‘Redução das desigualdades sociais tem de ser feita com gastos mais direcionados’

Combinar a adoção de medidas sociais com sustentabilidade da dívida é factível, segundo a economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour. A aprovação da PEC Emergencial – que proibiria, por exemplo, reajustes salariais de servidores caso as dívidas do governo superassem os gastos obrigatórios – poderia abrir espaço para se investir em programas sociais, segundo Solange. O entrave, acrescenta ela, é político. “O governo precisa ser o grande formulador e defensor dessas duas coisas (teto dos gastos e programas sociais). Não vai sair nenhuma revisão de gasto social ou corte de despesa obrigatória se a liderança não for do Executivo”, diz. Outra dificuldade, de acordo com a economista, é que o tempo está correndo e o País já deveria estar com essas medidas encaminhadas. “O auxílio emergencial acaba em dezembro e o Brasil está atrasado nessa discussão, que já era para ter acontecido.” Ainda segundo a economista, a redução da desigualdade social no pós-covid tem de ser feita com gastos públicos mais bem direcionados, e não via aumento de impostos. “Temos de fazer uma revisão nos gastos e aí, de novo, a reforma administrativa é uma reforma que traz justiça social.” ● Como avalia a trajetória da dívida brasileira? Houve um aumento de quase 20 pontos porcentuais na relação dívida/PIB em um ano. Estimamos que a dívida fique próxima de 96,5% do PIB neste ano. É um nível muito elevado para o Brasil rolar. Durante a crise, a gente acabou encurtando o prazo médio da dívida. Então, há uma necessidade de rolagem elevada durante todo o ano que vem e o mais importante, além do tamanho da dívida e do fato de a gente precisar rolar no curto prazo, é a trajetória dos gastos. Essa trajetória permitiria aos investidores ter confiança de que a dívida é sustentável. Isso porque o país pode ter um nível de dívida muito elevado – e tem vários países desenvolvidos com um nível muito mais elevado do que o do Brasil -, mas o que importa é a trajetória da dívida. Essa trajetória é fundamentada nos gastos públicos e, nesse caso, o Brasil está realmente em uma situação muito difícil. Estamos discutindo a manutenção ou não do teto de gastos (lei que limita as despesas federais ao valor do ano anterior, corrigido pela inflação), e isso vai definir o que acontecerá com a dívida/PIB daqui para frente. ● A sra. comentou que, em 2021, será preciso rolar um grande volume de dívida. Há risco de o governo não conseguir? Risco existe. Na verdade, o Tesouro teve dificuldade de rolar a dívida alguns meses atrás, porque a dúvida sobre a sustentabilidade fiscal acabou gerando prêmios altos, prêmios demandados pelos investidores, principalmente na dívida de longo prazo. Por isso, o Tesouro começou a rolar a dívida de curto prazo. Houve um momento em que os investidores começaram a exigir também prêmios maiores na dívida de curto prazo. Agora, no fim do ano, está um pouquinho mais calmo por dois fatores. Primeiro, porque os vencimentos (de dívida) são menores e, depois, porque o cenário internacional melhorou bastante. O apetite ao risco aumentou depois da eleição do Joe Biden e com esse surgimento de vacinas.Deu uma aliviada, mas, a cada leilão, o mercado fica tenso, e esse risco vai voltar no primeiro trimestre, quando temos um volume elevado de vencimentos. Fora isso, o mercado pode ficar estressado porque, além dos vencimentos elevados, tem a dúvida se o Brasil vai aprovar a PEC Emergencial ou não e se o governo vai estender ou não o auxílio emergencial. ● Quando a sra. diz que há risco, seria risco de não renovar ou de renovar em condições ruins? Renovar em condições piores, porque o mercado vai exigir um prêmio maior e o Tesouro vai precisar aceitar. É muito difícil não conseguir rolar. É uma questão de custo, que vai ser mais elevado e o prazo, mais curto. Porque, quando o risco é maior, os investidores querem rolar no curto prazo, porque não tem uma visibilidade de longo prazo. O fato de o Tesouro acabar sendo levado a rolar os títulos de curto prazo traz um risco grande também, porque acaba tendo de rolar mais vezes ao longo do tempo. ● Desde que o governo aumentou os gastos para reduzir os efeitos da pandemia, há uma pressão sobre o teto dos gastos. Como conciliar o teto com a necessidade de resolver os problemas sociais? O problema é que o Brasil tem uma série de gastos obrigatórios que crescem a uma taxa muito acima do PIB. O teto limitou esse crescimento das despesas à inflação. Antes de ser implementado, a taxa real de crescimento das despesas era de 6% ao ano, bem acima do crescimento do PIB. Com essa limitação do teto, as despesas discricionárias e os programas sociais tiveram de entrar no teto. Mas a ideia toda, na construção do teto, era que o Brasil iria aprovar uma série de reformas que diminuiria a taxa de crescimento desses gastos, abrindo espaço para investimentos e gastos sociais. O problema é que a gente só fez uma pequena parte das reformas e, durante essa crise, acabou gastando toda economia que a reforma da Previdência traria em dez anos. A crise da covid trouxe uma parada súbita da economia, muitas pessoas ficaram deslocadas do mercado de trabalho e foi necessário um programa de sustentação da renda. Agora, a economia está voltando a funcionar. Com essa volta, tem pessoas retornando ao mercado de trabalho. Então, a gente tem de transitar de um programa de auxílio à renda, que foi necessário, para um programa que vai lidar com o aumento da desigualdade social derivada dessa crise. Mas, para lidar com isso e ao mesmo tempo manter a regra fiscal, ter credibilidade de que os gastos não vão crescer acima do PIB, o Brasil precisa fazer alguma reforma de curto prazo. Precisa fazer cortes de gastos obrigatórios que permitam aumentar o gasto social. É essa a discussão da PEC Emergencial. A PEC Emergencial abriria espaço dentro do
