Setor privado aponta preocupações com guinada intervencionista de Bolsonaro

Pela primeira vez desde a eleição de Bolsonaro, o setor privado deixou a discrição que costuma ter diante das manifestações polêmicas ou autoritárias do presidente e mandou uma mensagem firme de descontentamento após a intervenção na Petrobras. Além do estrago na Bolsa, grandes empresários demonstraram em coro suas críticas e preocupações. O receio agora é o futuro do ministro Paulo Guedes, visto pelo mercado como principal pilar do governo.

O sinal amarelo veio até de quem já foi parte do governo. O ex-secretário de Desburocratização Paulo Uebel, que deixou o cargo em 2020 diante da falta de avanço da agenda liberal, diz ter visto uma sinalização muito ruim na decisão de trocar o comando da Petrobras.

“Roberto Castello Branco estava comprometido em executar o plano de governo. Quando você tira alguém que está executando com competência tudo o que havia sido pedido, que é uma empresa eficiente, com desestatizações importantes, dá um sinal muito ruim para outros líderes. Você não vai prezar pelo resultado, pelo valor gerado, mas, sim, por uma visão mais de curto prazo, de popularidade”, disse Uebel ao Painel S.A..

Para Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, com sua atitude na Petrobras, Bolsonaro perdeu parte do apoio do empresariado. “Fica cada vez mais dentro de uma ala ideológica e de uma camada que vai ser beneficiada por esse populismo”, afirma.

Miranda acredita que Bolsonaro pode perder a reeleição se der guinada intervencionista em busca de popularidade. “A percepção de risco do brasileiro não é o CDS [termômetro da confiança dos investidores]. É o câmbio. E o dólar está subindo. Se ele der guinada adicional nessa direção, o dólar explode. Isso gera inflação”, diz.

O empresário Horacio Piva afirma ter visto um consenso de apreensão. “Se o presidente queria unanimidade, conseguiu. Até em seu núcleo duro, certamente, ele criou espanto. Uma proeza, tão sem sentido quanto imprudente. Recado assustador,” diz.

O empresário Eduardo Mufarej reforçou o coro dos empresários preocupados.

Ele disse que a confiança e a previsibilidade são essenciais para manter investidores e empresários engajados com a pauta do país.

“Intervenções pontuais e na contramão de reformas estruturais ainda pendentes trazem incerteza, levam os juros para cima, reduzem investimentos e, consequentemente, trazem aumento do desemprego e queda da renda. Precisamos agir estruturalmente para termos a chance de avançar, e para isso o único caminho é o das reformas”, diz Mufarej, que é o criador do movimento RenovaBR, iniciativa privada de capacitação de candidatos para cargos públicos.

A intervenção de Bolsonaro na Petrobras pode ser o início de um abismo para o país, na opinião do investidor Lawrence Pih, que prevê a saída de Paulo Guedes. Pih afirma que nunca acreditou no potencial liberal do presidente, diferentemente de grande parte do mercado financeiro.​

“Bolsonaro, quando candidato, vendeu a imagem de pró-capitalismo e antiestatizante. Os incautos, agora, o enxergam sem maquiagem: anti-economia de mercado, socialista, populista, autoritário e uma ameaça à democracia. Receio pelo futuro do Brasil”, diz.

O empresário bolsonarista Winston Ling afirma que o discurso do presidente apavorou os investidores, mas diz que agora é hora de reduzir a tensão no mercado em vez de jogar mais lenha na fogueira. “Muita gente chateada, mas paciência. Vamos focar em aprovar as reformas”, disse.

FOLHA DE S. PAULO

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