Sem reforma, caminho seria elevar contribuições

Sem uma reforma tributária, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins pode levar a um aumento de alíquotas das contribuições sociais, como forma de compensar a perda de arrecadação. Esse é um dos cenários levantados por especialistas caso o julgamento, que implica risco fiscal elevado, se encerre mesmo nesta semana. Outro problema que poderá surgir está relacionado ao teto de gastos. Precatórios, no lado da despesa, e compensações tributárias, pela ótica das receitas, são os principais caminhos para o governo acertar seu passivo com os contribuintes, após a decisão final. No primeiro caso, essa despesa competirá com os demais gastos, cujo espaço dado pelo limite constitucional já é bastante restrito. Esse efeito certamente não ocorreria neste ano, mas sim nos próximos, quando a Justiça começa a remeter para a União as dívidas a serem pagas no exercício seguinte. Na compensação tributária, que tem limitações porque só se aplica para quem tem créditos a receber, o impacto é de redução nas receitas da União, diminuindo assim o resultado primário, mas sem afetar o limite de despesas. O Ministério da Economia não quis se posicionar sobre os potenciais impactos. Porém, em ofício enviado ao Supremo no dia 14, assinado pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano de Alencar, aponta uma conta de R$ 258,3 bilhões – que hoje seria mais que o dobro das despesas discricionárias do governo. “Essa mensuração [sobre impacto no teto de gastos] somente poderá ser realizada com maior precisão a partir dos limites da decisão dos embargos de declaração. Os esclarecimentos da Corte quanto aos critérios de liquidação e à produção de efeitos do julgamento de março de 2017 são determinantes para esse tipo de análise”, limitou-se a dizer a pasta em resposta ao Valor. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que está vinculada ao ministério, acrescentou que a questão é “profunda e bastante complexa” e levantou a dúvida sobre “como o sistema se tornará sustentável para absorver decisão com tal impacto”. Diante do impacto estimado, Jorge Rachid, ex-secretário da Receita Federal, que estava no governo quando a União foi derrotada em 2017, defende que o Supremo module os efeitos da decisão, evitando a devolução de valores pela União. Para ele, é natural se esperar uma elevação das alíquotas do PIS e da Cofins. Rachid lembra que o projeto de reforma tributária por meio da CBS, enviado no ano passado pelo governo, já prevê alíquota maior justamente por causa da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições sociais. Uma das formas de devolver valores tributários cobrados indevidamente, as compensações já estão em um patamar elevado este ano. De janeiro a março foram realizadas 20.387 operações com créditos provenientes de ações judiciais, chegando ao valor de R$ 23,35 bilhões. Em 2020, as compensações foram um dos motivos para a queda de arrecadação. Com um total de 57.970 pedidos, o valor compensado foi de R$ 63,61 bilhões. As ações judiciais responderam por quase 40% do total dos créditos tributários utilizados no ano passado. “A compensação é só uma forma de fazer valer um crédito que se conseguiu por uma via. Ela é um instrumento de agilidade”, afirma o consultor Everardo Maciel, e ex-secretário da Receita Federal. Contrário à decisão do STF no mérito, ele destaca que ainda existem muitas dúvidas, que tornam impossível prever quanto o julgamento vai custar para a União. Para o economista-chefe da RPS Capital e especialista em contas públicas, Gabriel Leal de Barros, o impacto fiscal da decisão, a depender do caminho adotado pelo STF, pode ser “enorme”. “Não está muito clara a forma de quitação, se ainda na linha da receita e usando débitos e créditos de cada parte ou se via transferência [gasto] direto do governo. Acredito que o STF vá decidir pela modulação para trás apenas para as empresas que ainda tinham causas e recursos, mitigando o efeito da repercussão geral para trás e o impacto fiscal”, diz. Se o pagamento desse débito for via gasto, acrescenta, pode gerar problemas para o teto. Porém, ele cogita a possibilidade de o governo eventualmente buscar enquadrar essa despesa como excepcional, pedindo ao Congresso licença para deixá-la de fora do teto. O julgamento, afirma, pode acelerar a pressão pela reforma tributária. VALOR ECONÔMICO

Lira defende reforma tributária fatiada e vê a administrativa aprovada antes no Congresso

