de maio para setembro. Andrade, da CNI, ressalta que é preciso avançar na execução do Plano Nacional de Imunização, respeitando a ordem dos grupos prioritários, para que a população consiga recuperar a confiança. O levantamento, feito em parceria com a FSB Pesquisa, aponta também o impacto da crise provocada pela pandemia nos salários, seja de quem tem carteira assinada ou não. Para 41%, o rendimento ficou igual, enquanto 32% dizem que os rendimentos diminuíram. Em um cenário ainda mais grave, 14% disseram que perderam toda a renda. Em contrapartida, 71% dos entrevistados afirmaram que reduziram gastos por causa das medidas de isolamento social —mesmo resultado observado em julho do ano passado. Só que o nível de cortes no orçamento doméstico aumentou: se na metade do ano passado, 30% dos que disseram ter reduzido gastos foram obrigados a fazer um corte grande ou muito grande em suas despesas, agora são 40% os que dizem ter feito o mesmo. Segundo a instituição, ainda que a pesquisa impossibilite afirmar que o ritmo de vacinação tem postergado a recuperação da economia, ela é medida fundamental “não só do ponto de vista do enorme custo humano que a pandemia impõe, mas também fundamental para a retomada da economia”. Em relação ao processo de reabertura de estabelecimentos comerciais e de ensino, a maioria aprova o funcionamento do comércio de rua (61%). A maior parte, no entanto, é contra a abertura de shoppings (57%), salões de beleza (51%), academias (62%) e bares e restaurantes (60%). A pesquisa ouviu, por telefone, 2.010 pessoas, de 16 a 20 de abril. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. FOLHA DE S. PAULO
Pandemia eleva fatia de jovens ‘nem-nem’
A proporção de jovens que nem estudam nem trabalham atingiu no último trimestre de 2020 o maior valor em oito anos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo levantamento da pesquisadora Thais Barcellos, da consultoria IDados. A fatia chegou a 25,5% dos jovens de 15 a 29 anos, 4,4 pontos percentuais a mais que em 2012. No quarto trimestre de 2019, era de 23,7%. Ao longo de 2020, a proporção dos chamados “nem-nem” chegou a quase 30%, diante das dificuldades impostas pela pandemia, que fechou postos de trabalho e dificultou o acesso dos jovens à escola. Nos últimos anos, o aumento no indicador tem sido puxado por jovens que não estão trabalhando, enquanto o percentual de jovens fora da escola – que sempre foi bem alto – se manteve quase estável, com pequenas oscilações para cima e para baixo. Na pandemia, observa a pesquisadora, essa tendência de aumento dos sem trabalho foi reforçada. Já o percentual dos que estão fora da escola cresceu ao longo de 2020, para recuar no fim do ano. “A Pnad mostra que houve um aumento de frequência nas escolaridades mais altas em 2020. Pode ser que o jovem esteja tentando se qualificar melhor para mitigar os efeitos negativos de ficar fora do mercado de trabalho por muito tempo”, afirma Thais. O que não deve estar acontecendo sem percalços. “Fica a pergunta sobre qual educação esses jovens estão recebendo, uma vez que ainda estamos longe de ter um plano eficiente de volta às aulas”, diz. O que também pode explicar esse fenômeno, afirma, é que, nessa faixa etária há mais autonomia do estudante. “Quem tem sofrido mais na pandemia são as crianças mais novas, mais dependentes de suporte adequado.” No caso do trabalho, historicamente, os jovens são mais prejudicados pelas crises e na pandemia não tem sido diferente. Levantamento feito também a partir da Pnad Contínua pela pesquisadora Maria Andréia Parente Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas numa faixa mais estreita, de 18 a 24 anos, mostra uma queda de 10,6% na força de trabalho dos jovens no quarto trimestre do ano passado. Apesar disso, a taxa de desocupação chegou a 29,8%, cerca de 4,1 milhões de pessoas. Segundo Maria Andréia, muitos dos jovens que saíram do mercado foram direto para a inatividade, sem passar pela condição de desempregados, o que ressalta o desalento dessa parcela da população. O número de jovens de 18 a 24 anos que saiu do mercado de trabalho direto para a inatividade só foi menor que o da faixa acima de 60 anos, uma migração muito relacionada à aposentadoria. “O impacto da pandemia tem sido mais prejudicial para os indivíduos mais jovens e os menos escolarizados”, diz a pesquisadora em seu estudo. No quarto trimestre, com a reabertura da economia em boa parte país, antes da segunda onda da covid-19, a ocupação voltou a aumentar de forma tímida. De forma geral, os jovens ficaram restritos ao mercado informal. “Ao investigar que tipo de emprego o jovem está conseguindo vemos que ele se colocou em vagas mais precárias”, observa Thais Barcellos. É uma situação melhor que o desalento e o desemprego, mas que também não aponta um cenário mais positivo à frente. “Não sabemos quanto tempo a pandemia vai durar e quais os efeitos na economia, mas pesquisas mostram que, conforme o jovem vai envelhecendo, fica mais difícil se inserir no mercado de trabalho com carteira assinada”, afirma Thais. VALOR ECONÔMICO
Crise da covid-19 afeta mais o trabalho das mulheres na AL
