Congresso manipula Orçamento para evitar medidas de contenção de gastos
O Congresso manipulou o orçamento federal para evitar o acionamento dos gatilhos (medidas de contenção de gastos) aprovados na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial e turbinar investimentos, com aval do governo do presidente Jair Bolsonaro. Os parlamentares diminuíram a proporção de despesas obrigatórias em relação ao total, condição para o acionamento do ajuste previsto no teto de gastos, incluindo o congelamento no salário dos funcionários públicos. A decisão antecipou um movimento para repetir a manobra nos próximos anos e tornar a PEC emergencial uma peça de ficção. Pela Emenda Constitucional 109, promulgada no último dia 15, os gatilhos – que na prática são a punição para o rompimento do teto – só serão acionados se a despesa obrigatória superar 95% do total na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), não importando o que aconteça ao longo do ano. Na prática, esse limite pode estourar durante a execução efetiva dos gastos sem que haja a contenção. A manobra feita esta semana é uma receita pronta para o mesmo ser feito no futuro, pois neste ano os salários públicos já estão congelados. As despesas obrigatórias do Executivo estavam em 92,4% no projeto do Orçamento de 2021 enviado pelo governo, já abaixo do limite. Com o corte nas despesas previdenciárias e no seguro-desemprego feito para acomodar recursos para obras e projetos de interesse eleitoral, a proporção ficou ainda menor: 90,6%, conforme cálculos da consultoria da Câmara. A estratégia pode levar o Congresso e fazer a mesma manipulação quando o patamar real de despesas obrigatórias superar 95%, o que deve ocorrer em 2024 ou 2025, de acordo com projeções da equipe econômica e do Congresso. O senador Marcio Bittar (MDB-AC) foi relator tanto da PEC emergencial quanto do Orçamento. Ele tirou R$ 13,5 bilhões dos benefícios previdenciários quando a equipe econômica e consultores do Congresso apontavam a necessidade de aumentar essas mesmas despesas em R$ 8,3 bilhões. Por outro lado, aumentou os gastos com investimentos (que não são despesas obrigatórias). Bittar argumentou que nos anos anteriores a despesa empenhada com Previdência foi menor do que a prevista e se apegou à economia da reforma feita em 2019. Ignorou, porém, os reajustes da inflação e do salário mínimo que mexem diretamente nesses gastos, além do possível e praticamente inevitável impacto da crise de covid-19 no seguro-desemprego. O relator admitiu a articulação para aumentar investimentos por meio de cortes em despesas obrigatórias. O recado foi dado ainda em fevereiro, quando ele apresentou o parecer da PEC emergencial. “As despesas obrigatórias têm expulsado do orçamento federal as despesas com investimentos e com o custeio da máquina pública”, escreveu Bittar ao justificar a regra dos 95% na ocisão, em meio a críticas de técnicos do próprio Congresso. Na quinta-feira, 25, durante a votação do Orçamento na Comissão Mista de Orçamento (CMO), ele voltou a expor a estratégia afirmando que os cortes abriram espaço para investimentos. Bittar reforçou que o Ministério da Economia, chefiado pelo ministro Paulo Guedes, não enviou formalmente nenhuma proposta de modificação no Orçamento, nem para apontar os cortes necessários nem para elevar as despesas obrigatórias, apesar de ter alertado sobre a necessidade de alteração publicamente. “Nós, no dever, como brasileiros, de ajudar o governo, para ajudar o Brasil, é que participamos ativamente na solução de onde tirar o recurso que estamos hoje aprovando, para que esses ministérios tenham o seu orçamento recomposto, e obras tão fundamentais para o Brasil não sejam paralisadas”, disse o relator. Além de fazer um orçamento que pode ficar fora da realidade fiscal neste ano, o problema apontado pelo consultor Ricardo Volpe, da Câmara dos Deputados, é que o Congresso pode repetir o corte de despesas obrigatórias nos anos seguintes para nunca acionar os gatilhos e liberar o aumento de gastos com funcionários e obras de investimento. “A aprovação do Orçamento para 2021 demonstra tal fragilidade em não considerar a execução financeira. A emenda da PEC emergencial pode se tornar inócua para a União tanto por esse aspecto como por ter postergado o seu acionamento próximo ao prazo de revisão previsto no Novo Regime Fiscal”, afirmou Volpe. A regra do teto de gastos terá que ser revista em 2026. A PEC emergencial alterou significativamente a dinâmica do teto. Os gatilhos, que na prática são a punição para o descumprimento do teto, não valem mais para rompimento da regra ao longo do ano, como era antes. Dessa forma o governo poderá furar o teto sem ter que frear os gastos. O perigo nessa estratégia é cometer crime de responsabilidade e dar base jurídica para um processo de impeachment de Bolsonaro no futuro. Mudança de carimboO único órgão federal que estourava o índice de 95% das despesas obrigatórias neste ano era a Defensoria Pública da União (DPU), mas os defensores escaparam do ajuste. O Congresso cedeu a um pedido da instituição e alterou