A lição das urnas e a omissão do governo (Celso Ming)

Durante os últimos quatro meses, as grandes decisões de política econômica foram sendo adiadas porque conteriam maldades destinadas a ajustar a economia e essas maldades poderiam prejudicar os interesses do governo nas eleições. Mas as eleições mostraram que algumas das apostas políticas do governo deram errado. Quase nenhum candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro conseguiu eleger-se. E isso mostrou que o auxílio emergencial, que já distribuiu cerca de R$ 275 bilhões à população carente, não funcionou como recurso eleitoral. Parecem ter pesado mais no outro prato da balança (contra o governo) o desemprego, que chegou a 14,1 milhões de pessoas, segundo dados da última Pnad Contínua, e as incertezas quanto ao futuro. O desempenho negativo da economia que está derrubando a avaliação do governo pelo eleitor não foi compensado pela distribuição do “coronavoucher” que, afinal, garantiu a sobrevivência de 68 milhões de pessoas. Para o presidente Bolsonaro, o principal recado das eleições foi o de que não bastam políticas puramente populistas para garantir legitimação para o exercício de seu mandato. Para isso é preciso mostrar serviço na condução da política econômica. Ou seja, uma séria correção de rumo tem de começar por avanços consistentes em direção ao reequilíbrio das contas públicas, o que implica uma redistribuição da conta da crise para a sociedade. No momento, o governo parece ter evocado outro efeito calendário para não agir. Trata-se das negociações para eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se é para adiar, mais uma vez, a tomada de decisões, então ficará claro que o governo sempre encontrará desculpas para empurrar tudo com a barriga e a economia continuará se deteriorando, sabe-se lá até que ponto. Há quem entenda que, a partir do momento em que começar a ser aplicada a vacina, tudo poderá mudar para melhor: a retomada, as expectativas dos investidores e até mesmo o apoio político que hoje falta. Haverá, sim, esse efeito positivo. Mas depois de quase um ano de política negacionista e de desdém enfático à vacina, não seria esse efeito que beneficiaria o presidente Bolsonaro a ponto de deixá-lo em melhores condições para começar a agir. A falta de planejamento aponta que uma das apostas do governo é a de que sobrevenha a recuperação em V (grande) e que bastará o aumento da arrecadação para consertar tudo. Ou então, que na falta de uma saída indolor, o governo poderá emitir moeda para pagar as contas – imaginando que essa política não produzirá impacto inflacionário. Mas esperar que o socorro caia do céu pode ser desastroso. Se é para respeitar a lei do teto de gastos e colocar em marcha as reformas, então será preciso arregaçar as mangas para começar a trabalhar no ajuste. As próximas semanas que antecedem o recesso do Congresso deverão indicar até que ponto se poderá esperar por avanços em direção às reformas mais por iniciativa do Congresso e não tanto pela capacidade de articulação do Executivo. Em 2017, o bitcoin havia chegado a seu ápice em dólares, perto dos US$ 19,8 mil por unidade. De lá até março, sofreu forte recuo porque ficou com fama de ativo especulativo. Mas, no início da semana, o ativo renovou sua máxima histórica, ultrapassando a cotação de US$ 19.864 por unidade. O jornal americano The New York Times observa que o bitcoin se tornou importante opção para investidores, mais ou menos como tem sido o ouro. Ou seja, aponta o ‘Times’, o bitcoin deixou de ser apenas opção para especuladores. O ESTADO DE S. PAULO
PIB tem alta recorde de 7,7%, mas fica abaixo do esperado

Uma maior reabertura das atividades em meio à pandemia e o impulso dado pelo auxílio emergencial fizeram a economia registrar no terceiro trimestre o maior crescimento em duas décadas. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) saltou 7,7% ante o segundo trimestre, informou nesta quinta-feira, 3, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa é a maior variação da série histórica, iniciada em 1996, mas ficou abaixo do esperado por analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Projeções Broadcast, que previam avanço de 8,80%. Com esse resultado, a economia do País está no mesmo patamar de 2017, com uma perda acumulada de 5% de janeiro a setembro, em relação ao mesmo período de 2019. Embora seja mais forte do que o esperado no início da crise, a retomada ainda é insuficiente para recuperar as perdas do primeiro semestre. Tanto que o PIB registrou queda de 3,9% na comparação com igual período de 2019. A retração do PIB em 2020 deverá ficar em 4,50%, conforme pesquisa do Projeções Broadcast feita antes da divulgação dos dados do IBGE. Ainda que menor do que as primeiras projeções, feitas quando a covid-19 se abateu sobre a economia, se confirmada, será a maior queda anual da história – a mais intensa até hoje foi registrada em 1990 (-4,35%), na série histórica iniciada em 1901. Em parte, a forte alta do terceiro