‘Guedes é resiliente, mas não percebeu que foi vencido’, diz Salim Mattar
Secretário especial de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia por 19 meses até agosto passado, Salim Mattar vê a demissão de Roberto Castello Branco da Petrobrás como uma truculência por parte do governo. Ele diz torcer para que CVM, minoritários e investidores abram ações na Justiça, processem conselheiros e o controlador pela interferência na empresa. Ele acredita que o Brasil perdeu o foco e, desse jeito, não pode dar certo. Em sua passagem pelo governo, Mattar diz ter conseguido vender 84 de um total de 698 estatais e coligadas, e continua defendendo a necessidade de o País privatizar tudo. Sobre o liberal ministro Paulo Guedes, que tem opinião semelhante, afirma que ele “é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi vencido”. Como o sr. vê a intervenção do governo na Petrobrás?Quando um governo faz opção de abrir o capital de uma empresa, captando investimentos de pessoas físicas, jurídicas e de investidores estrangeiros sabe que ela será regida sob o manto do mercado. Se o governo deseja intervir numa empresa, primeiro não deveria ter aberto seu capital. Mas ele pode tomar uma atitude, chamar os minoritários, pagar todo mundo, fechar o capital e fazer o que quiser, como colocar a gasolina a R$ 1. É simples, é seguir a lei. Mas não pode interferir num ativo que tem investimento de milhares de pessoas físicas e jurídicas. Isso traz insegurança jurídica. Qual pode ser o impacto dessa decisão?Há um risco muito elevado e iminente de processos porque os conselheiros têm de agir no sentido de proteger a empresa, de fazer o que for melhor para ela e não para o acionista controlador. Estou torcendo para que o mercado reaja e para que CVM, minoritários e investidores abram ações na Justiça, processando conselheiros e o controlador pela interferência na Petrobrás, e acho que isso vai acontecer. O aumento no preço do combustível, que teria provocado descontentamento entre caminhoneiros, é uma justificativa?Os caminhoneiros são muito importantes na nossa sociedade, assim como outras funções. Mas é bom ressaltar que não existe greve de caminhoneiros nos EUA, Canadá, Reino Unido e Suécia por que lá não há petroleira estatal. Por outro lado, temos greve de caminhoneiros na Argentina, Brasil e na França, porque há estatais de petróleo. Quem gera a greve é o próprio governo, não são os caminhoneiros. O combustível brasileiro tem elevada carga tributária, e a Petrobrás fica pagando o pato por isso. Esse problema precisa ser resolvido. No passado, os governos acharam uma forma fácil de conseguir mais impostos, taxaram o combustível e isso precisa ficar mais transparente para a sociedade. A origem do problema é o gigantismo do Estado, que como consequência gerou o aumento da carga tributária, que onerou o diesel e prejudicou o caminhoneiro. A carga tributária tem de ser muito elevada para pagar os 12 milhões de funcionários públicos. Nos últimos 35 anos da social-democracia os impostos passaram de 22% para 35% do PIB. Somando com mais 7% de déficit, vamos para 42% de carga tributária. Temos carga tributária de país de primeiro mundo e prestação de serviços de país de terceiro mundo. O que pode ser feito para amenizar isso?A solução definitiva é a redução do tamanho do Estado. Quando candidato, (Jair) Bolsonaro falava em privatização, e o ministro (Paulo) Guedes, que é liberal, defendia a tese da redução do tamanho do Estado. Me senti motivado a deixar meus negócios para contribuir com isso. Quando cheguei, disseram que havia 134 estatais, mas, como todo mineiro desconfiado, fui verificar e descobri que eram 698 empresas, entre estatais, subsidiárias, coligadas e investidas. Nos 19 meses que permaneci no governo, vendemos 84 empresas por quase R$ 150 bilhões. Mantido esse ritmo, vamos gastar dez anos para vender tudo e todo mundo é contra: servidores, políticos, o establishment – Executivo, Legislativo e Judiciário. Em momentos oportunistas se juntam a eles os sindicatos, fora os empresários criminosos que ficam escondidos atrás de um CNPJ, tipo os empreiteiros durante os governos petistas. O fato é que esse establishment de alguma forma se protege, não quer ser reduzido e coloca todos os obstáculos possíveis para não privatizar. O sr. acha que acabou de vez o sonho liberal?O ministro Guedes é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi vencido. Por exemplo, há quanto tempo a história da Eletrobrás está no Congresso e não consegue autorização? Tem a Casa da Moeda, que eu tentei privatizar e o Congresso disse não, por considerá-la estratégica. Mas ela é uma gráfica. O pior é que daqui a três ou quatro anos vamos vender as máquinas de fazer notas e moedas a quilo em ferro-velho, porque não vai ter mais valor. Essas pessoas que falam que é estratégico são cegas e não conseguem entender que moeda e papel-moeda vão desaparecer em pouco tempo. A China, desde maio do ano passado, só paga os servidores em moeda