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta segunda-feira (26) que vai conversar com o governo para analisar as convergências em torno da reforma tributária e discutir as mudanças em partes para facilitar a aprovação do texto ainda neste ano. Ainda assim, Lira, líder do centrão, disse acreditar que a reforma administrativa será aprovada antes da tributária. O presidente da Câmara falou na manhã desta segunda à rádio Jovem Pan, um dia após informar em uma rede social que a versão inicial da reforma tributária será apresentada na próxima segunda (3). Lira disse que vai se reunir na tarde desta segunda com o ministro Paulo Guedes (Economia) para conversar sobre a reforma. “Vamos nos encontrar para olharmos a situação que o governo construiu a quatro mãos com o relator do texto na Câmara [deputado Aguinaldo Ribeiro, PP-PB], que fez parte também da comissão especial, para entendermos o que o governo prioriza e quais são os pontos convergentes, quais são os pontos mais fáceis, para que nós comecemos a votar e discutir a reforma tributária por partes”, disse. Lira fez analogia entre aprovar o texto da reforma inteiro e tentar comer um boi inteiro. “Você não consegue. Mas você sai fatiando ele, você sai das partes mais fáceis para as mais difíceis, você consegue adiantar uma reforma que dê justamente simplicidade, desburocracia, um ajuste fiscal mais justo, uma riqueza de fundamentos daquela que a gente colocou aqui: quem ganha mais vai pagar mais, quem ganha menos vai pagar menos.” Segundo ele, a estratégia de buscar consenso e depois partir para os pontos divergentes permitirá que a reforma caminhe neste ano. Lira disse que vai coordenar o texto da reforma pessoalmente, junto com os líderes partidários da Câmara e com o relator. A decisão pode gerar desconforto com o Senado. No início de fevereiro, logo após assumir o cargo, o líder do centrão e o presidente da Casa vizinha, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), negaram qualquer disputa por protagonismo no início da tramitação da tributária. “Não vai haver briga por protagonismo em relação a essas reformas. Elas têm que andar constitucionalmente nas duas Casas, e pouco importará se começará em uma ou se findará em outra”, afirmou na ocasião. À noite, após reunião com Guedes, Lira disse que enviou um ofício para Aguinaldo Ribeiro dando o prazo máximo de até 3 de maio para que o relatório se torne público. O deputado reforçou que pretende avaliar, no texto, o que é consensual com o governo. “Nós vamos marchar passo a passo, discutindo essa reforma pelo que nos une, pelo que é consensual, de maneira organizada, com os líderes da Casa, com o governo, com o relator, com o Senado, envolvendo todos os atores para que ao longo dos próximos meses nós possamos oferecer ao Brasil uma sequência de fatos, uma sequência de ações que vão dar tranquilidade, segurança jurídica, simplificação e tranquilidade fiscal para o Brasil.” Em relação à entrevista concedida de manhã, Lira desta vez incluiu o Senado no processo e disse que a Casa vizinha também participará das conversas sobre a reforma. Pela manhã, o presidente da Câmara também disse acreditar que a reforma administrativa será aprovada primeiro nas duas Casas, “tão somente a CPI [da Covid] não consiga atrapalhar os trâmites” no Senado. “Eu tenho comigo que a reforma administrativa sairá primeiro”, disse. “Precisamos de um estado mais ágil, mais leve, mais barato, com perspectiva de contenção de despesas da máquina pública para o futuro. Isso trará segurança jurídica, isso trará investimento, isso dará um rumo para a economia brasileira e para todas as situações que se mostrem necessárias”. A avaliação no Congresso é de que a CPI no Senado para apurar o enfrentamento da pandemia de Covid-19 pode atrapalhar a tramitação da reforma administrativa. Nesta segunda, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara começa a realizar uma série de audiências públicas para avançar na discussão. A expectativa é que o texto seja enviado a uma comissão especial até 14 de maio. FOLHA DE S. PAULO

Reforma administrativa não pode constitucionalizar imoralidades do serviço público (Ana Carla Abrão)

