Burocracia favorece a corrupção e provoca o afastamento de investidor (Samir Nemer)
O Brasil caiu 15 posições no Doing Business 2020, ranking do Banco Mundial que analisa o ambiente regulatório e a facilidade para fazer negócios. Entre 190 economias, o País caiu da 109.º para a 124.º colocação, aproximando-se da posição que ocupou durante 2017 e 2018, após uma escalada em 2019. Graças à brutal burocracia do setor público brasileiro, nosso país consegue a façanha de ficar atrás de nações inexpressivas economicamente e, mesmo se comparado com economias similares, não temos melhor sorte: México (60.º), Índia (63.º) e África do Sul (84.º) estão à nossa frente. No pilar pagamento de tributos – aqui somos quase imbatíveis! – o Brasil manteve-se entre os 10 piores países do mundo, ocupando o 184.º lugar. A nossa classificação permanece a mesma nos indicadores “número de pagamentos por ano”, “carga sobre o lucro” e “índice de pós-declaração”, com exceção do número de horas gastas para o pagamento de tributos, que caiu por volta de 25%, de 1.958 (2018) para 1.500 horas (2019), permanecendo, de toda forma, ainda muito elevado. O relatório não traz explicações para essa redução. Uma análise por base de tributação (consumo, renda e folha) revela que todas sofreram uma redução similar, por volta de 25%. Provavelmente parte desta melhoria seja resultado da adaptação de algumas empresas ao e-Social, que teve um processo de implementação extremamente conturbado no passado; e outra, à evolução da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e automatização de processos. No indicador Abertura de Empresa, que mensura o número de procedimentos, o custo e o tempo necessários para que uma empresa possa iniciar a sua operação formalmente no País, estamos na nada honrosa 138.ª posição. O tempo para a abertura de uma empresa é crítico quando se trata da geração de emprego e renda em um país de 13 milhões de desempregados, segundo dados do IBGE. E qual a razão de alguém ter de pagar 40% de multa do FGTS quando demite um funcionário? Qual a infração cometida que merece esta pesada multa? Tenho visto muita gente discursar sobre distribuição de riqueza, mas muito pouco se fala sobre produzir essa mesma riqueza que será distribuída. Os empreendedores são castigados ao máximo e os números assustadores marcam o Brasil: 90% das empresas fecham nos 5 primeiros anos de sua existência. Imaginem que os brasileiros tenham em média 10 documentos de identificação. Para fechar uma empresa, o empreendedor necessita de quatro anos. Ao mesmo tempo, as empresas são obrigadas a torrar R$ 137 milhões diários. Tudo para se adequar e acompanhar as mudanças de legislação. Em certa medida podemos comparar os efeitos da burocracia aos dos impostos. Esses custos, em parte, são repassados ao preço final – o que enfraquece o consumo. Novamente, temos um custo para a sociedade, sob a forma de redução da quantidade transacionada no mercado. Mas, diferentemente do imposto tradicional, a burocracia não financia as atividades do governo. Com ela, não são arrecadados os recursos que poderiam ser usados na prestação de serviços públicos. Além disso, os escândalos políticos na história recente do País só confirmam que um ambiente burocrático é extremamente propício à corrupção, pois a partir dos entraves burocráticos se vendem “facilidades” de toda a ordem. Outro ponto bem conhecido é que a partir da globalização, os investidores passaram a escolher onde operar com base na facilidade de fazer negócios e na segurança jurídica, evitando os países onde sabem que terão mais problemas. E a consequência é o afastamento (ou adiamento) dos investimentos. Com menos burocracia e mais previsibilidade jurídica, o Brasil criaria um ambiente regulatório mais propício aos negócios e à geração de novas oportunidades, pois, do contrário, seremos levados ao mesmo desfecho do filme O Planeta dos Macacos (1968), quando Charlton Heston vê a Estátua da Liberdade semienterrada na areia e indignado grita: “Eles conseguiram, destruíram tudo! ”. *ADVOGADO, FOI SECRETÁRIO DE GOVERNO E DIRETOR JURÍDICO DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESPÍRITO SANTO. O ESTADO DE S. PAULO
Marco das startups entra na pauta do Senado
O Senado pautou para votação esta semana cinco propostas com relevância econômica que têm alta chance de aprovação nos próximos 180 dias, segundo projeção do Estudos Legislativos e Análise Política do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap/Ello) para o Valor Política. O marco legal das startups, relatado pelo deputado Vinícius Poit (Novo-SP) na Câmara e aprovado no fim do ano, entrou na pauta do Senado esta semana com alta probabilidade de já ser votado e encaminhado à sanção. O texto cria regras diferenciadas para esse tipo de empresa, que terá faturamento de até R$ 16 milhões por ano, regulamenta as stock options (opções de compra de ações) e a figura do “investidor-anjo”. Já a proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial tem baixa probabilidade de aprovação nos próximos seis meses, segundo projeção do Cebrap/Ello. Os senadores pautaram ainda, com alta chance de aprovação, projeto que prorroga a dedução do imposto de renda para doações e patrocínios feitos ao Pronon e ao Pronas. Também devem votar proposta que cria regras para transferência de recursos do governo federal para Estados e municípios garantirem o acesso à internet aos alunos e professores da educação básica pública e projeto que estabelece instrumentos e métricas para garantir a eficiência da administração pública. A probabilidade de aprovação dessas propostas é calculada pelo Cebrap/Ello com base num modelo estatístico sobre o histórico de votações desde 1988. VALOR ECONÔMICO
