Orçamento deverá passar por novos atritos e uma execução turbulenta, diz economista

Mesmo após o acordo entre a equipe econômica e o Congresso, a execução do Orçamento deverá ser bastante turbulenta ao longo do ano, diz o pesquisador do Insper Marcos Mendes, um dos “pais” do teto de gastos – a regra constitucional que limita o crescimento das despesas à inflação. Para ele, o Congresso ganhou não só espaço, mas comando político do Orçamento. O economista afirma que um dos riscos é o governo perder a mão no corte das despesas discricionárias (custeio e investimentos) para garantir as emendas dos parlamentares e, assim, acabar afetando o funcionamento regular da máquina administrativa e a prestação de serviços públicos. Mendes destaca que a decisão política no acordo foi de não vetar integralmente o excesso de emendas parlamentares, o que acabou priorizando gastos paroquiais que estão “longe” de serem importantes neste momento de crise sanitária e fiscal. Especialista em contas públicas, que acompanhou nas últimas duas décadas as principais negociações políticas na área econômica no Congresso, Mendes chama a atenção para a derrubada pela Câmara, na segunda-feira, de um veto do ex-presidente Lula de 11 anos atrás, que deve gerar uma despesa de R$ 2,7 bilhões em 2021 ao permitir uma reestruturação de carreiras na Receita Federal. Foram 380 votos pela derrubada e 37 pela manutenção. O dispositivo transforma os cargos oriundos da Secretaria da Receita Previdenciária, de nível médio, em cargos de analista tributário da Receita Federal do Brasil. “Se o governo não é capaz de segurar o veto de tantos anos atrás, de uma medida que não tem o menor sentido, ou está muito descoordenado ou muito fraco”, diz. A derrubada do veto ocorreu no mesmo dia do anúncio do acordo do Orçamento e aprovação de projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 para aumentar recursos para a renovação dos programas de combate à covid-19 fora da contabilidade das principais regras fiscais. ‘Bombas’ fiscaisMendes elencou mais duas “bombas” para as contas públicas: as Medidas Provisórias 1016 e 1017, que estão na pauta de votação e permitem a renegociação de dívidas com fundos constitucionais (FNO, FNE e FCO) e com os fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e do Nordeste (Finor). O impacto da aprovação é superior a R$ 43 bilhões, afirma. Pelos cálculos de Mendes, o Orçamento foi aprovado com um buraco de cerca de R$ 40 bilhões. A ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, antecipou já corte de R$ 10,5 bilhões das emendas para o acordo. “Ainda faltam R$ 30 bilhões. Se não resolverem por meio de outros vetos e deixar o Orçamento andar, vão ter de fazer um contingenciamento e contar com o empoçamento de recursos”, prevê o economista. O empoçamento acontece quando os ministérios não conseguem gastar toda verba que foi liberada para eles. Mendes avalia que o governo deve usar a “sobra” de recursos do Bolsa Família neste ano para o ajuste do Orçamento. Essa economia será obtida com a transferência temporária de beneficiários do programa Bolsa Família para o auxílio emergencial. O ESTADO DE S. PAULO

Bolsonaro sanciona projeto que muda LDO

Um dia antes do final do prazo para sancionar o Orçamento, o presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que permite a abertura de crédito extraordinário para bancar programas de socorro a empresas privadas e que retira da meta fiscal gastos emergenciais com saúde. Aprovado por deputados e senadores na segunda-feira, o texto ajudou a destravar o impasse em relação ao Orçamento, já que ajudará a abrir espaço para acomodar emendas parlamentares que foram acatadas pelo relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC). O aumento de emendas gerou embates entre a cúpula do Poder Legislativo e a equipe econômica nas últimas semanas. Com a nova lei, Bolsonaro poderá sancionar o Orçamento deste ano com R$ 16,5 bilhões em emendas do relator. Em publicação no Diário Oficial da União informou que vetou trecho da lei que previa que “a emissão de nota de empenho, a realização das transferências de recursos e a assinatura dos instrumentos, bem como a doação de bens, materiais e insumos, não dependerão da situação de adimplência do município de até 50 mil habitantes, identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais”. Na justificativa do veto, o presidente explicou que ao dispensar a adimplência, a lei contrariaria o interesse público por subtrair, imotivadamente, relevante medida de finança pública voltada para a responsabilidade na gestão fiscal, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Municípios com menos de 50 mil habitantes representam cerca de 88% dos municípios brasileiros, fato que, combinado com as exceções já existentes, tornaria os instrumentos de controle e de boa gestão fiscal ineficazes”. O veto foi encaminhado ao Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que deve incluir a decisão para análise de deputados e senadores em sessão do Congresso futuramente. Originalmente, o projeto tinha por objetivo apenas abrir espaço para que o governo possa gastar com medidas de socorros a empresas, como a retomada dos programas de crédito a micro e pequenas empresas (Pronampe) e de redução de salário e jornada (BEm). Relator do PLN, o deputado Efraim Filho (DEM-PB) prevê, em seu parecer, a autorização para que o governo federal bloqueie, por meio de decretos e sem necessidade de validação pelo Congresso, gastos discricionários, como investimentos, com o objetivo de recompor as despesas obrigatórias da União, como aposentadorias. O trecho é importante já que o Orçamento aprovado pelo Congresso está com despesas obrigatórias subestimadas, o que estava sustentando a pressão da equipe econômica pela recomposição das rubricas. Havia o temor de que, se isso não ocorresse, Bolsonaro poderia ser acusado de crime de responsabilidade, deixando-o vulnerável de um processo de impeachment. O relator também acatou emenda apresentada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) que também retira da meta do resultado primários créditos orçamentários destinados aos gastos com ações e serviços públicos de saúde, desde que estejam relacionadas ao enfrentamento à pandemia. VALOR ECONÔMICO