trimestre se explica por um efeito estatístico. O salto se segue ao recuo de 1,5% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2019 e ao tombo, também recorde, de 9,6% no segundo trimestre. De abril a junho, a retração foi tão pior do que em outras crises porque a economia foi “desligada” no início da pandemia, diz Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas. Como explica Zilbermann, o PIB é uma medida de fluxo, de quanto se gera de valor continuamente ao longo do tempo. Em outras crises – causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, etc. -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos. Assim, lojas vendem menos, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda caindo e reduzem a produção, mas seguem produzindo. E o fluxo se reduz na comparação com períodos anteriores. Só que o “desligamento” na pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero, uma enorme queda na comparação com os fluxos de períodos anteriores. Mesmo que a parada para valer tenha ocorrido em abril, o fundo do poço, a reabertura gradual a partir de maio foi insuficiente para salvar o PIB do segundo trimestre, formado pelo fluxo contínuo em cada um dos meses. Isso impulsionou o PIB industrial, que cresceu 14,8% sobre o segundo trimestre, com destaque para a indústria de transformação. Esse segmento, que inclui a fabricação de alimentos, saltou 23,7% sobre o segundo trimestre e registrou ligeira queda, de 0,2%, ante o terceiro trimestre de 2019. Para Silvia, apenas a mudança na demanda das famílias explica a atividade da indústria de transformação ficar em nível tão próximo ao do ano passado. A retomada desigual também foi vista no PIB de serviços, que saltou 6,3% ante o segundo trimestre. O comércio, que inclui o atacado, avançou 15,9%, enquanto os “outros serviços” cresceram 7,8%. Essa atividade, que inclui hotéis, bares e restaurantes, despencou 14,4% ante o terceiro trimestre de 2019, indicando que, sem um controle da covid-19, a demanda por esses serviços está longe de voltar ao normal. No terceiro trimestre, bastou a economia passar todo o período “religada” para o fluxo de valor gerado ficar muito acima do registrado no PIB do segundo trimestre, explica Zilbermann. Mesmo assim, esse fluxo foi inferior ao registrado nos trimestres de 2019, antes da pandemia. Por isso, a alta recorde sobre o trimestre imediatamente anterior não significa o fim da crise. O quadro só não foi pior por causa das medidas do governo federal para mitigar a crise, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais e as complementações de renda dos trabalhadores formais que tiveram suas jornadas de trabalha suspensas ou reduzidas. “A recuperação no Brasil foi melhor do que nos pares na América Latina. Atribuo isso às políticas fiscal e creditícia”, diz Zilbermann. Economistas já vinham ressaltando que o auxílio emergencial – que começou em R$ 600 ao mês e passou a R$ 300 por mês desde setembro – impulsionaria a economia. Nos primeiros meses, a renda extra chegou a tirar milhões de brasileiros da extrema pobreza, mas uma reversão nesse movimento já a partir de setembro reforçou seu caráter temporário. O consumo das famílias cresceu 7,6% sobre o segundo trimestre, puxando a recuperação. Só que mesmo o avanço do consumo trouxe traços “heterogêneos” e “disfuncionais” da recuperação, segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Com as famílias ficando mais em casa, mesmo após a flexibilização das restrições em várias cidades, o consumo de bens, especialmente os essenciais, como alimentos, avançou mais. Segundo Silvia, essas peculiaridades levam incerteza sobre a recuperação. Os níveis de atividade da indústria de transformação e do comércio podem não se manter com a normalização dos hábitos das famílias. Além disso, o consumo tende a perder impulso sem o auxílio emergencial, a partir de janeiro. A pesquisadora do Ibre/FGV vê a economia com crescimento nulo, ou até novas quedas, no primeiro semestre de 2021. Por isso, a manutenção do auxílio emergencial no próximo ano, ou sua substituição por um programa mais abrangente do que o Bolsa Família, tem dividido o debate entre economistas. Para Silvia, a economia brasileira está “entre a cruz e a espada”. De um lado, sem os gastos com transferência de renda, o consumo perde impulso. De outro, sem um remanejamento das despesas, os novos gastos agravam o rombo nas
Alta recorde do PIB tira País da recessão? Não é bem assim

Após dois trimestres de queda, o crescimento de 7,7% no Produto Interno Bruto (PIB, soma de todo o valor gerado na economia num período) do terceiro trimestre foi recorde na série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1996. Com tamanha alta, a recessão iniciada no primeiro trimestre, por causa da pandemia de covid-19, ficou para trás? A resposta não é simples e pode ficar mesmo para 2021. Quando o IBGE informou que o PIB do segundo trimestre despencou 9,7% sobre os três primeiros meses do ano, também uma queda recorde, a economia brasileira entrou em “recessão técnica”, confirmando o ciclo recessivo. Antes mesmo de sabermos que o PIB teve dois trimestres seguidos de queda – o que basta para caracterizar a “recessão técnica” -, o Codace, comitê independente da Fundação Getulio Vargas (FGV) que se dedica a marcar os ciclos da economia, já havia registrado o início de uma recessão no primeiro trimestre. Tradicionalmente, economistas dedicados a estudar os ciclos econômicos