Precisamos acabar com as barreiras invisíveis que separam as mulheres dos homens
Mulheres já se aproximam da metade da força de trabalho ocupada em vários países. No Brasil, somos 52,6% da População em Idade Ativa (PIA) e representamos 43,8% da força de trabalho ocupada, segundo os dados do 1.º trimestre de 2020 da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) do IBGE. Mas quando a palavra representatividade é substituída por liderança, os números se embaralham. Numa pesquisa feita pela Oliver Wyman com 3.000 empresas americanas, 47% da força de trabalho dessas empresas são mulheres. Mas apenas 25% dos cargos de liderança são preenchidos por elas. Olhando com uma lupa maior vemos que apenas 12% ocupam posições de chefe de operações ou de vendas, áreas tradicionalmente vinculadas a centros de resultado. Ou seja, a boa notícia é que caminhamos na direção em que o problema deixa de ser de mulheres nos negócios. A má notícia é que ele continua sendo um problema de mulheres na liderança dos negócios. Por que ficamos presas no meio? O estudo da Oliver vai além dos diagnósticos tradicionais e alerta para a existência de quatro barreiras invisíveis, que tornam o funil mais fino para as mulheres. Primeiramente, mulheres valorizam traços de liderança distintos daqueles abraçados pelos homens. Homens classificam objetividade, decisão e confiança como as principais características de liderança, e nessa ordem. Nós, mulheres, tendemos a identificar na capacidade de empoderamento do time o traço de liderança mais importante. Essa vem seguida de confiança e capacidade de colaboração. Como mulheres são avaliadas e promovidas majoritariamente por homens, a dissonância em relação aos traços mais importantes de liderança acaba por se traduzir em nosso desfavor e nos deixar de fora da linha de sucessão na medida em que o topo se aproxima. Ficamos invisíveis. Outra barreira aparece no foco. Mulheres colocam mais energia na geração de resultados do que na construção de laços e afinidades no ambiente profissional. Como postos de liderança se confundem com confiança, além de competência ficamos, mais uma vez, fora do campo de escolha nos processos mais altos da hierarquia. Da mesma forma, nossas dificuldades em advogar em causa própria e a tendência cultural de assumirmos a maior parcela das responsabilidades familiares adicionam complexidade e opacidade, reduzindo as alternativas femininas no topo das listas de cargos de liderança. A invisibilidade aqui vem travestida de uma suposta impossibilidade, ou de uma pretensa falta de vontade que mantêm mulheres qualificadas nas franjas das companhias. Finalmente, para aquelas mulheres que se posicionam e se colocam como alternativas, há os vieses e as micro agressões que acabam por desanimar e cansar. Persistir num mesmo caminho que é ao mesmo tempo tão diferente a depender do seu gênero, é injusto e cansativo. Não são poucas as que desistem. Falar e ser ouvida. Poder falar. Concluir uma ideia sem ser interrompida. Ser vista, entendida e valorizada pelas suas competências complementares. São inúmeros os estudos que mostram que as mulheres, na tentativa de sair da invisibilidade, são tratadas de forma diferente a que homens em mesma posição seriam. Um desses estudos, focado em seminários de apresentação de trabalhos em Economia, mostra que as mulheres são mais questionadas e as perguntas que recebem tendem a ser mais hostis e marcadas por tons de superioridade. As autoras Pascaline Dupas, Alicia Sasser Modestino, Muriel Niederle, Justin Wolfers, afiliadas a renomadas universidades americanas, celebraram uma parceria com o coletivo Seminar Dynamics Collective no artigo “Gênero e a Dinâmica dos Seminários de Economia” (Gender and the Dynamics of Economics Seminars). Com base em 462 apresentações de trabalhos em departamentos e conferências de Economia de 32 instituições, elas analisaram o número e a frequência de interjeições e a senioridade e gênero de quem intervém e de quem apresenta. As autoras encontram diferenças significativas no tratamento recebidos por homens e mulheres economistas apresentando seus trabalhos. O que nos dá pistas para explicar a baixa representatividade de mulheres em níveis mais altos da profissão. Não há receita pronta. Mas há atitudes importantes e elas começam por patrocinar – e não mais só mentorar – mulheres hoje invisíveis aos processos de liderança. Por isso mesmo há de se reforçar que precisamos acabar com os vieses conscientes e inconscientes. E com as barreiras visíveis e invisíveis. Num mundo e num Brasil cada vez mais intolerante, mais polarizado e onde a diversidade e as diferenças passaram a ser hostilizadas, os retrocessos são fáceis e os avanços cada vez mais difíceis. Tornar visíveis aquelas e aqueles que são diversos é parte desse avanço. Assim como é parte relevante de resistência aos tantos retrocessos que hoje nos ameaçam. Ana Carla Abrão – *ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA O ESTADO DE S. PAULO