digital, princípio que outros países vão adotar. Como o sr. avalia a saída do Castello Branco?Primeiro, acho que faltou elegância, respeito e consideração pela forma como foi demitido. Isso demonstra uma certa truculência do governo. O histórico da Petrobrás é que os presidentes têm sido substituídos a cada dois anos. Como pode uma empresa dar certo trocando o presidente a cada dois anos? Quero lembrar que há alguns anos saiu o Pedro Parente por problemas parecidos – combustível, greve de caminhoneiro. Repare que os interesses políticos sobre as empresas continuam acentuados. Governos, por favor fechem o capital da Petrobrás e façam o que quiserem, mas respeitem as regras. O sr. avalia que ele estava fazendo um bom trabalho?Sim, um excepcional trabalho. Castello Branco estava reduzindo o quadro de colaboradores de forma pacífica e serena. Fez uma revisão estratégica do portfólio de investimentos, pois quanto mais subsidiárias tem, há maior fonte de roubo. Veja os casos da Transpetro, Braskem e outras tantas. Ele estava reduzindo isso, privatizando refinarias, poços de petróleo. Por que substituí-lo? Por uma política de caminhoneiro? No Caso do Banco do Brasil, o ministro Guedes levou para
Com uso intenso do plenário virtual, STF faz ‘reforma tributária’ silenciosa
Enquanto o Congresso Nacional praticamente paralisou a agenda de reformas desde o começo da pandemia da covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem feito uma reforma tributária silenciosa por meio dos julgamentos no plenário virtual da Corte. Tributaristas e entidades do Direito reclamam, no entanto, da falta de debate e transparência nessas decisões, que têm alterado a jurisprudência sobre a cobrança de diversos impostos. As principais reclamações dizem respeito às decisões consideradas “confusas” – baseadas em uma miscelânea de votos, em um julgamento considerado desarticulado – e à alteração de jurisprudência em casos tributários de repercussão geral. Matérias envolvendo a cobrança do ICMS estadual, do ISS municipal e de contribuições federais sobre os quais já havia um entendimento baseado em decisões anteriores de cortes superiores – como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF – acabaram tendo mudança de interpretação nos julgamentos virtuais em meio à pandemia. Entre os casos com mudanças em relação à jurisprudência anterior, o Supremo passou a considerar legítima a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o valor pago ao trabalhador referente ao terço constitucional de férias. Até então, a cobrança não era possível. Houve ainda diversas decisões que mudaram as regras sobre o aproveitamento de créditos de ICMS, alterando até prazos que já eram considerados pelas empresas para o início das compensações. Em uma decisão sobre a incidência do tributo estadual sobre importações de bens por contribuintes não habituais, o STF teve até entendimentos diferentes para a validade de normas idênticas dos Estados de São Paulo e do Paraná. Em um caso sobre o ISS municipal, o plenário virtual trouxe votos considerando constitucional a cobrança do tributo sobre a atividade de exploração de jogos e apostas (loterias, bingos, pules, sorteios, prêmios), o que iria de encontro à jurisprudência anterior. Para o presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão, a superação da jurisprudência – ou “overruling”, no jargão do Direito – só deve ocorrer quando há uma situação extrema, com mudança de pressupostos fáticos ou alterações em leis. “Mesmo que haja um argumento forte, isso não basta para alterar todo um entendimento que vinha sendo aplicado pelos tribunais. Essa jurisprudência é a base da segurança jurídica entre os contribuintes e os cobradores de impostos”, diz. “O STF está adicionando mais insegurança a um sistema tributário que já é confuso e complexo. Fundamentos que existiam há décadas foram ultrapassados, com entendimentos opostos. Isso é ruim para o investidor estrangeiro, para o empreendedor brasileiro e para o próprio fisco.” VirtualO plenário virtual é uma ferramenta online que permite que os ministros decidam sobre casos com apenas um clique, longe dos olhos da opinião pública e das transmissões da TV Justiça. Seu uso foi intensificado durante a presidência do ministro Dias Toffoli, que aumentou os tipos de processos que podem ser julgados dessa forma. Com o avanço da pandemia, aumentou o número de processos assim analisados. “Frente à pandemia, o virtual aflorou com eficácia produtiva ímpar”, disse ao Estadão o ministro do STF Marco Aurélio Mello. O ministro já foi uma das vozes mais resistentes à nova https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, mas hoje defende a plataforma. “O julgamento virtual, ante a necessidade de conciliar celeridade e conteúdo, é, consideradas as discussões intermináveis no plenário físico, o meio de entregar-se a prestação jurisdicional”, afirmou. No fim de 2020, 11 entidades – incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – enviaram uma carta aberta