levam mais tempo para registrar o início das recessões. Outros dados da atividade econômica, como aqueles do mercado de trabalho, são levados em conta, para além da simples variação do PIB. O registro do Codace/FGV foi atípico. Os impactos da pandemia de covid-19 foram tão fortes e evidentes que deixaram logo claro que a economia entrou em recessão – nos Estados Unidos, o comitê análogo do NBER, um dos mais antigos e tradicionais institutos de pesquisa econômica independente, também foi mais rápido do que o usual para registrar o início da recessão por lá. Por outro lado, se foi fácil apontar quando a recessão da covid-19 começou, não basta que a economia volte a crescer para que um País saia do ciclo recessivo, explicou Paulo Picchetti, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e um dos membros do Codace. É preciso verificar a magnitude da recuperação em relação à queda iniciada no atual ciclo recessivo e outros indicadores econômicos. Embora tenha sido recorde, o crescimento do PIB no terceiro trimestre foi insuficiente para apagar a queda do primeiro e do segundo trimestres. Além disso, lembrou Pichetti, há incertezas em relação ao ritmo do crescimento econômico neste quarto trimestre e nos três primeiros meses de 2021. Os efeitos da “segunda onda” da pandemia, ou pelo menos da volta do crescimento de casos de covid-19, sobre a economia ainda não estão claros. Ao mesmo tempo, a redução do auxílio emergencial para trabalhadores informais – que passou de R$ 600 ao mês para R$ 300 ao mês desde setembro – e sua retirada a partir de janeiro de 2021 sugerem arrefecimento do consumo. O ano que vem poderá começar com uma retração do PIB, como já estimam alguns economistas. Uma nova retração da economia no primeiro trimestre de 2021, após dois trimestres de avanço no segundo semestre deste ano, poderá ser classificada tanto como uma nova recessão quanto como uma continuidade da atual, disse Pichetti. O tamanho da recuperação neste segundo semestre e o espalhamento da retomada por todos os setores deverá ser levada em conta. “Não sabemos se a recuperação do terceiro e do quarto trimestres leva pelo menos ao patamar do fim de 2019 nem qual será o recuo eventual no primeiro trimestre”, afirmou Pichetti, completando que não é fácil fazer qualquer afirmação sobre o fim da atual recessão sem saber qual será o desempenho da economia no primeiro trimestre de 2021. Esses dados deverão ser divulgados pelo IBGE no fim de abril ou início de maio. O ESTADO DE S. PAULO
Selic reduzida impacta encargos tributários

Recentemente, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) manteve, pela segunda vez consecutiva, a taxa Selic no atual patamar de 2%, o menor em toda a história. Além das diversas repercussões econômicas, a tendência de Selic baixa acirra a diferença entre este índice e aqueles utilizados para a correção dos débitos estaduais (a exemplo, MT, PA e PR) e municipais (a exemplo, Barueri, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), que aplicam índices maiores, como o IPCA somado aos juros de mora de 12% ao ano. Soma-se a esse contexto econômico, o aumento da inadimplência, causada pela pandemia do covid-19. Ou seja, dívida rolada e correção monetária superando a taxa básica de juros formam um passivo preocupante para os contribuintes. Há salvaguarda? A resposta é positiva. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.062 (ARE nº 1.216.078), limitou os índices de correção dos débitos fiscais estaduais e municipais ao patamar da taxa Selic. O fundamento jurídico recai na impossibilidade de os encargos incidentes sobre créditos fiscais definidos pelos entes federativos superarem o índice estabelecido pela União em seus créditos. Tratando-se de matéria financeira, devidamente regulada pela União, os demais entes somente podem exercer validamente sua competência suplementar prevista no art. 24, I da Constituição Federal nos limites estabelecidos pela legislação federal. Assim decidiu a Corte Suprema do país. Isso significa que, qualquer que seja o índice de correção monetária e taxa de juros de mora adotados pelos Estados e municípios para corrigir seus créditos fiscais, estes não podem superar os percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins. Nos casos em que as dívidas estejam sendo corrigidas, por exemplo, pelo IPCA + 12% ao ano, todo o montante que superar 2% ao ano – atual índice da taxa Selic – será invariavelmente inconstitucional. Não obstante o caráter vinculativo do referido leading case, recentes decisões do TJ-SP (a exemplo, Agravo Interno Cível nº 2100687-53.2020.8.26.0000/50000, DJE 21/08/2020) têm negado o direito do contribuinte, fundamentando-se justamente nas reduções consecutivas pelo Copom da taxa Selic, alcançando índice supostamente inadequado para oferecer justa remuneração ao credor pela utilização de seu capital. Tal entendimento, contudo, além de representar violação às normas jurídicas tributárias, e à decisão plenária do STF, não possui respaldo econômico. A atualização do débito tributário possui a função de restituir ao Poder Público os gastos que teria em eventual emissão de dívida pública para suportar a despesa que não pôde ser quitada com a receita que foi recolhida aos cofres públicos a destempo. O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) efetua a custódia e registra as transações da maioria dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. A maior parte do custo