Jovem precisa de políticas públicas para ontem
Os jovens têm sido muito citados nesses últimos meses, em intermináveis relatos sobres aglomerações em festas e bares, que ajudam a espalhar o coronavírus. O que tem chamado pouca atenção é que, quando a pandemia acabar, entre as tragédias produzidas pela maior crise mundial em décadas estarão milhões de jovens pobres com uma lacuna educacional significativa e acesso precário a um mercado de trabalho, que mesmo antes já não era dos mais amigáveis. Enquanto governos federal e regionais ainda se batem sobre questões básicas, que já deveriam ter sido superadas um ano depois de o coronavírus chegar por aqui, falta quem discuta políticas públicas para ajudar essa parcela da população a enfrentar os efeitos deletérios permanentes que serão deixados pela pandemia. Ajudar jovens pobres a melhorar de vida – e com isso beneficiar toda a sociedade – é antes uma questão de direitos humanos. Mas nunca é demais lembrar que o chamado bônus demográfico – quando o crescimento da população em idade ativa é maior do que o da população total – acabou em 2018 no Brasil. O que implica dizer que a população está envelhecendo. E que, sem a demografia jogando a favor, para haver crescimento econômico sustentável será preciso – entre outras coisas – elevar a escolaridade dos jovens, um dos vetores necessários para aumentar a produtividade da economia. É medida de longo prazo que o Brasil deveria ter tomado como prioridade há tempos, mas que, a despeito de alguns avanços pontuais, tem sido deixada de lado por sucessivos governos. Agora, se tornou ainda mais importante para pensar no desenvolvimento pós-crise. Alguns números ajudam a entender o drama. Como já é conhecido, a pandemia deixou uma multidão de desempregados pelo país. Resquícios da forte recessão de 2015-2016, a alta taxa de desemprego, o aumento da informalidade e salários deprimidos já eram a tônica do mercado de trabalho brasileiro, mas o quadro se deteriorou, e muito. E se piorou para todos, para os jovens têm sido particularmente devastador, ainda mais porque o aumento do desemprego veio junto com interrupção do acesso à educação. Com as escolas fechadas, o sistema público falhou em oferecer a continuidade do currículo escolar ao longo de 2020. Sem internet, computador, tablet, a exclusão digital agravou o quadro. Segundo pesquisa do Instituto DataSenado, no auge da pandemia, em agosto, dos 56 milhões de alunos do ensino fundamental, médio e superior das redes pública e privada, apenas 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. Na rede pública, entre os que tinham aula on-line, 26% não possuíam acesso à internet. A chegada de 2021 trouxe junto o recrudescimento da pandemia, dificultando a volta às aulas presenciais. Por mais que as autoridades mantenham as instituições de ensino abertas, o temor de contaminação afasta os estudantes. Vide a ausência recorde nas provas do Enem. A isso se soma o desemprego. Com uma taxa historicamente mais alta que nas demais faixas etárias, nas crises, os jovens geralmente são os primeiros a perder o trabalho. A taxa de desemprego entre trabalhadores de 18 a 24 anos chegou a inéditos 31,4%, contra 14,6% da população em geral, segundo dados da Pnad Contínua trimestral mais recente, de setembro do ano passado. Uma eventual volta ao mercado quando houver recuperação da economia pode ser mais difícil. Informações levantadas pelo economista Tiago Cabral, do Instituto IDados, a partir dos microdados da Pnad, mostram que os jovens também têm sido mais afetados pelo desemprego de longo prazo (acima de 12 meses). Na faixa até 24 anos, essa condição afetava 11,5% da força de trabalho no terceiro trimestre do ano passado, ante 4,7% da força de trabalho em geral. E enquanto de 2019 para 2020 o desemprego cresceu de forma mais ou menos homogênea entre as faixas etárias, o desemprego de longo prazo cresceu a uma taxa três vezes maior entre os jovens. A crise atual, diz Cabral, tende a atrasar a reinserção desse grupo ao mercado de trabalho. Num contexto em que boa parte desses jovens tem dificultado o acesso à escola cria-se uma combinação fatal para o desenvolvimento do chamado capital humano. Em artigo publicado neste jornal na semana passada, os economistas Renato Fragelli Cardoso e Pedro Cavalcanti Ferreira, da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE), da Fundação Getulio Vargas (FGV), chamaram atenção para os impactos duradouros dessa crise na vida de jovens de baixa renda. Se antes da pandemia muitos deles nem sequer terminavam o ensino médio (35% dos brasileiros de até 19 anos não tinham concluído essa fase em 2019, segundo o Todos pela Educação), agora o abandono escolar pode ser maior. Para eles, haverá uma geração permanentemente menos educada que a anterior uma vez que, após um ano ou dois fora da escola, esses jovens dificilmente voltarão a estudar. Sem políticas públicas à vista, jovens e crianças parecem ter sido abandonados à própria sorte, afirmam. O que implica dizer que ficarão presos a empregos e ocupações de baixa remuneração. No futuro, a pobreza será maior. Em artigo publicado no Blog do Ibre, Fernando Veloso, também professor da EPGE-FGV, acrescenta outro ingrediente a esse cardápio de problemas: as novas https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs de automação e inteligência artificial, que prometem mudanças