ao STF alertando para os “efeitos nocivos dos julgamentos virtuais na adequada formação e compreensão de precedentes em matéria tributária”. O documento também foi entregue em mãos ao atual presidente do Supremo, Luiz Fux. Para Thomaz Pereira, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio, o plenário virtual tem qualidades que o físico não tem. “Ele certamente é pior no sentido de ter menos deliberação, mas tem a vantagem de permitir que os outros ministros escrevam seus votos, reagindo ao voto do relator, tendo tempo para isso”, disse, destacando que os julgamentos no plenário virtual ocorrem ao longo de várias dias, o que permite que os ministros formem suas convicções nesse período. No plenário físico, por exemplo, muitas vezes os ministros só sabem como os relatores vão votar na hora do julgamento, o que pode contribuir para os julgamentos serem interrompidos por pedidos de vista. “Como ambos os sistemas têm suas imperfeições, é mais a gente pensar quais os processos que se beneficiariam mais por estar em cada um dos sistemas”, comentou. Procurado, o STF respondeu que o plenário virtual tem ajudado na celeridade das decisões e permitiu que a corte não paralisasse seus trabalhos durante a pandemia da covid-19. “A ampliação das competências do plenário virtual é recente e, por ser novidade, isso pode gerar dificuldades de adaptação por parte de alguns atores envolvidos. A Suprema Corte compreende e está sempre aberta para sugestões que possam melhorar o andamento dos processos internos”, acrescentou o STF. O Supremo reiterou que o ministro Fux está em constante diálogo com os demais ministros sobre o funcionamento do plenário virtual. “É importante ressaltar que qualquer ministro pode pedir destaque de processos do virtual para julgamento no plenário físico, atualmente realizado por videoconferência por conta da pandemia. Basta um único ministro solicitar para o julgamento ser suspenso e permitir sustentações orais e debates, por exemplo”, concluiu. Como funciona o plenário virtualOs julgamentos no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal ocorrem semanalmente. Lá, o relator deposita o seu voto e os seus colegas decidem se o acompanham (com ressalvas ou não) ou se divergem. Advogados gravam suas sustentações orais, que são colocadas à disposição do público e dos ministros. No entanto, diferentemente das sessões presenciais ou por videoconferência, não há espaço para a troca de ideias e debates – e nem para as intervenções por parte dos advogados. “É o pior dos mundos. Se já é muito ruim haver uma superação de decisão em si, imagina esta situação sem debate, em dezenas de julgamentos. Às vezes, são sete ou oito decisões por dia, o que seria impossível
‘Queremos privatizar, mas não é tudo também’, diz Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro disse neste sábado, 20, que o governo mantém planos para avançar na agenda de privatizações, mas que “não é tudo” que será privatizado. Ele descartou, por exemplo, a privatização da Casa da Moeda do Brasil. Em mudança de discurso, Bolsonaro também afirmou que a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) não será privatizada “da forma que queriam”, mas não negou a possibilidade de venda do entreposto. Em dezembro, Bolsonaro chegou a dizer que a Ceagesp não seria privatizada por “ratos” com o interesse de “beneficiar amigos”. Hoje, o mandatário mudou o tom. “Nós queremos privatizar, mas não é tudo também, não. Privatizar a Casa da Moeda? Negativo. Privatizar Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)? Para quê? Privatizar da forma como queriam a Ceagesp, não vai ser privatizada, pode ter certeza disso”, declarou ao falar com populares durante sua passagem por Campinas (SP). A companhia é alvo de estudos do governo para a sua desestatização. No ano passado, o governador João Doria (PSDB-SP) anunciou um acordo com o governo federal para transferir a Ceagesp para outro endereço, às margens do Rodoanel Mário Covas e passar sua administração para a iniciativa privada. O plano era facilitar o acesso de caminhões que diariamente abastecem o local com produtos agrícolas do Brasil todo. A negociação de Doria foi articulada com Salim Mattar, então secretário especial de Desestatização e Privatização, que deixou o cargo em agosto do ano passado insatisfeito pela paralisia do governo na agenda de privatizações. Desde 2019, a Ceagesp está incluída no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), em decreto assinado pelo próprio Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A partir disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou duas consultorias em março do ano passado por R$ 2,6 milhões para estudar o modelo de privatização. O Estadão mostrou que em dezembro, quando o presidente descartou vender a empresa, R$ 560 mil já haviam sido pagos. O BNDES negou que haja orientação para paralisar as análises. O Ministério da Economia confirmou que os estudos não foram interrompidos e disse que os resultados