a classificação de uma série de despesas, tirando R$ 59,5 milhões do carimbo das obrigatórias e colocando esse valor como gastos discricionários. Até o pagamento de estagiários foi tirado de um lugar para outro. No final das contas, o patamar das despesas obrigatórias do órgão caiu de 99,4% para 88,7%, afastando os gatilhos. Em 2021, os reajustes salariais já estão congelados, mas a manobra libera o aumento de despesas para os próximos anos. De acordo com a DPU, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) protege os gastos com assistência jurídica ao cidadão carente de contingenciamento (bloqueios para cumprir as regras fiscais), fazendo com que esses recursos sejam classificados como despesa obrigatória e elevando o patamar. Esse argumentou sustentou o pedido aos parlamentares. A LDO, porém, traz uma série de outros gastos não obrigatórios livres de contingenciamento. Em resposta à reportagem, a DPU afirmou que o gasto com pessoal é “de apenas 51%” na Defensoria e encaminhou nota técnica argumentando que parte das despesas classificadas como obrigatórias precisariam ser redefinidas, como correio e cerimonial. No caso dos estagiários e terceirizados egressos do sistema prisional, o texto justifica que os gastos “podem, no atual contexto de pandemia e de
Centrão e mercado dão ultimato a Bolsonaro
Uma série de nove encontros da cúpula do Congresso com grandes empresários, representantes de bancos e do mercado financeiro resultou num movimento político pela intervenção nos rumos do governo de Jair Bolsonaro. Os mais de 300 mil mortos na pandemia de covid-19 e a situação cada vez mais insustentável da economia levaram os presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a afinar o discurso com o mercado. Os dois têm colocado o impeachment como possibilidade se as conversas com o governo fracassarem. As cobranças mais urgentes do setor econômico são a demissão dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A avaliação recorrente nas reuniões é de que Araújo atrapalha as negociações por vacinas e insumos da Índia e da China. Já Salles, que comanda a criticada política ambiental brasileira, é visto como obstáculo na relação com Washington, especialmente agora que o País mira as vacinas excedentes dos Estados Unidos. Interlocutores de Lira e Pacheco argumentam que, no caso específico, é errada a leitura de que a pressão pela troca dos dois ministros – verbalizada por eles – tenha como objetivo lotear o governo, uma demanda constante do Centrão. O intuito é atender à principal reivindicação do setor econômico e, de quebra, garantir um “ganho de imagem” perante seus novos interlocutores. Na noite da última segunda-feira, Washington Cinel, empresário do ramo de segurança privada, recebeu os presidentes da Câmara e do Senado em sua casa na Rua Costa Rica, no Jardim Europa, em São Paulo. Participaram do encontro presencial e remoto Luiz Carlos Trabuco Cappi (Bradesco), Carlos Sanchez (SEM) e André Esteves (BTG Pactual). As conversas à mesa de jantar foram precedidas por discursos breves de Lira e Pacheco, do anfitrião Cinel e dos também empresários Abílio Diniz e Flávio Rocha, que falaram por videoconferência. Uma das manifestações mais duras foi a de Pacheco. Mas, segundo presentes, não houve “tom panfletário” em público. Os empresários relataram que a crise sanitária bloqueia investimentos externos e atinge diretamente os planos de abertura de capital de empresas, o IPO. “Quem quer fazer IPO não consegue ter grandes resultados, porque ninguém tem segurança de botar dinheiro no Brasil, principalmente pela condição sanitária”, disse o deputado Dr. Luizinho (Progressistas-RJ), presente ao encontro. Jantares como este ocorrem com regularidade. Os encontros são promovidos uma vez por mês por nomes como Cinel e João Camargo, filho do ex-deputado José Camargo. Segundo um parlamentar que já esteve no convescote, eles se reúnem para tomar vinho e convidam um político para “cantar”. Lira era o convidado principal desta vez. Pacheco já estava em São Paulo e acabou sendo incluído. Antes, Lira e Pacheco haviam passado na casa de Claudio Lottenberg, homem forte do Hospital Israelita Albert Einstein. Lá havia um grupo menor de empresários do setor de saúde. A conversa foi sobre a escassez de sedativos e analgésicos, medicamentos usados para intubação de pacientes com quadro grave de covid-19, em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). A falta atinge o SUS e hospitais da rede privada. Os dirigentes do Congresso também têm frequentado a Febraban, a Fiesp e participado de agendas fechadas em São Paulo com nomes de peso. No último dia 2, Pacheco esteve com Milton Maluhy Filho (Itaú), Octavio de Lazari Jr. (Bradesco) e Roberto Sallouti (BTG). Um dia antes, os dois políticos falaram na Fiesp para Abílio Diniz e Rubens Menin. Em 25 de fevereiro Lira já havia estado com Sergio Rial (Santander), entre outros. Demitir ministros pode ser traumático para Bolsonaro. A substituição de Salles, por exemplo, implica uma ruptura com a faixa média dos ruralistas, justamente o setor que desde o