profundas no mercado de trabalho. Numa reflexão a partir de discussões dos economistas Dani Rodrik e Daren Acemoglu sobre o papel do Estado na geração de bons empregos, Veloso diz que embora não esteja claro que essas https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs promovam um aumento no desemprego, há evidências que favorecem trabalhadores com maior escolaridade. O que é particularmente desafiador para o Brasil, que tem grande massa de trabalhadores pouco qualificados e elevada regulação no mercado de trabalho. A reflexão de Veloso tem mais elementos, mas vale como alerta do que deveria estar na lista de prioridades dos governos. Por fim, o termo “guerra” e seus derivados (linha de frente, hospitais de campanha, inimigo) têm sido muito usados na tentativa de dimensionar os impactos de um evento tão devastador para o mundo como a pandemia de covid-19. Embora historiadores relativizem esses termos, os números mostram pode
Estatais perdem R$ 113,2 bilhões em dois dias com ‘Efeito Bolsonaro’ nos mercados
A intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobrás, com a exigência de troca no comando da petroleira e reclamações sobre a alta no preço dos combustíveis, provocou forte turbulência no mercado financeiro e acabou respingando nas demais estatais. O risco de um intervencionismo maior e adoção de medidas populistas fizeram as ações das três principais estatais do País (Petrobrás, Banco do Brasil e Eletrobrás) perderem R$ 113,2 bilhões em dois dias – o que equivale a quase o valor de um BTG Pactual, segundo dados da consultoria Economática. Só na Petrobrás (incluindo parcela da BR Distribuidora) a queda foi de R$ 99,6 bilhões. As ações da empresa, que já tinham caído quase 8% na sexta-feira, despencaram 20,48% (ON) ontem e podem manter o desempenho negativo nos próximos dias. Pelo menos seis casas rebaixaram a recomendação para as ações e reduziram o preço-alvo da companhia para os próximos 12 meses. No Banco do Brasil, o valor de mercado recuou R$ 12,6 bilhões em dois dias e, na Eletrobrás, quase R$ 900 milhões. Nesse cenário, com as principais ações do Ibovespa em queda, a B3 recuou 4,87% no pregão de ontem, a maior queda para um único dia desde 24 de abril do ano passado, quando o ex-ministro Sérgio Moro deixou o governo em meio a denúncias de tentativa de intervenção do presidente na Polícia Federal. A Bolsa paulista perdeu quase 6 mil pontos e fechou em 112.667 pontos – o menor patamar desde 3 de dezembro. O dólar também sofreu com o mau humor dos investidores e subiu 1,27%, para R$ 5,45. Na máxima do dia, chegou a bater R$ 5,53, o que exigiu atuação do Banco Central (BC) para acalmar os ânimos. No total, vendeu US$ 3,6 bilhões e ajudou a dar certo alívio à moeda. Outro efeito das incertezas com a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da Petrobrás foi o avanço do contrato de credit default swap (CDS), que mede o risco do País. O CDS subiu 11% em relação ao fechamento de sexta-feira, para 163,25 pontos. Na opinião de especialistas, o discurso de Bolsonaro nos últimos dias fez lembrar as medidas de intervenção adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff no setor elétrico em 2013 e que provocaram prejuízos bilionários para as empresas e toda a sociedade. Pior: jogou por terra mais uma promessa feita durante a campanha eleitoral. “Para o mercado, a decisão do presidente é uma decepção. A agenda de privatização não foi adiante, e a anticorrupção também não”, diz o presidente da RB Investimentos, Adalbero Cavalcanti. Do ponto de vista econômico, diz ele, a alta do dólar por causa da turbulência financeira pode ter um reflexo inflacionário tão danoso quanto a alta dos combustíveis. Na avaliação do economista da Tendências Consultoria Integrada, Silvio Campos Neto, todos esses ruídos geram um ambiente de imprevisibilidade e afetam as decisões de investimentos. Para ele, as preocupações surgidas nos últimos dias só devem se dissipar um pouco se houver algum avanço nas decisões sobre o novo auxílio emergencial. O ESTADO DE S. PAULO
Decreto de Bolsonaro obriga postos a informar composição de preços de combustíveis
Pressionado pelos caminhoneiros para resolver o preço alto do diesel, o presidente Jair Bolsonaro formalizou nesta terça-feira, 23, mais uma promessa que vem fazendo ao setor. Por decreto, o presidente determinou aos postos de combustíveis que detalhem ao consumidor os valores estimados dos tributos que compõem o preço final dos combustíveis automotivos. A obrigação passar a valer em 30 dias, conforme o ato, que está publicado o Diário Oficial da União. Bolsonaro afirma que o peso maior dos tributos sobre os combustíveis não é de sua responsabilidade, mas, sim, dos governadores. No último sábado, 20, o presidente disse que a formação de preço dos combustíveis no País é uma “caixa-preta”. Crítico da política de reajustes da Petrobrás, que segue a cotação internacional do petróleo, Bolsonaro também disse que a gasolina e o diesel poderiam ser 15% mais baratos se os órgãos de fiscalização “estivessem funcionando. “Quando você vê a nota fiscal você também não sabe quanto de imposto é federal, quanto é estadual, quanto é a margem de lucro dos postos e quanto se paga também na questão da distribuição. Você não sabe de nada, é uma caixa-preta”, declarou. O decreto de Bolsonaro diz que “os consumidores têm o direito de