serão levados para discussão do Conselho do PPI, órgão formado pelo presidente da República, ministros e presidentes dos bancos públicos. Segundo a pasta, uma decisão sobre a venda ou não da empresa pública só será tomada após os estudos serem concluídos, o que está previsto para ocorrer até o fim de março. Neste sábado, Bolsonaro voltou a elogiar a atuação e o trabalho “excepcional” do coronel da Polícia Militar e ex-comandante da Rota Ricardo Mello Araújo, nomeado diretor-presidente da Ceagesp em outubro. O presidente tem atribuído ao militar as mudanças na gestão da companhia. “(Antes) Tudo era roubo, tudo era propina. Então, a gente vai atacando as coisas, não dá para mudar de uma hora para a outra. O navio, você não consegue dar um cavalo nele. Agora, quando eu descubro vou para cima”, disse. “Quando botei o coronel lá levei pancada: ‘ah, um coronel não gestor’. A Ceagesp era caso de polícia e ele tinha acabado de comandar a Rota em São Paulo, era o cara ideal. Ele demonstrou ao longo desses últimos meses, além de moralizar aquilo, ele também mostrou como bem gerenciar a Ceagesp, que é motivo de orgulho de muita gente”, declarou. A fala sobre a Ceagesp e os planos de privatização do Executivo, divulgada em vídeo por um canal no YouTube, foi motivada após uma pergunta ao presidente sobre a “celeridade de pautas” do governo na Câmara. “Eu tenho certeza (que as pautas ganharão celeridade)”, disse. Bolsonaro responsabilizou o ex-presidente da Câmara do Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) pelo fracasso do governo de promover uma agenda de privatizações. A venda de estatais, com receita estimada em R$ 1 trilhão, é prometida pelo ministro Paulo Guedes desde o início do governo. “O próprio ex-presidente (da Câmara, Rodrigo Maia) disse há poucas semanas que agora ele vai fazer uma oposição contra o presidente Jair Bolsonaro, coisa que ele não podia falar enquanto era presidente”, comentou. “O ex-presidente tinha uma ligação enorme com PT, PCdoB e PSOL, então as agendas liberais não andavam. Esse pessoal é estatizante”, justificou. O ESTADO DE S. PAULO
A autonomia do Banco Central (Claudio Adilson Gonçalez)
O penoso caminho até a autonomia do Banco Central (BC) começou mesmo antes de sua criação (Lei 4.595/64). Roberto Campos – o avô, não o neto, que hoje dirige com competência a instituição – defendia que seus diretores tivessem mandatos fixos, não coincidentes com o do presidente da República. Campos não logrou seu objetivo, mas foi um dos principais idealizadores das normas legais que possibilitaram o desenvolvimento do sistema financeiro nacional em bases modernas. Desde então, a autonomia do BC não saiu do debate. Posições populistas e equivocadas levaram ao fracasso de várias tentativas de aprová-la. Basta lembrar o bordão “agora querem entregar o BC aos banqueiros”, um erro lógico primário, pois a história mostra que os grandes vilões da política monetária no mundo foram os governantes populistas. Crises bancárias e negligência com a inflação tiveram custo enorme para a sociedade, principalmente para os mais pobres. No entanto, é preciso olhar o outro lado da moeda. Economistas que se declaram ortodoxos têm criticado, erroneamente, a meu ver, o projeto aprovado na Câmara, tachando de desnecessária e populista parte do parágrafo único do art. 1.º, aqui transcrito: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego” (grifo meu). Observe-se que o objetivo fundamental, constante do caput do artigo, é a estabilidade de preços. Zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro já faz parte do arcabouço legal vigente. Vejamos os outros dois objetivos. O segundo, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica, enriquece, no lugar de reduzir, a autonomia. Em primeiro lugar, porque funciona dos dois lados. O BC pode endurecer a política monetária para evitar booms exagerados que aticem a inflação ou ser arrojado com a redução dos juros, nas fases de escassez de demanda, evitando longos períodos de aumento acentuado no desemprego. Em segundo lugar, porque a suavização das flutuações da atividade econômica está de acordo com as numerosas constatações empíricas internacionais sobre a existência de histerese do ciclo econômico. Em física, histerese pode ser entendida como “retardo” ou, de acordo com o Dicionário Houaiss, “fenômeno apresentado por determinados sistemas físicos cujas propriedades dependem de sua história precedente”. Em economia, significa que os ciclos econômicos acentuados podem, de fato, afetar a taxa de crescimento de longo prazo, ao contrário do que a teoria, até pouco tempo dominante, apregoava. Há vários canais pelos quais a histerese pode se manifestar, dentre os quais, destacam-se: (1) longos períodos de desemprego acentuado resultam em perdas de habilidades e desatualizações, erodindo o estoque de capital humano; (2) maior e mais rápida obsolescência do estoque de capital; (3) fuga de cérebros; (4) redução da autoestima e das expectativas dos