início apoiou a campanha do presidente, em 2018. Os líderes do Centrão têm deixado claro, porém, que a sobrevivência do governo depende das mudanças. VacinaUm outro encontro de Pacheco por videoconferência foi organizado no último dia 11 pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Luiz Antônio França, presidente da entidade que reúne grandes construtoras, afirmou que o objetivo da conversa foi buscar o melhor para a economia. “O que a gente percebe é um alinhamento entre as duas Casas (do Congresso)”, disse França. “E o que é o melhor para a economia? Primeiro, resolver a pandemia. Depois, um país com capacidade de investimento e crescimento”, completou. “A prioridade é vacinar.” Uma queixa, em especial, marcou as reuniões com as presenças de Lira e Pacheco. Os empresários destacaram que as medidas para conter o avanço da pandemia dependem do Executivo, razão pela qual, desta vez, não há como tratar Bolsonaro como “café com leite”. Trata-se de uma situação diferente do processo de votação da reforma da Previdência, por exemplo. Na época, o presidente era contra a proposta, mas o Legislativo deu de ombros e aprovou a medida. Em sintonia com empresários e mercado, líderes do Centrão dizem que, diante do fracasso no controle da pandemia, o presidente não terá mais a tolerância do Congresso. “Bolsonaro está no fio da navalha. Se a coisa fugir do controle, se ele quiser fazer tudo do jeito dele, fora da ciência, não tenha dúvida de que nós vamos atropelar”, disse o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP). Pinato advertiu que “ninguém” quer afrontar o presidente, mas ele precisa assumir a liderança dentro de uma “racionalidade mundial”, e não na “destemperança” da ala ideológica. “O impeachment está descartado, desde que ele mantenha esse diálogo construtivo. Se tiver ameaça de choque institucional ou sair da racionalidade no combate à pandemia, ninguém vai pular no buraco com ele, não”, resumiu o parlamentar. O ESTADO DE S. PAULO
Bolsonaro ainda não emplacou uma ‘marca’ positiva
Após mais da metade do mandato, não há um programa de impacto nacional que tenha sido criado pelo presidente Jair Bolsonaro, seja na área econômica ou social. Ao contrário dos seus antecessores que deixaram legados como Bolsa Família (Lula), Minha Casa, Minha Vida (Dilma), Bolsa Escola e combate à inflação (FHC) e Plano Real (Itamar), Bolsonaro não tem nenhuma marca que carregue o carimbo de sua gestão. E tudo indica que nada mudará até o fim de seu governo. O Estadão ouviu diversos cientistas políticos para analisarem o cenário de paralisia do governo. De saída, todos rejeitam a tese de que as limitações impostas pela pandemia do coronavírus justificam o engessamento generalizado. Pelo contrário. A tragédia sanitária, avaliam os especialistas, poderia ter sido uma “chance” de o governo carimbar a sua gestão. No lugar disso, porém, o que se viu foi a completa falta de planejamento. Até mesmo o auxílio emergencial, que Bolsonaro hoje chama para si, só saiu do papel como saiu após forte pressão do Congresso para ampliar seu valor, dos R$ 200 propostos pelo governo para os R$ 500 e finalmente os R$ 600, que foram pagos em sua primeira etapa. “Esse cenário que vivemos é resultado do caráter acidental deste governo. A ausência dessa agenda presidencial e de planejamento já era muito visível desde o início. Não é por acaso que víamos Bolsonaro recorrer à figura de um Posto Ipiranga para se referir ao ministro Paulo Guedes, tomando emprestada essa imagem de boa reputação. Fez isso com Sergio Moro na Justiça também, ao apresentar seus superministérios. Essa exploração de imagem e reputação cumpria, naquele momento, a função de ocupar o vácuo da sua agenda eleitoral, que nunca existiu”, diz a cientista política Magna Inácio, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsonaro tentou tomar para si o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, criando uma releitura da iniciativa petista com o lançamento do Casa Verde Amarela. A realidade é que a proposta ainda não funciona efetivamente e enfrenta resistências do setor de construção. O aumento no custo dos materiais também tem levado empresas a suspenderem o lançamento de novos projetos. Como há um teto para o preço dos imóveis, as construtoras não conseguem repassar esse aumento e acabam desistindo do projeto. Isso prejudicou a classe mais pobre, que busca os imóveis mais baratos. Na esfera trabalhista, Bolsonaro decidiu incentivar as contratações de jovens, por meio do programa Carteira Verde Amarela. A proposta chegou a ser enviada ao Congresso, mas caducou, porque o governo não trabalhou para a aprovação nem fez os ajustes em um plano que previa até mesmo a taxação do seguro-desemprego. Dentro da agenda liberal encampada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, privatizações de grandes estatais como o Grupo Eletrobrás e Correios enfrentam forte resistência no Congresso Nacional e têm dificuldades em avançar. Até mesmo em temas onde o governo consegue avançar – como ocorre na área de infraestrutura com as concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias – não dá para estampar a cara de Bolsonaro. Todas as concessões são, basicamente, projetos que já estavam em andamento por governos anteriores, inclusive tocados pelas mesmas mãos de Tarcísio de Freitas, hoje ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. “Na verdade, tudo o que Bolsonaro tem a oferecer é passar ‘boiadas’, isso é, desmontar o Estado e suas políticas. Essa é a sua essência”, afirma Fernando Limongi, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Esse não foi um governo eleito para oferecer novos programas ou ações. Ele foi eleito com a bandeira da inversão de sinais. É o liberalismo selvagem, cada um que cuide de sua saúde e renda, só pelo trabalho. É isso o que Bolsonaro não para de falar, quer proteger o trabalho, os pobres não precisam ser protegidos. O que precisam é ter o incentivo para ir atrás do ganha-pão. Se recebem de graça, como disse Guedes, não vão querer se esforçar.” Sem expectativaO fato de Bolsonaro ter se desvinculado de seus superministros e ter dado uma guinada no jogo político com o Centrão não significa que passou a ter um plano efetivo de governo, já que a mudança é, antes de qualquer coisa, busca de sobrevivência. “Em que pese todos os fatores, você pensa em Fernando Henrique e não tem como dissociá-lo do Plano Real. Lula traz a marca dos programas de inclusão social. Dilma foi marcada por programas educacionais como Prouni (Programa Universidade Para Todos) e Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Qual é a marca do presidente Bolsonaro? Nenhuma”, diz Adriano Oliveira, doutor e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Falta essa marca, mas não há perspectiva de que ele vá criá-la. Essa marca será cobrada, porque a identidade dele está atrelada apenas ao viés ideológico.” Ex-diretor da Apex diz que não espera nada novoA passagem de Márcio Coimbra pelo governo Bolsonaro durou cinco meses. Ele foi diretor da Agência de Promoção à Exportação (Apex) entre janeiro e maio de 2019, quando decidiu entregar a sua carta de exoneração. Hoje coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais na Universidade Mackenzie, Coimbra diz que sua decisão se deve, justamente, à falta de propostas do governo, além da disputa de cargos envolvendo nomeações de militares. “Saí do governo quando notei que Bolsonaro realmente não iria construir nada, que não havia um plano. Me afastei e decidi voltar ao Legislativo depois de perceber que este é um governo de destruição, não de construção. Eu não tenho nada contra você destruir algo, desde que proponha algo melhor para colocar no lugar. Não é este o caso”, diz Márcio Coimbra. Um dos exemplos do desmonte que, caso não tivesse ocorrido, faria diferença na realidade do esgotado sistema nacional de saúde, é o Programa Mais Médicos, que previa o intercâmbio de médicos de Cuba em Território Nacional. “Acabaram com o programa por uma questão ideológica. Não puseram nada no lugar. Imagine
Presidente do IBGE pede exoneração um dia após corte no orçamento do Censo
Um dia após um corte orçamentário praticamente inviabilizar a realização do Censo Demográfico neste ano, a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra, pediu exoneração do cargo, alegando “motivos pessoais e de família”. O Censo, maior pesquisa do IBGE, que, por lei, deve ser realizado a cada dez anos, deveria ter sido feito em 2020. Por causa da pandemia, foi adiado para este ano. O corte no orçamento do Censo foi definido na quinta-feira, 25, quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 foi aprovada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. O valor inicialmente previsto para a realização da pesquisa, operação que envolve 200 mil pesquisadores em campo para visitar presencialmente cada um dos 71 milhões de domicílios do País, era de R$ 2 bilhões. Na LOA aprovada na quinta-feira, orçamento insuficiente para garantir a realização do Censo Demográfico. A redução no orçamento foi ainda maior do que a inicialmente esperada. No início desta semana, as discussões na CMO sinalizavam para um corte para R$ 240,7 milhões. Mesmo esse valor “inviabilizaria a operação” do Censo em 2021, informou o IBGE em nota na ocasião. Nesta sexta-feira, 26, após a confirmação do corte ainda maior, o órgão de estatística divulgou outro comunicado, informando que, diante da aprovação da LOA de 2021, solicitaria “orientações ao Ministério da Economia sobre os procedimentos no tocante à operação censitária”. Procurado, o ministério não comentou o pedido de exoneração de Susana nem informou se já possui um nome para substituí-la. A presidente do IBGE recusou o pedido de entrevista. Ainda no início da semana, Susana publicou um artigo no jornal O Globo, alertando que o corte orçamentário seria “extremamente preocupante para o País”. “Além de ser um instrumento fundamental para o pacto federativo e a calibragem da democracia representativa, a contagem da população permite a determinação dos públicos-alvo de todas as políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal”, escreveu Susana no