receber informações corretas, claras, precisas, ostensivas e legíveis sobre os preços dos combustíveis automotivos no território nacional”. Pela norma, os postos revendedores ficam obrigados a informar os valores estimados de tributos das mercadorias e dos serviços oferecidos por meio de painel afixado em local visível do estabelecimento, que deverá conter o valor médio regional no produtor ou no importador, o preço de referência para ICMS, o valor do ICMS, o valor de PIS/Pasep/Cofins e o valor da CIDE. Os postos também devem divulgar os preços reais e os promocionais dos combustíveis. “Na hipótese de concessão de descontos nos preços de forma vinculada ao uso de aplicativos de fidelização pelos postos revendedores de combustíveis automotivos, deverão ser informados ao consumidor: o preço real, de forma destacada; o preço promocional, vinculado ao uso do aplicativo de fidelização; e o valor do desconto”, cita o texto. O preço dos combustíveis é formado por uma série de componentes. As refinarias impõem um valor para as distribuidoras que, por sua vez, vendem para os postos. Em todas as etapas, incidem o preço de custo e o lucro. Além dos tributos federais, há incidência do ICMS, que é estadual. Na última quinta-feira, 18, a Petrobrás anunciou aumento de 15,2% no diesel e de 10,2% na gasolina. Foi o quarto reajuste do ano, o que pesou para que Bolsonaro indicasse um novo nome para o comando da estatal, no lugar de Roberto Castello Branco, a quem o presidente criticou até por estar em regime de home office durante a pandemia. Para Bolsonaro, Castello Branco tinha “compromisso zero” com o País. Para o comando da estatal, foi indicado o general Joaquim Silva e Luna, que ainda precisa ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa. O diesel e a gasolina já acumulam alta de 27,5% e 34,8% em 2021. Federação de postos diz que atribuição deveria ser das distribuidorasO presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecomércio), Paulo Miranda, acionou o departamento jurídico da entidade para avaliar se a responsabilidade da divulgação dos tributos dos combustíveis nos postos de abastecimento seria de responsabilidade das distribuidoras, responsáveis junto com as refinarias pelo recolhimento dos impostos. “Acho que o governo se equivocou de agente, isso deveria ser atribuição das distribuidoras”, disse Miranda ao Estadão/Broadcast. “Quando eu compro, todos os impostos já foram recolhidos na fonte, pela Petrobrás (refinarias), distribuidoras e usinas”, afirmou. De acordo com Miranda, como não é o posto que recolhe os impostos, haverá dificuldade de cumprir a medida com informações exatas, e além disso, a divulgação dessas informações vai onerar ainda mais a margem de lucro dos postos, já bastante apertadas pela alta dos combustíveis. Outro obstáculo será conseguir o valor exato dos tributos, que mudam quinzenalmente, já que cada Estado tem uma taxa e a distribuidora pode optar por dois tipos de recolhimento. “Nós sabemos quanto de imposto existe, mas existem algumas diferenças, inclusive de Estado para Estado”, destacou o executivo, afirmando que é possível cumprir “de maneira razoável”, e que em muitos lugares já existe esse tipo de divulgação. A Fecombustíveis representa cerca de 40 mil postos no Brasil e é formada por 34 sindicatos patronais e pela Associação Brasileira de Entidades de Classe das Revendas (Abragás). Divulgação da composição de tributos em nota fiscal é prevista há 8 anosO detalhamento dos valores dos tributos sobre bens e serviços é obrigatório nas notas fiscais no País desde 2013. Sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2012, a Lei 12.741 determinou que fossem informados nas notas fiscais de mercadorias e serviços em geral, não só de combustíveis, os valores estimados de sete diferentes impostos e contribuições municipais (ISS), estaduais (ICMS) e federais (IPI, IOF, PIS, Cofins e Cide). Não é necessário detalhar cada tributo, mas, sim, o peso da tributação de cada esfera de governo. De acordo com a lei, esses dados poderão “constar de painel afixado em local visível do estabelecimento, ou por qualquer outro meio eletrônico ou impresso, de forma a demonstrar o valor ou percentual, ambos aproximados, dos tributos incidentes sobre todas as mercadorias ou serviços postos à venda”. O decreto de Bolsonaro, portanto, repete, especificamente para os revendedores de combustíveis, as disposições da lei, em vigor há quase oito anos. O ESTADO DE S. PAULO
Setor privado aponta preocupações com guinada intervencionista de Bolsonaro
Pela primeira vez desde a eleição de Bolsonaro, o setor privado deixou a discrição que costuma ter diante das manifestações polêmicas ou autoritárias do presidente e mandou uma mensagem firme de descontentamento após a intervenção na Petrobras. Além do estrago na Bolsa, grandes empresários demonstraram em coro suas críticas e preocupações. O receio agora é o futuro do ministro Paulo Guedes, visto pelo mercado como principal pilar do governo. O sinal amarelo veio até de quem já foi parte do governo. O ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel, que deixou o cargo em 2020 diante da falta de avanço da agenda liberal, diz ter visto uma sinalização muito ruim na decisão de trocar o comando da Petrobras. “Roberto Castello Branco estava comprometido em executar o plano de governo. Quando você tira alguém