trabalhadores, que se acostumam no subemprego ou na informalidade; (5) piora das expectativas, diminuindo a disposição de assunção de riscos, entre vários outros. Finalmente, tendo a concordar que o terceiro objetivo, fomentar o pleno-emprego, é desnecessário, porque os bancos centrais que adotam o regime de metas já levam em conta, em seus modelos, o grau de sacrifício imposto pelas políticas monetárias contracionistas. No entanto, há exagero no entendimento de que o BC poderia ser cobrado judicialmente por isso. O projeto de lei fala em pleno-emprego, não em desemprego nulo. Não há meta quantitativa para a taxa de desemprego. Caberá ao BC estimar qual é a taxa compatível com seu objetivo fundamental, a estabilidade de preços. A autonomia do BC, tal como foi aprovada na Câmara, é um importante avanço institucional no Brasil. *ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. O ESTADO DE S. PAULO
Cresce a concessão de benefício do INSS por via judicial, aponta Fipe
Nos últimos anos, a quantidade de benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) concedidos judicialmente apresentou expressivo aumento. Em 2004, para cada 50 benefícios concedidos, apenas um era liberado judicialmente. Já em 2020 (acumulado de janeiro a outubro), para cada oito concedidos, um era por decisão judicial. A judicialização está concentrada em benefícios como auxílio-doença; aposentadoria por idade, por invalidez e especial. Essas informações constam de artigo, publicado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), dos economistas Rogério Nagamine Costanzi e Alexandre Zioli Fernandes que trata da evolução da concessão de benefícios do INSS por meio de decisão judicial. O estudo foi feito com base nos dados do Sistema Único de Informações de Benefícios (Suibe) do INSS. Em 2020, a excessiva judicialização dos benefícios pagos pelo INSS voltou ao radar do governo. O tema chegou a ser discutido entre técnicos da área econômica com a Controladoria-Geral da União (CGU). Na ocasião, foi informado que o gasto do governo com pagamento de benefício com despacho judicial foi de R$ 92 bilhões em 2017. Segundo fonte da área econômica, em 2020, essa despesa deve ter atingido R$ 100 bilhões. De acordo com o artigo, de 2004 a 2020 (janeiro a outubro de 2020), a concessão de benefícios por decisão judicial sobre o total de concedidos passou de 2,1% para 13%. Em termos absolutos, houve o registro de cerca de 85 mil concessões judiciais, em 2004, que se elevaram para cerca de 552 mil no ano de 2019 e chegou a 540.446 no acumulado de janeiro a outubro de 2020. De junho de 2003 a outubro de 2020 foram concedidos cerca de 6,5 milhões de benefícios por decisões judiciais no INSS, que representou cerca de 8% do total. Esses dados não contemplam concessões administrativas baseadas em ação civil pública. No caso do auxílio-doença previdenciário, do total 35,1 milhões desse tipo de benefício concedido de junho de 2003 a outubro de 2020, cerca de 1,2 milhão foram liberados com despacho judicial, o que resulta em um índice de concessão judicial da ordem de 3,5% (abaixo da média de 8%). “Entretanto, apesar de ser abaixo da média, como representa mais de 40% das concessões totais, essa espécie acaba respondendo por quase uma em cada cinco concessões judiciais (19,1% do total no período de junho de 2003 a outubro de 2020)”, explica o estudo. O levantamento mostra ainda que o índice de concessão judicial na aposentadoria por idade foi de 15,5%, quase o dobro da média do INSS como um todo (8%). “Embora seja necessário aprofundar essa análise, possivelmente, tal fato reflete, entre outros fatores, a maior complexidade de comprovação da atividade rural, assim como comprovação de vínculos empregatícios mais antigos cujos períodos são necessários para completude do período de carência. Do total de 1,6 milhão de concessões judiciais, cerca de 177 mil eram urbanas e 1,4 milhão eram rurais (89% do total)”, aponta o artigo. O terceiro benefício com elevado volume judicial foi a aposentadoria por invalidez previdenciária, com 976 mil benefícios, o que correspondeu a 15% do total no período de junho de 2003 a outubro de 2020. O índice de concessão judicial dessa espécie foi de 28,7%. “Claramente, os benefícios que exigem perícia médica, e não se resumem a meramente contagens de tempo de contribuição e idade, representam parcela importante das concessões judiciais”, informa o estudo. Em relação às espécies com maior percentual de judicialização, a aposentadoria especial (75%) e auxílio-acidente (68%) são benefícios que têm concessão mais complexa pela comprovação de exposição a agentes nocivos e de sequela decorrente de acidente. Para o especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP, o elevado patamar de benefícios liberados por meio de decisão judicial pode refletir imprecisão de regras que abrem margem para questionamentos. “É um mal sinal que implica em aumento do custo para os segurados e para o governo, além de provocar demora na concessão do benefício”, disse o economista. VALOR ECONÔMICO