artigo, assinado junto do diretor de Pesquisas do IBGE, Eduardo Rios-Neto. Os dados colhidos pelo Censo, como a quantidade de moradores de cada município, dão origem às estimativas populacionais que integram o cálculo de rateio do Fundo de Participação dos Estados e Municípios. O orçamento do Censo estava em disputa desde 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. A equipe técnica do IBGE estimava gastar R$ 3 bilhões para realizar o Censo de 2020. Pouco depois de assumir o cargo, Susana anunciou que faria a pesquisa com R$ 2,3 bilhões. Na cerimônia de posse de Susana, no Rio, em fevereiro de 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou, em discurso, que o Censo é importante, mas cobrou do IBGE medidas para economizar com a operação da pesquisa. “Tem um enigma ainda não resolvido por vários economistas que passaram aqui, que são três sedes, em seis prédios. Falta dinheiro para o Censo, mas o presidente fica de frente para o Pão de Açúcar”, afirmou Guedes na ocasião, numa referência a uma das sedes do IBGE, localizada na orla do centro do Rio. “Quem sabe a gente vende uns prédios e, vendendo os prédios, a gente vai e coloca dinheiro para complementar e fazer o Censo”, completou o ministro. Presidente mais jovem do IBGEMais jovem presidente do IBGE – tinha 37 anos, em 2019 –, Susana assumiu a presidência com a missão de fazer um Censo mais enxuto. Ela é formada em Harvard e fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Já trabalhou como economista do Banco Mundial. Susana chegou ao comando do IBGE por intermédio da filha de Guedes, de quem é amiga há anos. Sua indicação foi reforçada ainda por Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde Susana atuou como pesquisadora. Já na gestão de Susana, em meio às restrições orçamentárias, o IBGE decidiu que o questionário básico do Censo seria reduzido de 37 perguntas, previstas na versão piloto, para 26. O questionário mais completo, que seria aplicado numa amostra que equivale a 10% dos domicílios, encolheu de 112 para 77 perguntas. Com o adiamento de 2020 para 2021, o governo já havia enxugado ainda mais o orçamento do Censo. Por isso, o valor de R$ 2 bilhões no projeto da LOA, enviado ao Congresso em agosto do ano passado, já era considerado o mínimo possível. Enquanto os valores ainda eram discutidos na CMO, ao longo da semana, um grupo de ex-presidentes do IBGE divulgou um manifesto em defesa da realização do Censo em 2021. “A expectativa é que, em agosto, o Brasil já tenha saído ou esteja saindo da epidemia da covid, e o IBGE vem se preparando para realizar o trabalho fazendo uso de protocolos estritos de proteção sanitária de entrevistadores e entrevistados”, dizia a carta, assinada por Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti. Por outro lado, com a piora da pandemia no início deste ano, servidores do IBGE em dez Estados já vinham pedindo um novo adiamento do Censo, para 2022. O movimento começou em fevereiro, no Rio Grande do Sul, quando coordenadores de área do Estado ameaçaram uma entrega coletiva de cargos, em reuniões por videoconferência e em cartas à direção. Na segunda-feira, 22, o ex-presidente do IBGE Roberto Olinto também defendeu o adiamento para o ano que vem. Feita em meio à pandemia, a pesquisa poderia coletar informações distorcidas, ponderou Olinto, hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), que comandou o IBGE no governo Michel Temer e seguiu na diretoria do órgão por alguns meses, mesmo após a posse de Susana. “Fundamental é fazer o Censo, mas um Censo bem feito”, disse Olinto ao Estadão/Broadcast. “A pandemia está pior, a vacinação não será efetiva até agosto, houve uma mudança econômica e social fortíssima causada pela pandemia. O que aconteceu no último ano é absolutamente atípico, o que seria medido agora é uma transição, não é a realidade da população”, completou o pesquisador. O ESTADO DE S. PAULO
Beneficiários do Bolsa Família começam a receber o auxílio emergencial no dia 16 de abril
O governo confirmou nesta sexta-feira, 26, que os beneficiários do Bolsa Família começam a receber a nova rodada do auxílio emergencial em 16 de abril, seguindo o calendário próprio do programa. A previsão consta em portaria publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Os demais públicos, que são os integrantes do Cadastro Único de programas sociais que não recebem o Bolsa e os cadastrados pelo site ou aplicativo da Caixa, terão calendário específico. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a intenção é que o calendário desses grupos preveja o início dos pagamentos para antes de 16 de abril. Há a previsão de que, a partir de 1º de abril, os trabalhadores poderão consultar se estão elegíveis ou não à nova rodada no portal de consultas do auxilio emergencial desenvolvido pela Dataprev. O governo publicou também o decreto que regulamenta o pagamento da nova rodada do auxílio emergencial a vulneráveis. Além de reiterar os critérios de concessão do benefício, o ato reforça a proibição à realização de novos pedidos do benefício por quem estava empregado até julho de 2020, quando o cadastro foi encerrado, mas foi demitido recentemente. Apenas os elegíveis em dezembro de 2020 receberão a ajuda. “Os trabalhadores não elegíveis para o recebimento no mês de dezembro de 2020 não poderão solicitar, por qualquer meio, o auxílio emergencial 2021”, diz o decreto, também publicado em edição extra do DOU. Na nova rodada, apenas uma pessoa por família poderá receber o auxílio, que tem valores de R$ 150 para famílias de uma só pessoa, R$ 250 para famílias com mais de um integrante e R$ 375 para mães que são as únicas provedoras do lar, pagos em quatro parcelas mensais. O auxílio beneficia trabalhadores informais, microempreendedores individuais e desempregados (que não estejam recebendo o seguro-desemprego) com renda familiar de até três salários mínimos, ou de até meio salário mínimo por pessoa. Os beneficiários do Bolsa Família só receberão o auxílio caso ele seja mais vantajoso do que o valor pago no programa regular. Até o ano passado, duas famílias poderiam receber o benefício ao mesmo tempo. Agora, como apenas uma pessoa na família será contemplada, o decreto estabelece regras de priorização, caso mais de seja elegível por ter recebido a ajuda até dezembro de 2020. Segundo o decreto, terá prioridade a mulher provedora de família monoparental. Na ausência desse tipo de beneficiário, receberá o auxílio o integrante mais velho da família (conforme a data de nascimento). Se houver empate, o benefício será dado preferencialmente à mulher. Se ainda assim restar indefinição, o desempate será feito pela ordem alfabética do nome. Prazos para saquesO decreto ainda padronizou os prazos que os beneficiários terão para sacar os valores, que serão depositados em contas bancárias ou a conta de poupança digital criada pela Caixa para acelerar os pagamentos do auxílio. Antes, os beneficiários do Bolsa Família tinham até nove meses para movimentar o dinheiro, enquanto os demais públicos, 90 dias. Agora, o prazo será de quatro meses, ou os recursos voltarão para o governo. Na regulamentação da portaria, o governo também lista todas as bases de dados que serão consultadas para aferir se o beneficiário tem direito ou não ao auxílio. A nova regra prevê uma revisão mensal das condições das famílias, com previsão de interrupção dos pagamentos caso o beneficiário consiga um emprego formal, por exemplo. Serão consultadas 34 bases, entre elas o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), base de microempreendedores individuais (MEI), base de pessoas politicamente expostas, base de militares do Ministério da Defesa, base de servidores do governo federal e de Tribunais Estaduais, entre outras. O ESTADO DE S. PAULO
‘Médias empresas podem ter ano recorde de fusões e aquisições’
Com a liquidez do mercado levando mais empresas à Bolsa de Valores e com as companhias listadas de determinados setores registrando forte valorização, a despeito da pandemia, o mercado de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) envolvendo médias empresas, o chamado “middle market”, está bastante aquecido. Com muitas conversas e negociações na mesa, a projeção ainda é que os volumes de transações nesse segmento possam chegar a um nível recorde neste ano, segundo o sócio da assessoria de fusões e aquisições RGS Partners, Guilherme Stuart. Como têm sido os negócios de fusões e aquisições no segmento de médias empresas nesse período de pandemia?No ano passado, em março, abril e maio, as negociações pararam totalmente. A partir daí o mercado teve uma chacoalhada e não se sabia mais se comprador tinha virado vendedor ou se quem era vendedor virou comprador. O número de conversas nunca esteve tão alto desde então. Estamos trabalhando em muitos casos. E a movimentação hoje das empresas, um ano após o início da pandemia?A liquidez para empresas de médio porte está muitíssimo superior ao que era há dois anos. O volume de interessados é nitidamente maior. Os próprios IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) agitaram o mercado e ajudaram a criar uma liquidez maior no “middle market”. Quais setores estão mais movimentados?No ano passado, 50% das operações que fizemos foram de “techs”, mas acredito que esse deixou de ser um setor apenas, já que passou a permear todos. Mas, tirando essa área “tech”, tivemos muitas operações em serviços financeiros e saúde. Como está o interesse do investidor estrangeiro em relação a esse tipo de ativo?Muitas pessoas dizem que, por conta da desvalorização do real, o Brasil ficou barato para o investidor estrangeiro. Mas, no caso das empresas médias, a desvalorização da moeda acaba deixando-as de fora do cheque mínimo para aporte para haver interesse desses investidores. E o câmbio desvalorizado não é necessariamente bom. O investidor não faz a compra para apostar no câmbio, mas sim no crescimento das empresas. Os ruídos políticos atrapalham? O ruído político tem atrapalhado muito. O caso da Petrobrás fez o mercado se dar conta de que ter um governo mais liberal na economia é algo que está muito distante. O ESTADO DE S. PAULO