da dívida brasileira está atrelada à Selic, de forma que a sua alteração influencia nos juros que serão pagos pelo país para quitar a dívida pública. Por sua vez, a queda na arrecadação ou o pagamento em atraso dos débitos fiscais – principal fonte de custeio das despesas públicas – torna necessário o aumento da dívida pública pelo governo, a partir da emissão de títulos públicos, para que se possa cumprir os projetos para o desenvolvimento do país. Justamente em razão desse círculo financeiro entre a queda da arrecadação e o aumento do endividamento público, é que os encargos moratórios fiscais devem ser estabelecidos de maneira proporcional aos juros pagos pelos débitos do governo no mercado financeiro – que, normalmente, são remunerados pela taxa Selic. Caso contrário, a natureza e a finalidade do cômputo dos juros moratórios e da atualização monetária seriam desvirtuados, permitindo que a União obtivesse uma rentabilidade sobre a dívida tributária muito superior à média do retorno obtido por meio de aplicações no mercado financeiro. Se não é legítimo para a União, tampouco para os Estados e municípios. Por isso, a ordem constitucional determina que a União estabeleça o teto financeiro para que as unidades federadas possam, dentro desse limite, reger seus próprios créditos. Em vista desse cenário jurídico e econômico é que deve ser combatida a previsão de diversos Estados e municípios de atualização dos débitos fiscais por índices que superam – e muito – a atual taxa Selic. Esse pleito tem motivado diversos contribuintes a aviar demandas judiciais para pleitear a limitação dos encargos moratórios ao índice federal, adequando-se ao entendimento inafastável consignado pelo STF. Afinal, além de impactar o caixa das empresas no caso de pagamento do débito, sua atualização em patamares muito superiores ao autorizado constitucionalmente aumenta os gastos com a contratação de garantias para manutenção da regularidade fiscal, majora os honorários devidos aos entes públicos em eventual sucumbência e pode impactar indevidamente o resultado contábil em contrapartida ao reconhecimento do débito atualizado como passivo contingente. Alice Gontijo Santos Teixeira e Izabella Bitar Barbosa são, respectivamente, doutoranda pela USP e mestre pela UFMG em Direito Tributário; sócia e advogada do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados VALOR ECONÔMICO
Indústria tem sexta expansão seguida, mas ritmo desacelera

A produção industrial avançou 1,1% em outubro na comparação com setembro, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse foi o sexto mês consecutivo de alta do indicador. Com essa trajetória, o indicador ficou 1,4% acima do patamar de produção de fevereiro, o último mês antes do início da crise provocada pela pandemia da covid-19. Apesar do crescimento nos últimos seis meses, a produção industrial ainda acumula queda de 6,3% no ano e recuo de 5,6% em 12 meses. Apesar da alta em relação a setembro, especialistas ouvidos pelo Valor observam que o avanço de outubro foi o menor para um mês desde que o setor retomou o crescimento em maio, após as taxas negativas de março e abril, meses em que fábricas fecharam as portas devido à política de isolamento social. De junho em diante, as taxas foram cada vez menores, apontando uma tendência de desaceleração na produção industrial. O gerente da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), André Macedo, atribui essa desaceleração, em parte, a uma acomodação natural do índice, que passou a ter uma base de comparação maior. Ele cita, também, a limitação de demanda à indústria imposta pela resistência do desemprego, que fechou outubro em 14,1%, índice mais alto dos meses de pandemia, segundo o IBGE. “A trajetória ascendente [da indústria] nos últimos meses tem muito a ver com a sustentação e recuperação do emprego e renda. Mas ainda há um contingente muito grande fora do mercado, o que limita o consumo e, portanto, a demanda da indústria.”. Altas mais significativas na produção industrial dos próximos meses, segundo ele, requerem geração mais intensa de emprego e renda, já que o efeito do simples retorno da atividade industrial sobre as taxas começa a se neutralizar. O especialista diz que ainda é cedo para apontar correlação entre a desaceleração da produção e a redução da cobertura e valor do auxílio emergencial, mas que é “provável” que o esvaziamento do benefício impacte negativamente a indústria nos próximos meses e ao longo de 2021. Economistas do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) definem como “incerto” o comportamento da indústria nos próximos meses, dado o aumento de casos de covid-19 no país (que poderia levar a novo fechamento de fábricas) e a redução e eventual extinção do auxílio. O Iedi também cita “pressões inflacionárias” como fator de inibição do consumo e, portanto, obstáculo à demanda por produtos industriais. A conjunção de fatores poderia refrear a retomada do setor. A alta de apenas 1,1% na margem frustrou as expectativas de analistas previamente consultados pelo Valor que, na média, esperavam um avanço de 1,55%. O economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, afirma que a escassez pontual de insumos explica o freio da produção nos últimos meses. Ele cita o caso da indústria de transformação, na qual se acumulariam relatos de falta de matéria-prima. Nishida também menciona o câmbio desvalorizado, que pode ter apresentado dificuldade à importação