Defendo uma reforma administrativa ampla e justa há cinco anos. Defendo-a com veemência e convicção por entender que não se conseguirá melhorar a qualidade dos serviços básicos de educação, saúde e segurança sem uma completa revisão da atual estrutura de carreiras no setor público brasileiro. Assim como, sem ela, não se conseguirá aumentar a produtividade do setor público nem tampouco avançar na solução do conflito distributivo que vivemos hoje, cujo resultado tem sido sempre o de dar mais a quem mais tem do já combalido Orçamento público brasileiro. Não acredito no real enfrentamento ao nosso maior problema, a cruel desigualdade social, sem um Estado eficiente e voltado ao cidadão. Afinal, não haverá mobilidade social onde esse Estado perpetua as diferenças ao não gerar oportunidades. Assim continuará a ser enquanto não houver uma reforma profunda no seu modelo de funcionamento. A reforma administrativa que eu defendo é uma que reavive os mecanismos de gestão de pessoas no serviço público e redefina a distribuição dos recursos com vistas a melhorar os resultados da ação do Estado, a saber, a qualidade na provisão dos serviços públicos básicos. Como vocal defensora da reforma administrativa eu deveria estar, portanto, otimista ao ler as declarações do presidente Arthur Lira, dizendo que finalmente a reforma avançará na Câmara de Deputados. Pois não estou. Ao contrário, a tomar por base as últimas decisões do Congresso, temo que o que está por vir seja muito pior do que, como sabemos, já é péssimo. Conforme apresentado em uma proposta de Projeto de Lei Complementar (PLC) que formulamos Arminio Fraga, Carlos Ari Sundfeld e eu, a reforma administrativa deveria partir de uma ampla revisão das atuais leis de carreiras da administração pública. Baseado nos conceitos fundamentais de eficiência, meritocracia e justiça, o PLC proposto visa a identificar – e eliminar – os dispositivos que vão contra esses conceitos nas diversas leis que regem as milhares de carreiras do serviço público. Isso passa, necessariamente, pela implantação de um modelo de avaliação periódica de desempenho, inclusive com adoção de curva forçada (avaliação relativa). Da mesma forma, é necessário garantir avanços infralegais, como a regulamentação da demissão de servidores por baixo desempenho, assim como a tipificação de falta grave, permitindo o afastamento tempestivo de servidores corruptos ou que cometam outros delitos graves. Paralelamente, a racionalização no número de carreiras, consolidando-as em grandes blocos de carreiras meio, finalísticas e de Estado, nos levaria a uma estrutura mais organizada e menos fragmentada, abrindo caminho para que, no futuro, se fizesse uma revisão da atual amplitude da estabilidade funcional. Ou seja, partiríamos do que está à mão, organizando a enorme confusão em que se transformou o Regime Jurídico Único para aí então rediscuti-lo. Mas essa profunda e cuidadosa discussão – acompanhada de uma coordenação federal que permitisse que o mesmo fosse feito a nível subnacional – teria a função de reorganizar as estruturas da máquina pública e também de apresentar à sociedade o vínculo entre as atuais distorções do Estado e as mazelas cotidianas do nosso País. Da mesma forma, se daria aos servidores a oportunidade de participar dos avanços, antevendo os impactos positivos para a ampla maioria das necessárias mudanças. Também ao Judiciário – grande sócio nas atuais ineficiências – se permitiria entender (e quiçá encampar) a importância das alterações propostas. Mas isso não se faz de forma açodada e muito menos começando do final (a estabilidade) e garantindo mais um pedaço do céu para alguns eleitos (ou eleitores?), conforme já sinalizou o relator em matéria de Camila Turtelli e Adriana Fernandes publicada pelo Estadão. Não fosse esse um governo desavergonhosamente corporativista poderíamos acreditar que seria possível corrigir erros e omissões. Não estivesse nosso Congresso dominado pelo Centrão e pela primazia dos seus interesses individuais – hoje de braços dados com um governo cada vez mais fraco e mais populista – poderíamos transformar com discussão, transparência e zelo, esse projeto na semente de uma reforma administrativa correta e justa. Mas, no atual contexto, não me animo. A se repetir o que assistimos recentemente com o Orçamento e com o teto de gastos, uma reforma administrativa estrutural será enterrada e em seu lugar entrará a constitucionalização de imoralidades e práticas que hoje são apenas maus hábitos. Embaralha-se assim o jogo, cria-se uma barreira política (e legal) à sua aplicação aos atuais servidores, eliminam-se os espaços para se avançar no que já está à mão e tira-se da pauta aquela que é a mais importante e complexa reforma estrutural brasileira. *ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA O ESTADO DE S. PAULO