Contratação de profissionais de outras cidades vira tendência, dizem especialistas
Quase um ano após a adoção em massa do trabalho remoto por causa da pandemia, as empresas de recrutamento começam a identificar a tendência de contratação de profissionais fora das cidades onde fica a sede do empregador. O movimento é mais forte no mercado de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e marketing digital, mas começa a ganhar força em áreas financeiras e no setor administrativo. Ricardo Basaglia, diretor da Michael Page, diz que aumentaram os casos de empresas estrangeiras contratando profissionais que moram no Brasil. Também subiu contratação de profissionais que moram no interior dos estados por companhias localizadas nas capitais. Segundo Alexandre Benedetti, sócio do Talenses Group, empresas americanas e portuguesas estão contratando brasileiros com mais agilidade, sem depender de questões como visto e imigração. “O volume de candidatos que se pode buscar aumenta muito”, afirma. Giovana Cervi, sócia da Signium, diz que essa flexibilização do local de moradia está se disseminando por vários segmentos. Mas ela ressalva que o momento ainda é de experiências e será preciso esperar o fim da pandemia para avaliar se a tendência vai se consolidar. “Vamos chegar a um momento em que parte das pessoas trabalhará do escritório e parte de longe. Será preciso aprender a lidar com essa nova realidade”, diz. A XP afirma ter recrutado 852 pessoas de fora de São Paulo, onde fica sua sede, no segundo semestre de 2020. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Porto Alegre são as cidades que têm o maior número de novos profissionais. Na Rappi, Fernando Vilela, diretor de marketing, diz que a companhia passou a contar com dois tipos de vagas, as que permitem o trabalho em qualquer lugar e as específicas para regiões delimitadas, como no setor comercial, que exige visitas a parceiros. Na equipe liderada diretamente por Vilela, 65% dos profissionais ficam fora de São Paulo, incluindo funcionários no México e na Colômbia. “Com a pandemia, abrimos a cabeça e vimos que parte das vagas não precisam ter uma cidade definida e podemos contratar gente no mundo inteiro”, afirma. Marília Amêndola, diretora de pessoas da fintech Will Bank, diz que a companhia passou a buscar mais profissionais de cidades do interior, em diferentes estados. Com escritório em São Paulo e Vitória, a empresa também fez até uma contratação em Paris no ano passado. “Ao abrir a possibilidade de contratação 100% remota, conseguimos atrair candidaturas no Brasil inteiro e aumentar nosso time técnico em áreas críticas”, afirma. FOLHA DE S. PAULO
Tributação sobre serviços na produção mobiliza a indústria
Diante da participação cada vez maior dos serviços na produção brasileira, a tributação incidente sobre a compra desses itens entrou no radar do governo e das empresas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) dialoga com o Ministério da Economia sobre formas de evitar que a taxação sobre serviços siga impactando os preços dos produtos exportados pelo Brasil. Estima-se que de 2014 a 2019 eles tenham representado até R$ 196 bilhões nas vendas para o exterior, que somaram R$ 4,3 trilhões no período. “Não podemos exportar impostos”, afirmou ao Valor o diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi. A proposta da entidade é criar um mecanismo similar aos que já existem para mercadorias, como o Drawback e o Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Aduaneiro Informatizado (Recof), para os serviços nacionais e importados voltados a itens destinados ao mercado externo. A desoneração de serviços é um elemento cada vez mais importante da agenda de competitividade da indústria, comentou. A participação dos serviços no valor da produção da indústria de transformação passou de 9,2% em 2005 para 23,7% em 2015. O arcabouço tributário precisa acompanhar essas mudanças para que não seja empecilho à modernização da indústria, à competitividade, nem à chegada da indústria 4.0, que agregará um volume ainda maior de serviços e inteligência aos produtos. Esse é o centro da atenção da CNI, ao elaborar a proposta. A anulação da cobrança dos três tributos mais pesados, PIS/Cofins, Cide Remessas e ISS, daria às exportações brasileiras um ganho de competitividade médio de 4,6%, podendo chegar a 7% nos setores mais intensivamente exportadores, aponta estudo da CNI. Essa é a proposta que será debatida nesta segunda-feira com o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Roberto Fendt, e outros integrantes da pasta em um seminário sobre servicificação promovido pela confederação. Em nota, o Ministério da Economia afirmou que sua atuação tem sido pautada por iniciativas que promovam o aumento da inserção internacional da economia e que o acesso a serviços de maior qualidade a custos reduzidos por parte do setor produtivo “desempenha um papel fundamental” para impulsionar a produtividade