que está executando com competência tudo o que havia sido pedido, que é uma empresa eficiente, com desestatizações importantes, dá um sinal muito ruim para outros líderes. Você não vai prezar pelo resultado, pelo valor gerado, mas, sim, por uma visão mais de curto prazo, de popularidade”, disse Uebel ao Painel S.A.. Para Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, com sua atitude na Petrobras, Bolsonaro perdeu parte do apoio do empresariado. “Fica cada vez mais dentro de uma ala ideológica e de uma camada que vai ser beneficiada por esse populismo”, afirma. Miranda acredita que Bolsonaro pode perder a reeleição se der guinada intervencionista em busca de popularidade. “A percepção de risco do brasileiro não é o CDS [termômetro da confiança dos investidores]. É o câmbio. E o dólar está subindo. Se ele der guinada adicional nessa direção, o dólar explode. Isso gera inflação”, diz. O empresário Horacio Piva afirma ter visto um consenso de apreensão. “Se o presidente queria unanimidade, conseguiu. Até em seu núcleo duro, certamente, ele criou espanto. Uma proeza, tão sem sentido quanto imprudente. Recado assustador,” diz. O empresário Eduardo Mufarej reforçou o coro dos empresários preocupados. Ele disse que a confiança e a previsibilidade são essenciais para manter investidores e empresários engajados com a pauta do país. “Intervenções pontuais e na contramão de reformas estruturais ainda pendentes trazem incerteza, levam os juros para cima, reduzem investimentos e, consequentemente, trazem aumento do desemprego e queda da renda. Precisamos agir estruturalmente para termos a chance de avançar, e para isso o único caminho é o das reformas”, diz Mufarej, que é o criador do movimento RenovaBR, iniciativa privada de capacitação de candidatos para cargos públicos. A intervenção de Bolsonaro na Petrobras pode ser o início de um abismo para o país, na opinião do investidor Lawrence Pih, que prevê a saída de Paulo Guedes. Pih afirma que nunca acreditou no potencial liberal do presidente, diferentemente de grande parte do mercado financeiro. “Bolsonaro, quando candidato, vendeu a imagem de pró-capitalismo e antiestatizante. Os incautos, agora, o enxergam sem maquiagem: anti-economia de mercado, socialista, populista, autoritário e uma ameaça à democracia. Receio pelo futuro do Brasil”, diz. O empresário bolsonarista Winston Ling afirma que o discurso do presidente apavorou os investidores, mas diz que agora é hora de reduzir a tensão no mercado em vez de jogar mais lenha na fogueira. “Muita gente chateada, mas paciência. Vamos focar em aprovar as reformas”, disse. FOLHA DE S. PAULO
‘Mudança na Petrobrás aproxima Bolsonaro das práticas do PT’, diz ex-secretário
Fora da equipe do Ministério da Economia há seis meses, o ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel afirma que Jair Bolsonaro segue o caminho de governos petistas, alvos constantes de suas críticas. Para ele, ao interferir na Petrobrás , o presidente descumpre a promessa de campanha de manter na estatal uma política de preços que siga o mercado internacional. O resultado pode ser a “destruição de valor muito grande da empresa, como vimos durante a gestão do PT”. O economista também ressalta que, se a intervenção ocorrer também em outras estatais, como Eletrobrás e Banco do Brasil, o já enfraquecido ministro Paulo Guedes ficará cada vez mais encurralado. Ele vê riscos de fuga de investidores e desvalorização das refinarias que estão no plano de privatização. “Bolsonaro precisa voltar às origens e manter uma política profissional de alinhamento com as práticas de mercado, com foco em eficiência e desestatização, porque isso é que vai gerar mais valor para os brasileiros”. Uebel deixou a Secretaria de Desburocratização em agosto, por não ver espaço para avançar na proposta da reforma administrativa, projeto para o qual foi convidado a integrar a equipe de Guedes no início do governo. Qual sua avaliação sobre a intervenção do governo na Petrobrás e possivelmente em outras estatais?O governo Jair Bolsonaro foi eleito para fazer uma gestão absolutamente diferente da gestão do PT que, além dos casos de corrupção, fez interferências na gestão das estatais. Na Petrobrás, por exemplo, os preços dos combustíveis foram controlados de maneira artificial, gerando prejuízo bilionário tão grande ou até maior que o prejuízo com a corrupção. Por que a comparação?No programa de governo do então candidato Bolsonaro, chamado de ‘caminho da prosperidade’, e que teve a participação do ministro Paulo Guedes, constava expressamente que a Petrobrás deveria ter uma política de preços que seguisse o mercado internacional. Roberto Castello Branco foi escolhido para seguir esse plano e cumpriu exatamente isso. Teve uma gestão profissional, independente, de combate às ineficiências, fez desestatização das subsidiárias. Só que foi sacrificado porque mudou-se o entendimento de que a Petrobrás não deve mais seguir o mercado internacional de preços de combustível. Isso é uma mudança que vai contra o que foi aprovado nas urnas e aproxima Bolsonaro de práticas que o PT fazia. E isso é o oposto do que o eleitor de Bolsonaro gostaria de ver. O que o governo pode fazer para mudar essa prática?Precisa voltar às origens e manter uma política profissional de alinhamento com as práticas de mercado, com foco em eficiência e desestatização