Bolsonaro ignora Covid em plano orçamentário de 2022

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entregou ao Congresso as diretrizes, metas e prioridades para o Orçamento de 2022 sem apresentar um plano ligado à Covid-19 e efeitos no próximo ano ou cálculos sobre o impacto da pandemia nas contas públicas. Esse é a terceira vez seguida desde a chegada da Covid ao país que o governo formula uma peça orçamentária sem previsões de efeitos sobre os números. Esse tipo de omissão foi notado recentemente por técnicos do Congresso e questionado pelo TCU (Tribunal de Contas da União). A proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que guia a formulação do Orçamento do ano seguinte, foi apresentada dessa forma pelo governo enquanto especialistas alertam para o risco de a doença e seus efeitos continuarem no ano que vem. Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), afirma que a crise sanitária vai continuar em 2022. “Não há dúvida de que a epidemia não terá se extinguido em 2022”, afirmou à Folha. “A se manter esse ritmo de vacinação tão lento e um patamar de transmissão ainda muito alto, sobretudo contaminando camadas da população mais jovem e falta de medidas restritivas, não tenho ilusão de que teremos a epidemia controlada em 2022”, disse. O alerta é feito também pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Michael Ryan, diretor-executivo da entidade, afirmou em março que é “prematuro e irrealista” falar em fim da pandemia em 2021. O governo citou a Covid na proposta de LDO apenas para relembrar efeitos e medidas dos anos anteriores e para mencionar certos riscos, como a possível deterioração fiscal dos estados e a diminuição do colchão da dívida pública —embora sem quantificar os possíveis impactos. “O PLDO [projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias] 2022 não aborda, de forma separada, os riscos que podem afetar receitas, despesas e dívida pública em função dos efeitos da Covid-19”, afirmaram servidores das comissões de Orçamento de Câmara e Senado, em relatório conjunto. “Apesar da expectativa do Poder Executivo de um crescimento do PIB em 3,2% neste ano e sua projeção de 2,5% para 2022, a pandemia continua se alastrando em 2021, aumentando as incertezas sobre o cenário das finanças públicas em 2022”, afirmou o documento. As omissões do governo em relação à Covid no rito orçamentário viraram alvo de análise também de Benjamin Zymler, ministro do TCU. Zymler apresentou relatório neste mês apontando a ausência de recursos para a Covid no Orçamento de 2021 —recém-sancionado por Bolsonaro— mesmo após constatado o agravamento da pandemia neste ano. Isso demandou discussões para criar brechas e liberar despesas fora das regras fiscais. Zymler vê a situação como resultado da falta de planejamento do governo para enfrentar a crise. “Possivelmente, como bem salientou a unidade técnica, a razão [para a falta de previsões orçamentárias] é que o Ministério da Saúde vem atuando de forma reativa e não planejada”, afirmou Zymler em relatório. “A SecexSaúde [unidade do TCU] está acompanhando as ações do Ministério da Saúde desde o mês de março de 2020 e nunca conseguiu acesso a planos ou documentos afins que identifiquem e formalizem claramente a estratégia de enfrentamento à crise e sua operacionalização pelo Ministério da Saúde”, continou o ministro. Zymler demandou do governo um planejamento orçamentário para a Covid em 2021 considerando testes, leitos de UTI, medicamentos e outras despesas relacionadas. O julgamento foi suspenso após um pedido de vistas no tribunal. Sem serem contempladas no Orçamento, medidas na área econômica foram interrompidas na virada do ano. O principal exemplo é o auxílio emergencial, que ficou sem respaldo legal e deixou de ser pago até o começo de abril. O ministro Paulo Guedes (Economia) chegou a discutir no ano passado a revisão de outros gastos sociais para criar no Orçamento um programa social que substituiria o auxílio emergencial e seria mais robusto que o Bolsa Família —o Renda Brasil. Mas Bolsonaro barrou a iniciativa. O país ficou sem novo programa e sem o auxílio enquanto a Covid avançava pelo país. As mortes diárias pela doença subiram de 793 por dia na primeira semana do ano para 2.752 por dia na primeira semana de abril. Os pagamentos à população só recomeçaram após governo e Congresso incluírem na PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial a suspensão das regras fiscais para R$ 44 bilhões do programa. A proposta de LDO do governo também não incluiu a pandemia no grupo de despesas que poderão ser executadas mesmo com um eventual atraso no Orçamento em 2022, elevando os riscos de entrave de recursos para a crise sanitária no início do ano. O tratamento especial, por outro lado, foi dado a obras em rodovias —que, pela proposta, poderão ser executadas livremente em 2022 mesmo sem os números aprovados e sancionados. Procurado, o Ministério da Economia argumenta que, nesse trecho, a proposta preservou a blindagem para o mínimo constitucional da saúde, como em anos anteriores. Mas tais recursos não têm sido suficientes para enfrentar a Covid. A pasta afirmou em nota que, em caso de necessidade, o governo pode adotar os mecanismos previstos na PEC Emergencial —texto que prevê o estado de calamidade pública, que Guedes não quis acionar neste ano por considerá-la um cheque em branco para despesas. Especialistas ponderam que a lei não obriga a apresentação de medidas na LDO, mas que ignorar a Covid tem reforçado o caráter ficcional dado às peças orçamentárias nos últimos anos e mostrado falta de planejamento de longo prazo por parte do governo. “A questão é planejar onde queremos chegar. A gente não vê nada disso, o que dificulta inclusive a construção de cenários para a economia brasileira por parte do setor privado. Não tem nenhum tipo de planejamento”, afirmou Bráulio Borges, pesquisador-associado da FGV (Fundação Getulio Vargas) e economista-sênior da LCA. Segundo Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, do Senado), o governo ainda pode prever ações para a Covid no Orçamento de 2022. O prazo para isso (agosto), no entanto, é curto e propostas que respaldam as mudanças tomam tempo para discussão. “O que se

Economistas do mercado já veem inflação neste ano acima de 5% e próxima ao teto da meta