de insumos em alguns setores. Em outubro, das quatro grandes categorias econômicas da indústria, duas recuaram – ainda que próximas da estabilidade – e outras duas avançaram. Bens intermediários e bens semiduráveis e não duráveis recuaram 0,2% e 0,1% respectivamente em outubro. Somadas, as duas categorias têm peso de 80% na indústria, sendo os intermediários responsáveis por mais da metade da atividade industrial do país (55%). Em linha com a recuperação da indústria, os intermediários estão 3% acima do patamar pré-crise, enquanto a produção de semiduráveis e não duráveis está 0,1% abaixo da verificada em fevereiro. Os bens de capital, por sua vez, avançaram 7% na margem devido a um aumento na fabricação de caminhões e equipamentos de transporte. Já investimentos mais nobres, relacionados à modernização e ampliação dos parques em si, teriam mostrado leve recuo no mês, segundo o IBGE. A categoria está agora 3,5% acima do patamar pré-pandemia e, embora, contribua com apenas 10% do índice geral do setor, ajudou a mantê-lo no campo positivo. Os bens duráveis também tiveram produção em alta em outubro (1,4%) em razão do desempenho da atividade de veículos automotores, reboques e carrocerias, que avançou 4,7% no mês e teve o maior peso no índice geral. Segundo Macedo, do IBGE, a indústria de automóveis teria segurado sozinha a taxa positiva dos bens duráveis, enquanto ramos de peso experimentaram quedas de produção. Foram os casos de eletrodomésticos, motocicletas e mobiliários. Apesar de seis altas mensais consecutivas altas, a produção de bens duráveis ainda está 4,2% abaixo do patamar de fevereiro. Com relação ao conjunto das 26 atividades investigadas, 11 recuaram, indicando menor espalhamento do crescimento no setor, informou o IBGE. Além de automotores, contribuições positivas vieram de metalurgia (3,1%), farmoquímicos (4,5%) e máquinas e equipamentos (2,2%). Os principais impactos negativos vieram de produtos alimentícios (-2,8%), que tiveram interrompidos três meses de altas seguidas, e das indústrias extrativas (-2,4%), que registraram o segundo mês seguido de queda. VALOR ECONÔMICO
PIB tem alta recorde de 7,7%, mas fica abaixo do esperado e não recupera perdas

Uma maior reabertura das atividades em meio à pandemia e o impulso dado pelo auxílio emergencial fizeram a economia registrar no terceiro trimestre o maior crescimento em duas décadas. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) saltou 7,7% ante o segundo trimestre, informou nesta quinta-feira, 3, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa é a maior variação da série histórica, iniciada em 1996, mas ficou abaixo do esperado por analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Projeções Broadcast, que previam avanço de 8,80%. Com esse resultado, a economia do País está no mesmo patamar de 2017, com uma perda acumulada de 5% de janeiro a setembro, em relação ao mesmo período de 2019. Embora seja mais forte do que o esperado no início da crise, a retomada ainda é insuficiente para recuperar as perdas do primeiro semestre. Tanto que o PIB registrou queda de 3,9% na comparação com igual período de 2019. A retração do PIB em 2020 deverá ficar em 4,50%, conforme pesquisa do Projeções Broadcast feita antes da divulgação dos dados do IBGE. Ainda que menor do que as primeiras projeções, feitas quando a covid-19 se abateu sobre a economia, se confirmada, será a maior queda anual da história – a mais intensa até hoje foi registrada em 1990 (-4,35%), na série histórica iniciada em 1901. Em parte, a forte alta do terceiro trimestre se explica por um efeito estatístico. O salto se segue ao recuo de 1,5% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2019 e ao tombo, também recorde, de 9,6% no segundo trimestre. De abril a junho, a retração foi tão pior do que em outras crises porque a economia foi “desligada” no início da pandemia, diz Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas. Como explica Zilbermann, o PIB é uma medida de fluxo, de quanto se gera de valor continuamente ao longo do tempo. Em outras crises – causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, etc. -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos. Assim, lojas vendem menos, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda caindo e reduzem a produção, mas seguem produzindo. E o fluxo se reduz na comparação com períodos anteriores. Só que o “desligamento” na pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero, uma enorme queda na comparação com os fluxos de períodos anteriores. Mesmo que a parada para valer tenha ocorrido em abril, o fundo do poço, a reabertura gradual a partir de maio foi insuficiente para salvar o PIB do segundo trimestre, formado pelo fluxo contínuo em cada um dos meses. Isso impulsionou o PIB industrial, que cresceu 14,8% sobre o segundo trimestre, com destaque para a indústria de transformação. Esse segmento, que inclui a fabricação de alimentos, saltou 23,7% sobre o segundo trimestre e registrou ligeira queda, de 0,2%, ante o terceiro trimestre de 2019. Para Silvia, apenas a mudança na demanda das famílias explica a atividade da indústria de transformação ficar em nível tão próximo ao do ano passado. A retomada desigual também foi vista no PIB de serviços, que saltou 6,3% ante o segundo trimestre. O comércio, que inclui o atacado, avançou 15,9%, enquanto os “outros serviços” cresceram 7,8%. Essa atividade, que inclui hotéis, bares e restaurantes, despencou 