e competitividade das exportações. A pasta também confirmou que “vem estudando e dialogando com o setor privado sobre a adoção de medidas que diminuam os custos para a aquisição de serviços vinculados à produção e comercialização de bens exportados”. “Sentimos uma disposição positiva”, disse Abijaodi, ao falar sobre discussões técnicas já realizadas no ministério sobre a proposta. Num momento em que a crise fiscal pressiona na direção contrária à eliminação de tributos, ele pondera que a medida é importante para a inserção internacional do Brasil, um dos principais itens do programa econômico do governo. Tem impacto também no aumento das exportações e na recuperação da atividade. Os benefícios econômicos são o argumento também para justificar a eliminação do ISS pelas prefeituras. O mecanismo de desoneração na importação e compra local de serviços para a produção destinada à exportação proposto pela CNI é uma resposta a essa nova realidade, disse a gerente de Diplomacia Empresarial e Competitividade do Comércio da CNI, Constanza Negri Biasutti. É também uma forma de reduzir a discrepância em relação a outros países. “O Brasil destoa muito do mundo”, afirmou. Aqui, a importação de serviços sofre a incidência de seis tributos, enquanto outros países não cobram nada. Impostos e contribuições representam quase 60% do valor líquido do serviço. Nas compras locais, há três diferentes taxações. São, além disso, tributos cumulativos. Ou seja, pesam mais quanto mais longa for a cadeia de produção. Outro problema é a complexidade das regras. Abijaodi comentou que a CNI apoia a reforma tributária, que eliminaria pelo menos em parte o problema da cumulatividade. No entanto, a proposta da CNI continua necessária mesmo num cenário de aprovação. Primeiro, porque os desenhos de reforma tributária que estão em exame preveem longos prazos de transição. E nenhuma delas elimina a Cide Remessas, um tributo criado para estimular a produção de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg local. Head da área tributária da AGCO no Brasil – fabricante e distribuidora de equipamentos e soluções agrícolas -, Rafael Dornelles reforçou que, embora ainda seja alto o peso dos materiais, a participação dos serviços no custo final vem crescendo cada vez mais. E, para ele, a tendência é que esse processo se acentue. “Se a prestação de serviços, especialmente para os exportadores, é muito carregada de tributos, ela gera ineficiência”, defendeu. VALOR ECONÕMICO
‘Não é hora de aumentar imposto de itens que estão na mesa de todos’, diz gestor da Apas
A inflação dos produtos vendidos nos supermercados paulistas desacelerou em janeiro para 1%, após alcançar 2,2% em dezembro, segundo o Índice de Preços dos Supermercados, calculado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas) e a Fipe. Esse movimento, no entanto, está longe de ser um ciclo de queda de preços, na avaliação do gestor de Relações Institucionais da Apas, Rodrigo Marinheiro. Isso porque itens importantes como as carnes e os queijos dos tipos mais comuns como muçarela, prato e minas, que já tiveram aumento de ICMS em meados de janeiro, terão novo reajuste de imposto em de 1º de abril. “Não é hora de aumentar imposto de itens que estão na mesa de todos”, diz. Como estão os preços dos produtos vendidos nos supermercados?Em janeiro tiveram uma desaceleração. Fecharam com alta de 1%, depois de terem atingido 2,2% em dezembro. O resultado de janeiro poderia ter sido menor se não tivesse ocorrido o aumento da alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em meados do mês. Até 14 de janeiro o ICMS das carnes estava em 4,5% e dos queijos muçarela, prato e minas em 12%. No dia 15, o ICMS da carne subiu para 4,7% e desses queijos para 13,3%. Se não tivesse tido esse aumento de imposto a alta de preço desses produtos teria sido bem menor. E no caso da carne suína, que houve deflação, teria sido mais significativa. A desaceleração dos preços em janeiro é tendência?No geral está longe de ser um ciclo de queda de preços. É mais uma acomodação das cotações que tem a ver com pressão menor das exportações e também com o fim do auxílio emergencial. As pessoas já não tem mais aquele ímpeto de consumo e pensam duas vezes antes de comprar. Mas temos no horizonte uma nova rodada de aumento de impostos para 1º de abril. A alíquota do ICMS sobre as carnes sobe para 5,5% e sobre os queijos, para 18%. Os supermercados vão repassar esse aumento de imposto para o preço?Desde o início da pandemia estamos com margem de lucro muito pequena. Não temos como absorver tudo. Por isso somos contra qualquer tipo de aumento de imposto, sobretudo neste momento de tanto desemprego. Não é hora de aumentar imposto de itens que estão na mesa de todos. Como resolver essa questão?Esses aumentos estão programados em decretos baixados pelo governo do Estado de São Paulo no fim de 2020. Nós esperamos que o governo volte atrás e revogue esses decretos. O ESTADO DE S. PAULO