Os economistas do mercado financeiro subiram de 4,92% para 5,01% a estimativa da inflação em 2021. Há um mês, estava em 4,81%. A projeção para o índice em 2022 permaneceu em 3,60%. Quatro semanas atrás, estava em 3,51%. As estimativas estão no relatório Focus, divulgado nesta segunda-feira, 26, pelo Banco Central. A projeção dos economistas para a inflação está acima do centro da meta de 2021, de 3,75%, sendo que a margem de tolerância é de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%). Ou seja, já se aproxima do teto da meta. A meta de inflação é fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para alcançá-la, o Banco Central eleva ou reduz a taxa básica de juros da economia. Em 2020, pressionado pelos preços dos alimentos, o IPCA ficou em 4,52%, acima do centro da meta para o ano, de 4%, mas dentro do intervalo de tolerância. Foi a maior inflação anual desde 2016. Para 2022, o mercado financeiro manteve em 3,60% a estimativa de inflação. No ano que vem, a meta central de inflação é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2% a 5%. Juros maioresOs economistas também subiram de de 5,25% para 5,50% ao ano a previsão para a Selic no fim de 2021. Em março, na primeira elevação em quase seis anos, a taxa básica da economia foi aumentada pelo BC para 2,75% ao ano. Para o fim de 2022, os economistas do mercado financeiro elevaram a expectativa para a taxa Selic de 6% para 6,13% ao ano. PIBNo caso do Produto Interno Bruto de 2021, os economistas do mercado financeiro elevaram a estimativa para o crescimento de 3,04% para 3,09%. Para 2022, o mercado manteve em 2,34% a estimativa de expansão do PIB. A expectativa para o nível de atividade foi feita em meio à pandemia da covid-19, que tem afetado o nível de atividade da economia mundial. O ESTADO DE S. PAULO

Calote do Brasil com organismos internacionais já chega a R$ 10 bilhões

O governo brasileiro já acumula uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos internacionais, mas o Orçamento só previu o pagamento de R$ 2,2 bilhões em 2021. Esse valor não cobre nem os compromissos de R$ 4,2 bilhões previstos para este ano. Mesmo assim, a verba deverá sofrer novos cortes, depois que o Ministério da Economia teve de passar a tesoura nas despesas para atender à demanda do Congresso Nacional por mais emendas parlamentares. Além de prejudicar a imagem do Brasil no exterior, o não pagamento dos compromissos pode comprometer o voto do Brasil nessas organizações. Nos últimos anos, por exemplo, o Brasil vem aprovando créditos “no apagar das luzes” para conseguir pagar a sua cota na Organização das Nações Unidas (ONU) justamente para não perder o direito ao voto – o que cria embaraço para a candidatura do País para membro rotativo do Conselho de Segurança em 2022 e 2023. Já a dívida com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) é de cerca de R$ 500 milhões em plena pandemia, segundo apurou o Estadão. O Tribunal de Contas da Unidos (TCU) já alertou o governo para a diferença entre as obrigações de pagamentos e as dotações orçamentárias. Segundo dados obtidos pelo Estadão/Broadcast, o passivo até o final de 2020 estava em R$ 6 bilhões. Esses valores incluem também dívida com pagamento de cotas desses organismos internacionais. A dívida foi calculada com taxa de câmbio de R$ 5,48. Em 2020, o governo deu calote nos organismos internacionais e não pagou as cotas para a integralização da parte do Brasil no capital do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do grupo do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Novos cortesO Ministério da Economia informou oficialmente que é “bastante provável” que novos cortes atinjam a dotação para pagamentos de organismos internacionais. Mas ponderou que a pasta ainda não tem informações sobre a magnitude de tais cortes. “Em caso de não haver crédito suplementar ao longo do ano, não será possível quitar os compromissos com organismos internacionais, uma vez que tais pagamentos estão condicionados à existência de previsão orçamentária e financeira.” Segundo a equipe econômica, o Orçamento 2021 contemplou R$ 658 milhões para o Banco do Brics, valor que, mesmo que não sofra cortes, permite saldar parcialmente o compromisso de 2020. O governo admite que só será possível efetuar qualquer pagamento até o limite previsto na lei orçamentária. No ano passado, o governo não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Banco do Brics. Na virada de 2020 para 2021, também deixou de honrar pagamentos com seis organismos multilaterais. A fatura alcançou R$ 2,5 bilhões (US$ 462,29 milhões). Na lista do calote, além do Banco do Brics, estão o Banco de Desenvolvimento do Caribe; a Corporação Andina de Fomento (CAF); o BID Invest (braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento); o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata; e a Associação Internacional de Desenvolvimento. O valor não foi pago porque os parlamentares alteraram o projeto, no final do ano, para aumentar recursos para obras. O ESTADO DE S. PAULO