porque isso é que vai gerar mais valor para os brasileiros. As pessoas se enganam ou se esquecem de que quando uma empresa estatal é bem gerida e distribui dividendos para o acionista, no caso o governo federal, vai ter mais recursos para investir em saúde, educação e segurança que beneficiam todos os brasileiros e não apenas uma parcela. O atual governo mantém a criticada política de subsídios?Fazer subsídio de combustível por uma empresa estatal não é a política pública adequada, porque tem acionistas minoritários. O governo tem de fazer isso com os dividendos dele, do orçamento público. Não se pode fazer uma política pública de subsídio indiscriminado porque vai estar financiando grandes multinacionais logísticas, donos de barcos, lanchas e iates que usam combustíveis. Se quer beneficiar só uma parcela da população, como os caminhoneiros de baixa renda que estão numa situação muito ruim, deveria pensar numa política pública focalizada, se fosse o caso. O sr. vê chances de o governo retomar o que prometeu na campanha?O que está sendo feito contraria o mandato popular recebido nas urnas, que é o instrumento mais forte de uma democracia, que deve orientar as ações e as decisões de todos os agentes públicos, especialmente dos mandatários. Hoje a teoria predominante é que o governo está deixando de cumprir o mandato para ter atuação com maior gerência sobre as estatais. Especula-se inclusive que ele vai fazer o mesmo no Banco do Brasil e na Eletrobrás, o que seria uma sinalização muito ruim e vai contra o plano original de governo. São medidas populistas. As pessoas vão entender se ele voltar atrás?Acho que é papel dos especialistas, da imprensa e dos partidos políticos de ajudarem a mostrar para a população que essas medidas vão trazer mais prejuízos para o País. Aliás, já está trazendo: a Petrobrás caiu 20% nesta segunda-feira, a taxa de juros está subindo, o câmbio está pior para o Brasil e o risco país está aumentando. Tudo isso tem consequências práticas na vida das pessoas. E o preço da gasolina e do diesel não vai cair pois o aumento (feito por Castello Branco) foi mantido. Então é muito importante mostrar para a sociedade de forma clara que essa ingerência nas estatais custa caro e que nós esperamos que o presidente cumpra o que prometeu nas urnas. O sr. acredita que Paulo Guedes vai conseguir fazer o que ele também propôs na campanha?Infelizmente ele está muito enfraquecido, cada vez mais encurralado porque havia indicado o Castello Branco para a Petrobrás, fez trabalho excelente e foi sacrificado. Se ocorrer o mesmo com o presidente do Banco do Brasil, que faz uma gestão profissional, técnica, independente e focada em gerar valor, Guedes vai ficar numa situação muito delicada. Entendo que ele gostaria de permanecer no governo para fazer reformas estruturais e privatizações, mas cada dia que passa fica mais difícil. Estamos cada vez mais próximos de 2022, que vai ser ano de eleições, e o foco vai mudar para uma eventual reeleição e não para fazer reformas que, no curto prazo, até podem ser um impopulares, mas no médio e longo prazo são decisivas para o crescimento do País. O ministro teria então de fazer tudo neste ano?Sem dúvida. Esse ano temos uma janela de oportunidade histórica para aprovar várias reformas que vão criar as condições para que o Brasil volte a crescer de forma sustentável, gerando emprego, renda e oportunidades para todos. Não podemos perder essa janela. O foco tem de ser nas reformas
Onze conselheiros definem nesta terça o destino da Petrobras
O campo de batalha está aberto na reunião do conselho de administração da Petrobras, que acontece hoje, na qual seus 11 membros terão de decidir se concordam ou não com o pedido do governo de solicitar uma Assembleia Geral de Acionistas para colocar Joaquim Silva e Luna na presidência do conselho, o que pode o levar ao comando da petroleira, no lugar de Roberto Castello Branco. Se houver rebeldia e o nome do general for rejeitado ao longo desse processo, o presidente Jair Bolsonaro pode enfrentar uma batalha jurídica, sob acusação de abuso de poder, caso queira manter sua decisão. Isso levou a petroleira a perder mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado desde a sexta-feira. Um atropelo dessa magnitude pode trazer implicações jurídicas para a companhia e rasgar uma lei criada em 2016, após o escândalo de corrupção da Petrobras, para regrar empresas estatais de economia mista. Pedra cantada. Os conselheiros, por sua vez, também estão presos a compromissos e correm o risco de serem responsabilizados na pessoa física pelas decisões que tomarem e colocarem em risco o desempenho e os compromissos definidos pela empresa em estatuto. Isso vale, inclusive, para uma decisão favorável à indicação de Bolsonaro, e por isso, está em gestação na Petrobras um estudo técnico para analisar a indicação. Advogados consultados pelo Broadcast afirmam que os votos do conselho têm de ser justificados em bases técnicas, que mostrem a escolha à luz dos negócios da companhia e seu desempenho. No laço. Não seria surpresa se o encontro de hoje se alongar por muitas horas. Os conselheiros estão reunidos desde às 8h e a expectativa é de que o encontro se arraste até o início da noite. “Até aqui, a imagem foi de atropelo”, diz André Antunes Soares de Camargo, sócio do TozziniFreire Advogados, especialista na área ‘corporate’. Caso a União insista em uma troca eventualmente à revelia da decisão do conselho, haverá implicação jurídica contra a empresa.” Genérica. Na mesma linha, o sócio do escritório Mattos Filho e especialista em petróleo e gás, Giovani Loss, diz que a configuração de abuso de poder passa pela situação em que a decisão da União tenha causado prejuízo ou estresse financeiro à companhia. A Lei das SAs, à qual as empresas de capital misto com ações em Bolsa se submetem, prevê que a União deve usar o poder para que a empresa realize seu dever social. Conflito. Ou seja, há argumentos a favor da postura do governo e a briga promete ser boa. “Esse dispositivo é tão genérico na lei, que, havendo uma conjuntura de interesse público, não há flagrante ilegalidade”, diz. No caso, o interesse público é a alta dos combustíveis. O ESTADO DE S. PAULO
Investidor estrangeiro teme que Bolsonaro repita o intervencionismo do governo Dilma
A decisão de Jair Bolsonaro de trocar o presidente da Petrobrás provocou surpresa e trouxe, entre os investidores internacionais, o temor da volta de uma política intervencionista do Planalto nas estatais, nos moldes da gestão de Dilma Rousseff. Aumentou também a preocupação com uma estratégia mais populista na área fiscal, conforme relatos de analistas e investidores estrangeiros ouvidos nesta segunda-feira, 22, pelo Estadão/Broadcast. O risco imediato é de aumentar ainda mais a seletividade dos fundos com o Brasil, que tem se beneficiado de uma onda geral de fluxos em busca de retorno nos emergentes. “Vende, vende, vende”, foi uma das expressões ouvidas pela reportagem ao contatar investidores em Wall Street sobre a Petrobrás. Outro profissional, também em Nova York, disse: “Isso é um grande choque de credibilidade para o Brasil. Esta foi minha última tentativa de investir na empresa e no Brasil. São movimentos inaceitáveis”. Um terceiro investidor, em Chicago, ressaltando que zerou suas aplicações na Petrobrás, afirmou: “Vimos isso em 2015. Concordo com a visão de que o governo atual quer salvar sua popularidade, são medidas desesperadas, vejo nova piora fiscal.” Grandes bancos, como JPMorgan, Credit Suisse e Bank of America, cortaram suas recomendações para a Petrobrás e elevaram o tom pessimista em relação ao Brasil. Os analistas do JP afirmaram estar “surpresos” com a mudança anunciada por Bolsonaro e recomendam redução de exposição na empresa, em meio à elevada incerteza sobre o cenário no curto prazo. “É um sério problema para a lucratividade do segmento de logística da Petrobrás e, ainda mais importante, para sua credibilidade no mercado internacional”, comenta o analista de petróleo do americano Raymond James, Pavel Molchanov. A recomendação dele é que investidores interessados na petroleira sempre levem em conta o “intenso nível de risco político”. Para Molchanov, que acompanha a empresa brasileira há anos, o nível de interferência de Bolsonaro na Petrobrás é fundamentalmente o mesmo de governos anteriores, como o de Dilma, de tentar interferir na política de preços para ganhar apoio político. A diferença agora, diz o analista, é que Bolsonaro foi eleito afirmando que não haveria interferência, mas resolveu quebrar a promessa. JurosPara Priscila Robledo, economista de América Latina em Nova York da Continuum Economics, consultoria de Nouriel Roubini, a decisão de Bolsonaro é negativa, pois fica clara sua intenção de interferência. É crescente a chance de que a batalha do presidente contra a paridade internacional nos combustíveis vai acabar prejudicando a já ruim situação fiscal do País, colocando pressão adicional nos juros, câmbio e, mais importante, afetando a confiança dos investidores, prejudicando ainda mais a atividade econômica. Na avaliação de Klaus Spielkamp, responsável em Miami pela área de vendas e trading da Bulltick, a questão da troca de comando da Petrobrás e dos preços de combustíveis vem se somar a um momento econômico e político “bastante fragilizado” no Brasil, pela maior necessidade de gastos do governo para conter a crise gerada pela pandemia. “Se espera e se faz urgente que o Brasil consiga fazer as reformas, e, para isso, o ambiente econômico e político tem de estar em ordem.” “Intervencionismo nunca é bem visto na comunidade financeira internacional”, afirma Spielkamp. Mas ele pondera que uma greve de caminhoneiros nos moldes da de 2018 seria um ponto final para as chances de reformas. O analista comenta que, em outros momentos, já viu mudanças de presidente da Petrobrás que foram anunciadas como um desastre para a empresa e ela sempre sobreviveu, “inclusive durante as barbaridades que vimos durante o governo Dilma”. O economista-chefe de emergentes da consultoria inglesa Capital Economics, William Jackson, comentou nesta segunda-feira que a decisão de demitir o atual presidente da Petrobrás aponta para uma maior intervenção do governo na economia e “pode também ser um prelúdio de uma política fiscal mais flexível”. Por isso, o mercado financeiro doméstico deve permanecer sob forte pressão e cresce a chance de alta de juros no mês que vem. Para a também inglesa TS Lombard, o episódio “populista” da Petrobrás aponta para o crescente risco de Bolsonaro prorrogar o auxílio emergencial sem cortes de despesa. Neste ambiente, a TS espera alta de juros já em março, de 0,50 ponto porcentual. O ESTADO DE S. PAULO