Honda e GM também vão suspender a produção por causa do agravamento da pandemia
Mais duas fabricantes de veículos, a Honda e General Motors, anunciaram, nesta sexta-feira, 26, que vão suspender a produção em suas duas fábricas por causa do agravamento da pandemia da covid-19 em diversas regiões do País. Agora são dez grandes montadoras que decidiram pela suspensão da produção principalmente ao longo da próxima semana e da seguinte. A Honda vai suspender as atividades de produção nas fábricas de automóveis e peças de Sumaré e de Itirapina, ambas em São Paulo. A empresa reforça que as medidas “visam preservar a saúde e segurança das pessoas” e que “segue empenhada em minimizar os impactos da pandemia em sua cadeia de valor, bem como, os inconvenientes ao consumidor”. Na GM será paralisada a fábrica de São Caetano do Sul, no ABC paulista, entre segunda-feira e 5 de abril, conforme acerto feito com o sindicato dos metalúrgicos local. A empresa informa que está seguindo o direcionamento da Prefeitura de antecipar feriados futuros para reduzir a circulação de pessoas para tentar conter a aceleração da pandemia. Na quinta-feira, 25, confirmaram paradas totais a Renault, a Toyota e a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO), juntando-se, assim, à Volkswagen, Mercedes-Benz, Nissan e Scania. A Volvo reduziu sua produção de caminhões em 70% e deu férias para parte dos funcionários. Além de atenderem pedidos dos sindicatos de trabalhadores, as empresas também estão alinhadas com autoridades municipais e estaduais que juntaram feriados do ano com o da Páscoa para contribuir com o isolamento social em um momento em que o número de casos de contaminação com o coronavírus cresce e os hospitais estão lotados. A Toyota fechará suas quatro plantas industriais em São Bernardo do Campo, Indaiatuba, Sorocaba e Porto Feliz, todas em São Paulo, por dez dias. O grupo emprega 5,6 mil trabalhadores. Em períodos similares também serão interrompidas as linhas de carros da Renault em São José dos Pinhais (PR) e as de caminhões e ônibus da VWCO em Resende (RJ). Falta de componentesTodas as empresas afirmam que estão seguindo protocolos rigorosos de segurança adotados desde o retorno às fábricas no ano passado, após permanecerem fechadas por dois meses. A VWCO informa que, além da pandemia, enfrenta “situação crítica de desabastecimento de peças”. Esse foi o motivo que levou a General Motors a dar férias coletivas de 20 dias para os trabalhadores de Gravataí (RS) neste mês e, depois, mais dois meses de suspensão de contratos (lay-off) para parte deles. A fábrica de São José dos Campos (SP) opera com metade de sua capacidade pelo mesmo motivo e 600 funcionários estão em lay-off. A Mercedes-Benz suspendeu toda a produção em São Bernardo (SP) e em Juiz de Fora (MG) de hoje até dia 5, mas, no retorno, vai dar férias coletivas de 12 dias a grupos de 1,2 mil trabalhadores do ABC, em esquema de revezamento que poderá se estender até o fim de maio. Já tinham anunciado paradas por períodos similares a Nissan, com fábrica em Resende, e a Scania, de São Bernardo. A Volvo informou que vai operar com apenas 30% de sua capacidade produtiva e colocar parte dos funcionários em férias coletivas. A Volkswagen foi a primeira a anunciar, há uma semana, a paralisação de toda a produção em suas quatro fábricas em São Bernardo, São Carlos e Taubaté, em São Paulo, e de São José dos Pinhais, no Paraná. Os trabalhadores do grupo estão em casa desde a última quarta-feira. Em 2020, em razão da pandemia, as vendas de veículos caíram 26% e a produção, 31,6%. A previsão para o ano era de recuperação de 15% nas vendas (para 2,4 milhões de unidades) e de 25% na produção (2,5 milhões). A nova onda da pandemia, mais forte que a anterior, e a falta de componentes, reflexo das paradas no ano passado, devem atrapalhar os planos. O ESTADO DE S. PAULO
As mudanças nas negociações trabalhistas (Editorial)
A pandemia acentuou algumas tendências nas negociações trabalhistas observadas desde a reforma de 2017, criou outras e estimulou o entendimento entre empregados e empregadores a respeito de questões que nem sempre estiveram entre suas preocupações. Do ponto de vista econômico e social, além de impor dificuldades para todos – empresários, empregados e os que perderam ou não conseguiram ocupação remunerada –, a pandemia está deixando uma marca que levará tempo para ser superada: a perda de renda real de parte da população. Estas são algumas conclusões a que conduz a pesquisa Salariômetro, iniciativa da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP) para fornecer informações e análises sobre o mercado de trabalho brasileiro. Para isso, a Fipe coleta dados disponíveis no Ministério da Economia sobre negociações coletivas (acordos e convenções). Em fevereiro, três quartos, ou exatamente 74,7%, das negociações coletivas (acordos coletivos, entre empresa ou grupo de empresas e seus empregados, e convenções, entre categorias econômicas e profissionais) resultaram em reajustes salariais inferiores à inflação. Apenas 17,1% dessas negociações previram aumento real dos salários (o