Nestlé quer reduzir vale-alimentação de trabalhador, mas sindicato resiste

A Nestlé quer reduzir de R$ 680 para R$ 350 o vale-alimentação dos funcionários da fábrica de chocolates Garoto, em Vila Velha, a partir de maio, e dar uma compensação em dinheiro. Mas o SindiAlimentação, sindicato que representa os trabalhadores, diz que a medida não é adequada no atual momento de crise porque compromete a renda do trabalhador fixada para comprar comida. Além disso, segundo o sindicato, apesar da indenização no curto prazo, o corte no vale representa perda salarial no futuro. A proposta da Nestlé, feita na última reunião com o sindicato na segunda-feira (19), é dar uma indenização de R$ 9 mil a cada trabalhador, em troca do corte no vale, e pagar a participação nos lucros de 2020. Segundo a empresa, o valor da indenização corresponde ao que deixaria de ser pago para alimentação até 2023, data do novo acordo coletivo. Do total, R$ 6 mil seriam em dinheiro, pagos após o fim da negociação, e R$ 3 mil em vale, em três parcelas. A entidade entrou com ação na Justiça solicitando que o vale alimentação seja reconhecido como parte do salário dos funcionários e, portanto, não possa ser cortado. Se o resultado não for favorável, o sindicato avalia a paralisação. A Nestlé afirma que iniciou em 2019 um processo de negociação de novos acordos coletivos com alteração no vale, cujo valor, segundo a empresa, está acima da média para o setor de alimentação no Brasil. A situação das unidades de São Paulo, Bahia e Minas Gerais já foi encerrada. Falta apenas a do Espírito Santo. A multinacional diz que aguarda a consulta das condições propostas em assembleia dos trabalhadores. FOLHA DE S. PAULO

O novo normal do trabalho (Cecilia Machado)

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À medida que o ritmo de vacinação avança e a atividade econômica começa a dar fortes sinais de recuperação, um novo paradigma das relações de trabalho começa a aparecer: é cada vez menos provável que o retorno ao trabalho volte a ser integralmente presencial nas economias desenvolvidas, como já se percebe nos EUA e no Reino Unido. A experiência que muitas pessoas tiveram trabalhando de casa, de forma remota, tem enorme potencial para moldar as relações de trabalho mesmo após a pandemia. Pesquisa realizada por Taneja, Mizen e Bloom (2021) com 5.000 trabalhadores do Reino Unido mostra alta aderência à modalidade remota: 52% dos entrevistados estavam trabalhando de casa entre janeiro e fevereiro de 2021. Nos Estados Unidos, 37% dos trabalhadores substituíram o trabalho presencial pelo teletrabalho durante a pandemia, de acordo com dados do US Census Bureau (Household Pulse Survey). A pesquisa de Taneja e coautores também revelou enorme dispersão de opiniões sobre a forma do retorno —com fração considerável de trabalhadores preferindo tanto o retorno 100% presencial quanto o trabalho 100% remoto—, mas, na média, as respostas indicam preferência pelo retorno presencial apenas em 3 dos 5 dias da semana. Algo como o plano 3-2 que grandes empresas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg estão adotando: segunda, terça e quinta no escritório e quarta e sexta em casa. Na balança, a decisão sobre o novo normal do trabalho —presencial e/ou remoto— pondera o trade-off clássico entre as vantagens do trabalho presencial e os também benefícios do trabalho remoto. Se, de um lado, o trabalho face a face é catalisador de interações sociais que estimulam a criatividade e surgimento de novas ideias, de outro, o trabalho de casa sob condições propícias —por exemplo, boa conectividade— pode ser ainda mais produtivo, além de economizar tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho. Alguns estudos estimam que o ganho de produtividade de trabalhar em casa pode alcançar 13% (Bloom et al. 2015), ainda que outros estudos realizados durante a pandemia tenham encontrado redução da produtividade nos EUA (Bartik et al., 2020) e no Japão (Morikawa, 2020), ou até ganhos positivos, porém mais modestos: 2% para o Reino Unido (Taneja, Mizen e Bloom, 2021) e 5% para os EUA (Barrero, Bloom e Davis, 2021). No Brasil, a oportunidade de o teletrabalho moldar as relações trabalhistas no pós-pandemia esbarrou em diversas dificuldades que envolveram desde o fechamento prolongado das escolas —o que impediu que trabalhadores com filhos pudessem aproveitar as vantagens do trabalho remoto— até gargalos de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e equipamentos. Dados da mais recente Pnad Covid mostram que o teletrabalho não se aplicou de forma tão ampla quanto nas economias desenvolvidas: apenas 9,1% das pessoas ocupadas e não afastadas trabalharam de forma remota em novembro de 2020 (7,3 milhões). E, comparado ao mês de maio, primeiro mês da coleta dessa informação, o número de pessoas em teletrabalho caiu tanto em termos absolutos (8,7 milhões) quanto em termos relativos (13,3%). Entre aqueles que adotaram o home office, os benefícios se concentraram em estrato de trabalhadores com perfil já bastante privilegiado: são, em grande parte, trabalhadores com carteira assinada, escolaridade de nível superior e raça/cor branca. Essa nova reconfiguração do mercado de trabalho tem implicações importantes para nossas desigualdades. Primeiro, cabe reconhecer que todas as vantagens do teletrabalho se aplicaram justamente aos trabalhadores de maiores salários. Esses trabalhadores terão tanto maiores ganhos de produtividade quanto também um melhor balanço entre suas vidas pessoais e profissionais. Para eles, o teletrabalho é percebido como uma vantagem, equivalente a um aumento de salário. Mas muitos dos trabalhadores que não se beneficiaram do home office também são aqueles que perderam e não conseguiram recuperar seus empregos durante a pandemia. Ainda que os dados da mais recente Pnad-C indiquem recuperação do mercado de trabalho, ela se deu menos que proporcionalmente entre os informais e entre os menos escolarizados, e ainda há grande incerteza se muitos dos postos de trabalho no setor de serviço irão retornar após a crise. Nesse sentido, políticas de emprego, de treinamento e qualificação da mão de obra precisam passar a ser seriamente consideradas se não quisermos aceitar um mercado de trabalho cada vez mais desigual. A recuperação econômica no pós-pandemia não pode deixar tanta gente para trás. FOLHA DE S. PAULO