A pandemia tirou 12 milhões de mulheres do mercado de trabalho na América Latina, em 2020. Dados atualizados mostram que o impacto da crise foi maior para as mulheres do que para os homens. Elas também enfrentam mais dificuldades para retornar à força de trabalho. Os números indicam um retrocesso de ao menos 15 anos no que diz respeito à inserção das mulheres no mercado de trabalho. A depender da dificuldade em se controlar a covid-19, o estrago pode ser ainda maior. Dados atualizados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que, no segundo trimestre de 2020, o número de mulheres empregadas caiu muito mais do que o de homens, tendência que foi revertida apenas no quarto trimestre. No ano, houve queda de 12% na taxa de ocupação das mulheres na região e 9% na dos homens. Em termos globais, a contração foi de 5% e 3,9%, respectivamente. Isso significa que cerca de 12 milhões de mulheres perderam o emprego no ano passado, segundo relatório publicado neste mês pela organização. O documento acrescenta que a queda acentuada da participação das mulheres no mercado de trabalho indica um retrocesso de ao menos 15 anos. Dentre os países mais afetados estão Chile, Peru e Paraguai. “Na América Latina e no Caribe, o impacto mais intenso sobre as mulheres se deve, por um lado, à maior presença feminina em setores da economia fortemente afetados como hotelaria e restaurantes e trabalho doméstico”, diz Valeria Esquivel, coordenadora do grupo de Gênero no Trabalho da OIT. “Por outro lado, uma em cada duas mulheres da região está no mercado informal. Em setores com alta participação feminina, como o doméstico, a taxa de informalidade chega a 90%.” No setor de serviços em geral, 50% da força de trabalho é feminina. No de comércio, 26%. No de turismo, 61,5%. Quando se trata de trabalho doméstico remunerado, esse total ultrapassa 91%, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas (Cepal). O mercado de trabalho doméstico remunerado, que empregava 13 milhões das mulheres da região antes da pandemia, foi fortemente atingido pela impossibilidade de ser realizado à distância. No segundo trimestre, a ocupação nessa área caiu 46,3% no Chile, 44% na Colômbia e 24,7% no Brasil. Além de as mulheres ocuparem vagas mais vulneráveis a medidas restritivas, um fator que contribui para a perda de emprego entre elas é a dificuldade de conciliar o trabalho com tarefas dentro de casa, em um contexto no qual educação e serviços de cuidado no lar também foram impactados. Segundo a Cepal, as mulheres da região gastam entre 22 horas e 42 horas semanais com tarefas domésticas – o triplo dos homens. “A pandemia acentuou ainda mais isso, em uma região onde a divisão sexual do trabalho já era desigual. Hoje as mulheres estão mais sobrecarregadas com o trabalho de cuidado no lar do que os homens”, afirma Lucía Scuro, da divisão de Assuntos de Gênero, da Cepal. “Sem contar que muitas têm de assistir às crianças na educação remota, quando não idosos que demandam cuidados específicos.” Segundo dados do Laboratório do Trabalho do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), empregos formais e informais dominados por mulheres são os que tiveram maior queda e têm recuperação mais devagar na Bolívia, Chile, Colômbia, México, Peru e Paraguai. Na Bolívia e no Paraguai, o emprego entre os homens voltou ao nível pré-crise, mas entre as mulheres não. “A crise da covid-19 está causando diversas outras crises adicionais e uma delas, sem dúvida, é a do emprego feminino, o que alguns especialistas estão chamando de ‘she-cession’”, afirma Morgan Doyle, representante do BID no Brasil. “Os números são significativos e refletem que as mulheres não apenas perderam seus empregos mais rapidamente do que os homens, como também estão recuperando seus postos de trabalho a um ritmo muito mais lento.” Doyle lembra que, do total de 31 milhões de empregos perdidos até agosto de 2020 por conta da pandemia na América Latina, mais de 16 milhões ainda não haviam sido recuperados. A região é a que mais sofreu com perdas de horas de trabalho – 16,2% em 2020, ante 8,8% em todo o mundo, segundo a OIT. Isso suscita ainda mais preocupações para um cenário de queda da participação das mulheres no mercado de trabalho, anterior à crise. Segundo a OIT, em 2005 as mulheres representavam 50,3% da força de trabalho. Esse percentual caiu para 47,2% em 2019. Em todo o mundo, o trabalho de cuidado não remunerado é citado como a principal razão dada por mulheres em idade produtiva por estarem fora da força de trabalho. A Cepal estima que a queda da participação feminina no mercado de trabalho tenha sido em parte responsável por jogar mais 23 milhões de mulheres na pobreza na América Latina. Com isso, o total de mulheres pobres na região chegou a 118 milhões no fim de 2020. Antes da pandemia, o Fórum Econômico Mundial estimava que seriam necessários 59 anos para se alcançar igualdade de gênero no mercado de trabalho. Com a lenta recuperação da atividade na região e dificuldades para acelerar a vacinação contra a covid-19, isso deve demorar ainda mais. VALOR ECONÔMICO