14,4% ante o terceiro trimestre de 2019, indicando que, sem um controle da covid-19, a demanda por esses serviços está longe de voltar ao normal. No terceiro trimestre, bastou a economia passar todo o período “religada” para o fluxo de valor gerado ficar muito acima do registrado no PIB do segundo trimestre, explica Zilbermann. Mesmo assim, esse fluxo foi inferior ao registrado nos trimestres de 2019, antes da pandemia. Por isso, a alta recorde sobre o trimestre imediatamente anterior não significa o fim da crise. O quadro só não foi pior por causa das medidas do governo federal para mitigar a crise, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais e as complementações de renda dos trabalhadores formais que tiveram suas jornadas de trabalha suspensas ou reduzidas. “A recuperação no Brasil foi melhor do que nos pares na América Latina. Atribuo isso às políticas fiscal e creditícia”, diz Zilbermann. Economistas já vinham ressaltando que o auxílio emergencial – que começou em R$ 600 ao mês e passou a R$ 300 por mês desde setembro – impulsionaria a economia. Nos primeiros meses, a renda extra chegou a tirar milhões de brasileiros da extrema pobreza, mas uma reversão nesse movimento já a partir de setembro reforçou seu caráter temporário. O consumo das famílias cresceu 7,6% sobre o segundo trimestre, puxando a recuperação. Só que mesmo o avanço do consumo trouxe traços “heterogêneos” e “disfuncionais” da recuperação, segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Com as famílias ficando mais em casa, mesmo após a flexibilização das restrições em várias cidades, o consumo de bens, especialmente os essenciais, como alimentos, avançou mais. Segundo Silvia, essas peculiaridades levam incerteza sobre a recuperação. Os níveis de atividade da indústria de transformação e do comércio podem não se manter com a normalização dos hábitos das famílias. Além disso, o consumo tende a perder impulso sem o auxílio emergencial, a partir de janeiro. A pesquisadora do Ibre/FGV vê a economia com crescimento nulo, ou até novas quedas, no primeiro semestre de 2021. Por isso, a manutenção do auxílio emergencial no próximo ano, ou sua substituição por um programa mais abrangente do que o Bolsa Família, tem dividido o debate entre economistas. Para Silvia, a economia brasileira está “entre a cruz e a espada”. De um lado, sem os gastos com transferência de renda, o consumo perde impulso. De outro, sem um remanejamento das despesas, os novos gastos agravam o rombo nas
Aplicativo deve registrar motorista, diz relator no TST

O ministro Maurício Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), votou para reconhecer o vínculo de emprego entre motoristas de aplicativos e as empresas que os operam, como Uber, 99 e Cabify. Em seguida à manifestação do relator, os ministros Alexandre Belmonte e Alberto Bresciani pediram vista, isto é, mais tempo para analisar o processo. O julgamento, que ocorre na Terceira Turma, não tem data para ser retomado. O voto de Delgado, se prevalecer, reverterá decisões de primeira e segunda instâncias, que não consideraram haver relação formal de emprego. Porém, isso ainda não significa uma decisão definitiva. Isso porque a Quinta Turma do TST julgou um caso semelhante em fevereiro – e não reconheceu o vínculo empregatício. Eventual entendimento diferente de outro colegiado faz o recurso “subir” para uma Seção, composta por um número maior de ministros. De acordo com Delgado, todos os elementos que configuram o vínculo de emprego estão presentes na relação entre os motoristas e as empresas. O mais importante, diz, é a subordinação. O tema é foco de embates jurídicos. O relator afirma que as empresas “exercem poder diretivo com muita eficiência”, estabelecendo ordens objetivas a serem cumpridas pelos motoristas. Os aplicativos, por outro lado, argumentam que os condutores têm liberdade sobre horários e locais de trabalho, o que afastaria o vínculo. VALOR ECONÔMICO
Brasil tem avanço artificial de salário médio, diz OIT

Num cenário de incertezas quanto aos desdobramentos das múltiplas crises associadas à covid-19, há previsões muito preocupantes, como a que fez António Guterres, secretário-geral da ONU, na reunião do G-20 realizada no fim de semana passado: “(…) o mundo em desenvolvimento está à beira da ruína financeira e da crescente pobreza, fome e sofrimento indizível”. A pandemia de covid-19 provocou queda ou crescimento mais lento dos salários no primeiro semestre deste ano em dois terços dos países dos quais a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem dados oficiais, segundo o “Relatório Mundial Sobre os Salários 2020-21”. A previsão é que a crise deverá continuar pressionando fortemente as remunerações para baixo, num contexto já complicado do ponto de vista sanitário, econômico e social. Além disso, em vários países, como Brasil, Canadá, EUA e França, os salários médios parecem ter aumentado de “maneira amplamente artificial”, mas se trata do chamado efeito composição. Nesses países, a média salarial visivelmente cresceu em razão da supressão de empregos, que atingiu essencialmente os que tinham remuneração mais baixa. Ou seja, essa situação falseou a curva média dos pagamentos. “No Brasil, os dados mostram artificialmente que os salários aumentaram, mas houve um aumento significativo de demissões na faixa mais baixa de salários, e muitos que continuam no mercado de trabalho estão sobretudo nas faixas do meio e