Pobreza cresce mesmo com novo auxílio emergencial

Além de ter demorado para começar a ser distribuído, o auxílio emergencial deste ano está pagando valores bem abaixo dos praticados em 2020 e beneficiando um grupo mais reduzido da população. Em consequência, não está conseguindo evitar o crescimento da pobreza e vários outros desastres como a fome e atrasos na educação. Diversos indicadores vêm evidenciando esses problemas, alertando as autoridades, sem comover o governo federal. O auxílio emergencial de 2020 começou a ser distribuído em abril no valor de R$ 600, por pressão do Congresso, que obrigou o governo a triplicar a quantia inicialmente pretendida. O dinheiro foi para a conta de 67 milhões de brasileiros mensalmente até dezembro, caindo para R$ 300 nos últimos três meses do ano. Apesar de estar mais do que claro que a pandemia seguia intensa e sem tréguas no início do ano, o governo gastou três meses articulando um novo programa e somente começou a pagá-lo neste mês, por um prazo inicial de quatro meses, no valor médio de R$ 250, para 45,6 milhões de pessoas. Se o programa anterior custou R$ 294 bilhões, neste ano a previsão do governo é gastar R$ 44 bilhões. Mas tudo indica que a ajuda será necessária por mais tempo. O saque foi restrito a uma pessoa por família e limitado a indivíduos que já receberam o auxílio em 2020. Quem perder a renda esse ano não poderá contar com a ajuda. O atraso das novas concessões do auxílio, o corte no valor e a redução do número de beneficiados, além do efeito perverso da segunda onda da pandemia na economia são visíveis no aumento da miséria nas cidades, grandes e pequenas – e nas estatísticas. A mais recente é do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) que estima que mais de 61 milhões de brasileiros estarão na pobreza neste ano. O número, equivalente a 28,9% da população, representa um salto de 42%, ou de 18,1 milhões de pessoas, em comparação com os 43 milhões de pobres detectados em julho de 2020. Naquele momento, o auxílio emergencial mais polpudo conseguiu até reduzir por algum tempo a pobreza que afligia 51,9 milhões de pessoas antes da pandemia. A pobreza vinha crescendo desde 2015, desencadeada pela recessão que durou três anos e ganhou velocidade com pandemia. Desse total de 61 milhões de pessoas, 19,3 milhões estarão na pobreza extrema neste ano, ou 9,1% da população. A extrema pobreza será quase quatro vezes maior do que a registrada em julho do ano passado, quando atingia 5 milhões de pessoas, e superior até aos 13,9 milhões de 2019. Os cálculos foram feitos a partir da Pesquisa Nacional Anual de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019 e da Pnad Covid realizada ao longo de 2020. Com base nos mesmos dados, outros pesquisadores chegam a números ligeiramente diferentes, mas com a mesma conclusão. O FGV Social calculou que, em agosto, a população pobre era de 4,5% do total, menos da metade dos 10,97% registrados antes da pandemia. No primeiro trimestre deste ano, no entanto, sem o auxílio, o percentual de pobres saltou para 12,8%, nível pior do que antes da pandemia. A conta considera como linha de pobreza uma renda abaixo de R$ 246 mensais per capita. Com a volta do auxílio, mas de menor valor, a perspectiva é que o percentual recue apenas ligeiramente, para 10%. O FGV Social e a consultoria Tendências também constatam o aumento das classes E e D, e o encolhimento da classe média. Há reflexos ainda no endividamento. Levantamento da Serasa Experien calculou que o número de brasileiros inadimplentes fechou o ano passado em 61,4 milhões, bem abaixo do pico de 65,9 milhões de abril, no início da pandemia. Em janeiro e fevereiro deste ano, esse número já tinha crescido para 61,6 milhões. O aumento da fome é outra faceta do mesmo problema. Quase metade da população brasileira enfrenta a insegurança alimentar, relata o The New York Times (24/4). Uma das saídas passa pelo aumento do valor e do prazo de distribuição do auxílio emergencial que, em 2020, foi vital para que a economia encolhesse menos do que se esperava, garantiu empregos e arrecadação. Os jovens e as crianças precisam de um apoio especial para conseguir acompanhar as aulas à distância e minimizar prejuízos na formação e competitividade no mercado de trabalho. VALOR ECONÔMICO