Caminhoneiros aprovam decisão de Bolsonaro sobre isenção no diesel
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de zerar a cobrança de PIS, Cofins e Cide sobre o preço do óleo diesel foi bem recebida pelos caminhoneiros. Eles entendem, no entanto, que se trata de uma medida paliativa enquanto não se encontra uma solução definitiva. Em live feita na quinta-feira, 18, o presidente afirmou que a partir de 1º de março não haverá cobrança de nenhum imposto federal sobre o diesel por dois meses. Para Aldacir Cadore, uma das lideranças do Comando Nacional dos Transportes (CNT), a forma de reajuste da Petrobrás é muito prejudicial aos caminhoneiros. “Imagina um motorista que sai do Rio Grande do Sul para o Nordeste, numa viagem que pode durar 25 dias. Ele sai de casa com o litro do combustível num preço e volta com outro bem diferente”, diz ele, explicando sobre a imprevisibilidade no orçamento. Segundo ele, até 2018 os autônomos representavam cerca de 6% do consumo de diesel. Hoje esse porcentual está em torno de 4%. Na avaliação de Cadore, desde a greve que paralisou o País, em 2018, empresas de diferentes setores adotaram medidas para aumentar suas frotas, reduzindo o trabalho dos caminhoneiros autônomos. O presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o Chorão, é mais pessimista em relação à decisão do presidente de zerar, momentaneamente, a cobrança de impostos federais para resolver os problemas do setor. “Se em dois anos o governo não conseguiu encontrar uma solução para reduzir o massacre que o setor está sofrendo, em dois meses será muito difícil.” Segundo ele, há uma serie de reivindicações feitas pelos caminhoneiros nos últimos anos ainda pendentes de solução em Brasília, como as ações de inconstitucionalidade da tabela do frente, que está no Supremo Tribunal Federal (STF). O ESTADO DE S. PAULO
Guedes diz que vai compensar isenção de tributos federais sobre diesel e gás de cozinha
O ministro da Economia, Paulo Guedes, garantiu a interlocutores que a decisão do presidente Jair Bolsonaro de zerar os tributos federais sobre o diesel e o gás de cozinha será acompanhada de medidas para compensar a perda de receitas, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A sinalização é importante porque vem depois de Bolsonaro flertar com uma flexibilização da LRF para dispensar essa contrapartida, o que poderia fragilizar ainda mais as contas e abrir a porteira para novas benesses. A garantia de compensação e o respeito à LRF têm sido cobrados até internamente. Técnicos na área econômica demonstram resistências em levar adiante uma concessão de benefício no diesel e no GLP sem a devida contrapartida, sobretudo num momento em que a equipe encampa uma batalha com o Congresso para conseguir a aprovação de medidas de ajuste fiscal para ajudar a pagar a conta da crise da covid-19. Além disso, qualquer suspeita de afronta às leis na implementação da medida anunciada por Bolsonaro levaria técnicos a responderem individualmente, com seus CPFs. Por isso, ninguém quer assumir esse risco. Na semana passada, o presidente havia indicado a possibilidade de mudar a LRF para destravar a medida, que é um aceno aos caminhoneiros, grupo que integra a base de apoiadores de Bolsonaro. O ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid afirma que a exigência de compensação se aplica a este caso e rechaça o argumento de que a não aprovação do Orçamento até agora permitiria o recálculo das receitas e livraria o governo dessa obrigação. “Tem de ter um ato concomitante, um ato concreto. Uma medida provisória ou um decreto”, diz. Ele ressalta que a compensação tem de ser apresentada com a isenção do diesel e do GLP, ainda que entre em vigor depois – algumas mudanças de tributos requerem a chamada “noventena”, período de 90 dias antes de passarem a valer. Lista de opçõesCom a garantia de Guedes de que haverá compensação, os técnicos agora se debruçam sobre a lista de opções para fazer frente à renúncia, calculada em cerca de R$ 3 bilhões, segundo fontes da área econômica. Na mira estão benefícios concedidos a diferentes setores, em tributos como IPI, IOF e o próprio PIS/Cofins, mas até agora não há decisão de quem vai pagar a conta. A preferência é por medidas que dependam apenas de um decreto presidencial, sem necessidade de aval do Congresso. Na lista, há desde incentivos ao setor de aeronaves até à água mineral, mas escolher uma cesta capaz de compensar a benesse no diesel e no gás de cozinha “é a parte mais difícil”, nas palavras de uma fonte ouvida pela reportagem. A busca é por uma solução que seja suficiente para o impacto da medida em todo o ano, ainda que o benefício sobre o diesel dure apenas dois meses. Na prática, essa compensação pode ser mais “diluída” ao longo dos meses, embora a benesse seja concentrada. Segundo uma fonte da área econômica, a atuação do governo sobre os preços de combustíveis deveria ser como a do Banco Central no câmbio, reduzindo volatilidade, mas sem interferir na trajetória do preço. O ESTADO DE S. PAULO