restante teve reajuste igual à inflação). Nos últimos 12 meses, período que inclui a chegada da covid-19 e sua expansão pelo País, 39% das negociações asseguraram reajustes superiores à inflação, o que sugere maior dificuldade nos últimos meses para os trabalhadores alcançarem ganhos reais. O que a pesquisa também mostra é que, a despeito das dificuldades que a crise provocada pela pandemia impõe para os dois lados, há mais disposição para a busca de entendimentos. Nos dois primeiros meses do ano, houve 1.492 negociações, mais do que o número observado no mesmo período em 2018 (1.070), 2019 (1.161) e 2020 (1.116) e próximo do registrado em 2017 (1.632), ano em que passaram a vigorar as novas regras para o mercado de trabalho. Negociações com prazo de vigência superior a um ano cresceram nos anos seguintes ao da reforma, mas haviam caído bruscamente em 2020, por causa das incertezas diante da extensão e duração da crise. Em 2021 voltaram a subir. Temas ligados ao trabalho remoto passaram a ser mais discutidos nas negociações. O ESTADO DE S. PAULO
Advogados estimam prejuízos com suspensão de prazos na Justiça do Trabalho em SP
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região anunciou na semana passada a suspensão dos prazos processuais em toda a sua jurisdição, por causa do agravamento da pandemia e do aumento das restrições de circulação para conter o contágio em São Paulo, mas os advogados que atuam no ramo calculam prejuízos em série, até fora do estado. A OAB-SP reagiu pedindo para manter os prazos dos processos que tramitam eletronicamente. Segundo a OAB, como já faz um ano desde que a pandemia começou, e os atos processuais podem ser tocados remotamente, os advogados e servidores já estão adaptados e equipados para o andamento virtual. “A suspensão dos prazos interfere no cumprimento de atos como apresentação de contestações, réplicas, impugnações, expedição e levantamento de alvarás e outros”, diz a OAB. A medida atinge desde o reclamante, que pode ter dificuldade para receber seus créditos trabalhistas, até o próprio recolhimento de tributos e verbas de natureza previdenciária, segundo Rafael Cavalcante, sócio do escritório Ferraresi Cavalcante. “As próprias empresas podem ter atraso na resolução dos processos trabalhistas, com aumento do seu deficit trabalhista por juros e correção. Atrapalha o recebimento de honorários por advogados e o impacto econômico pode chegar aos escritórios em Brasília”, diz Cavalcante. Segundo o tribunal, “a suspensão leva em conta o momento crítico de saúde pública e as dificuldades de muitos advogados e operadores em atuarem nesse contexto, existindo inclusive barreiras físicas restringindo locomoções em parte dos municípios”. Foram mantidas as audiências e sessões virtuais, cabendo ao magistrado decidir. FOLHA DE S. PAULO
Más condições rendem 38 mil denúncias no MPT
As mudanças trazidas pela pandemia atingiram em cheio os ambientes de trabalho no país. O Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu quase 38 mil (37.950) denúncias por condições inadequadas de proteção aos trabalhadores contra o risco de covid-19, desde janeiro do ano passado. A partir daí, foram abertos 11.786 inquéritos – quando há indícios de irregularidades – e estabelecidos 474 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), com definição de obrigações como reajustes dos horários de entrada e saída dos funcionários e estabelecimento de protocolos de segurança como oferta de álcool. A administração pública é a área que lidera em recebimento de denúncias (5.109), mas há muitos casos também em atividades de atendimento hospitalar (2.911), teleatendimento (1.345), comércio, com predomínio de supermercados (1.104) e restaurantes (919). “A covid teve um impacto muito grande no número de denúncias. Há muitas dúvidas por parte dos trabalhadores e também muitos casos confirmados por nós de problemas no ambiente de trabalho”, alerta Marcia Kamei López Aliaga, titular da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) do MPT. Entre as questões estão falta de equipamentos de segurança adequados, ambientes com pouco distanciamento social e ventilações inadequadas e ausência de critérios apropriados para afastamento de trabalhadores. “É preciso um conjunto de ações para mitigar o risco de contágio”, aponta ela. Sócia do escritório Palópoli & Albrecht Advogados, Mayra Palópoli destaca que a adaptação das empresas à pandemia deve considerar protocolos mínimos de segurança, mas também questões específicas de cada atividade econômica e que um dos efeitos colaterais é o maior percentual de empregados afastados por licença médica. “Há um trabalho maior na administração dos atestados, mas qualquer caso suspeito deve ser monitorado e rastreado”, diz. Na avaliação de Domingos Fortunato, sócio de prática Trabalhista no Mattos Filho Advogados, houve aperfeiçoamento de protocolos de segurança ao longo do tempo. “As empresas estão com protocolos cada vez mais estruturados e suas áreas médicas estão mais preparadas para lidar com eventuais contaminações”, afirma. VALOR ECONÔMICO