Pandemia, trabalho e desigualdade (Editorial)

A redução do contingente de ocupados em 1,37 milhão de pessoas no ano passado já seria mais do que suficiente para dar a dimensão da tragédia social resultante do impacto da pandemia sobre o mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo. Sob a tragédia do desemprego – mais visível não só na capital paulista e demais municípios da Grande São Paulo, mas em todo o País –, no entanto, outra ocorreu e continua a ser observada no mundo do trabalho. É o drama dos 8,2 milhões de pessoas da Região Metropolitana que, mesmo conseguindo manter ou recuperar uma ocupação após a chegada da covid-19 ao País, viram suas condições de trabalho mudar rápida e profundamente – na maioria das vezes, para pior. Além do aumento da taxa de desocupação, a pandemia teve outros impactos sobre o mundo do trabalho. E foram “intensos”, conforme estudo que acaba de ser concluído pela Fundação Seade, o órgão público responsável pela produção de dados estatísticos sociais e econômicos do Estado de São Paulo. O estudo mostra que praticamente um quinto dos que se mantiveram ocupados na Região Metropolitana, ou 18% do total, foi afetado “simultaneamente pelos mecanismos adversos de ajuste frente à pandemia”. Entre as mudanças nas condições de trabalho resultantes do ajuste da atividade econômica às condições impostas pela crise sanitária estão redução de jornada, interrupção do trabalho por mais de 15 dias e redução do rendimento. Para alguns segmentos, as consequências da pandemia sobre o mercado foram mais intensas, e em geral piores, do que para outros. Desigualdades preexistentes à pandemia podem ter se intensificado, mas de forma nem sempre facilmente visível. O caso da adoção do teletrabalho serve de exemplo para mostrar o impacto desigual das mudanças no mundo do trabalho provocadas pela covid-19. Foi bastante ampla a adoção do trabalho a distância no ano passado, medida positiva para muitas empresas e trabalhadores. O trabalho no ambiente domiciliar foi adotado por 2,2 milhões de pessoas, que representam 26% do total de ocupados. No fim do ano passado, 19,5% continuavam em regime de teletrabalho. São índices que mostram a extensão da nova forma de trabalhar. Mas a pesquisa mostra que o trabalho em casa foi uma alternativa disponível de forma desigual. Embora mais de um quarto dos ocupados tivesse acesso a essa forma de trabalho, ela praticamente inexistiu para os trabalhadores com ensino fundamental incompleto. Já entre os ocupados com ensino superior, 1,4 milhão deles, ou 63% do total, puderam trabalhar em casa. Outra diferença notável ocorre entre trabalhadores do setor privado e funcionários públicos. Entre os assalariados com carteira assinada no setor privado, 34% estiveram em trabalho domiciliar; no setor público, mais da metade dos funcionários puderam trabalhar em casa. A interrupção do trabalho por 15 dias ou mais, outra consequência da pandemia, afetou 44% dos que conseguiram permanecer no emprego entre 2019 e 2020. Isso equivale a 2,9 milhões de pessoas. A interrupção do trabalho afetou mais os ocupados que, na avaliação da Fundação Seade, “tinham inserção mais precária”. Trabalhadores nessa situação são os da construção civil, mais afetados do que os dos demais setores; os trabalhadores por conta própria, em especial os informais; os trabalhadores domésticos; e os ocupados de baixa escolaridade, para os quais a interrupção foi muito maior do que a observada entre os trabalhadores com ensino superior completo. Essas e outras mudanças podem deixar efeitos mais perenes. Um deles é a redução média da jornada de trabalho. No fim do ano passado, 29% dos ocupados tinham jornada menor do que a de antes da pandemia. A consequência foi a redução da renda: 37% dos ocupados passaram a ganhar menos. Os que mais perderam foram, novamente, os com menor escolaridade. O ESTADO DE S. PAULO