alta”, afirmou Rosália Vasquez-Alvarez, economista da OIT especializada em salários. Na outra ponta, a pressão à baixa dos salários foi observada em países como Coreia do Sul, Japão e Reino Unido. Globalmente, o valor do salário médio mensal em 2019 foi de US$ 486 pelo critério de paridade do poder de compra (PPC, que reflete melhor o custo de vida de cada país). Varia de US$ 5 por mês em Uganda a US$ 2.433 em Luxemburgo. Nas Américas, o salário mínimo médio era de US$ 668 (PPC), variando de US$ 289 no México a US$ 1.612 no Canadá. No Brasil, o salário mínimo em PPC era de US$ 443, o quarto mais baixo entre 32 países pesquisados nas Américas. Também há diferenças entre remuneração mínima em determinadas profissões. Assim, segundo a OIT, um advogado no Rio de Janeiro tem direito a um salário mínimo que excede o salário mínimo federal nos EUA. Para a OIT, a pandemia continua a amplificar as desigualdades e pobreza entre países e no interior dos países, já que nem todos os trabalhadores foram atingidos pela crise de maneira idêntica. As consequências para as mulheres, por exemplo, têm sido mais graves. Uma estimativa baseada em dados de 28 países europeus mostra que, sem subvenção salarial, as mulheres teriam perdido 8,1% de seu salário no segundo trimestre de 2020, ante 5,4% para os homens. A crise atingiu de maneira desproporcional também os trabalhadores com salários mais baixos, agravando as desigualdades, inclusive nos países desenvolvidos. O salário mínimo existe em 90% dos 187 países-membros da OIT. No mundo, dos 327 milhões de assalariados com remuneração igual ou inferior ao salário mínimo, nada menos de 266 milhões (15% dos assalariados globalmente) recebem abaixo do pagamento mínimo em vigor, porque a legislação não é aplicada ou porque eles foram excluídos. “O crescimento das desigualdades deflagrada pela crise de covid-19 ameaça deixar atrás dela a pobreza e a instabilidade social e econômica, o que seria desastroso”, afirmou Guy Ryder, diretor-geral da OIT. “Se queremos realmente construir um futuro melhor, precisamos responder questões incômodas, por exemplo, o fato de saber porque profissões com valor social elevado, como enfermeiros e professores, são frequentemente tão mal pagos”, completou. Ainda de acordo com a OIT, o Brasil foi um dos sete países das Américas que registraram queda de produtividade do trabalho entre 2010-2019. Em relatório global sobre os salários, a entidade mostra que o salário mínimo real nas Américas aumentou em 24 países e diminuiu em oito, enquanto a produtividade declinou em sete. No Brasil, o salário mínimo teve alta de 1,9% na média anual, enquanto a produtividade do trabalho declinou 0,2% no país. No ano passado, o salário mínimo no país cresceu 0,4% em termos reais comparado a 1,5% em 2018. Em comparação, no México houve altas de 2,9% e 1,4% respectivamente entre 2010-2019. Na Bolívia, de 9,1% e 3,1%. Além do Brasil, houve queda de produtividade no período em Argentina (0,9%), Bahamas (0,6%), Suriname (0,4%), Barbados (0,1%), Trindade e Tobago (1,1%) e Belize (0,4%). Na apresentação do relatório à imprensa internacional, Rosalia Vazquez-Alvarez atribuiu queda da produtividade à economia informal. A estimativa de diferentes organizações é de que quase metade da mão de obra trabalha na economia informal no país. Globalmente, conforme a OIT, baixos ganhos na economia informal normalmente refletem baixa produtividade de empregos informais VALOR ECONÔMICO
Uma proposta hostil de reforma tributária (Everardo Maciel)

A despeito dessa dramática perspectiva, optamos, no Brasil, por uma conduta que ignora planejamento para enfrentar as crises e nem sequer dá atenção à elaboração do Orçamento federal do próximo exercício e à aprovação da PEC Emergencial. Em lugar disso, o debate público está concentrado na eleição das mesas diretoras do Congresso e num projeto de reforma tributária (PEC 45) hostil a muitas famílias, setores produtivos e entes federativos. As críticas frequentes que tenho feito à PEC 45 não autorizam concluir que desconheço a existência de problemas no sistema tributário brasileiro, tanto quanto também existem nos sistemas tributários de todos os países. O que varia é a natureza e dimensão dos problemas. Não entendo como uma proposta de reforma tributária possa ser produzida em ambiente privado, submetendo-se ao crivo de interesses privados, e utilizada como instrumento para consecução de objetivos eleitorais. Receio que essa conduta seja pouco republicana. A proposta é desabastecida de estudos, ressalvados exercícios econométricos contestados por experientes especialistas e que, sobretudo, ofendem o senso comum, quando pretendem fazer conjecturas sobre vinculação, em uma década, entre a aprovação de uma proposta lacunosa e o crescimento do PIB. Paul Romer, Nobel de Economia de 2018, adverte sobre o mau uso da matemática na economia, envolvendo suposições irrealistas e interpretações tensas. Esse recurso seria tão somente uma cortina de fumaça sofisticada para disfarçar intenções e promover agendas ocultas. Em artigos anteriores, procurei demonstrar que a PEC 45 é uma fonte inesgotável de problemas. Neste artigo, cuido das repercussões federativas da proposta, num contexto em que se vislumbram grandes dificuldades financeiras para Estados e municípios em 2021. A pretensão de adotar o princípio do destino, a despeito de estimular evasão fiscal (carrossel, segundo a literatura especializada) e promover a acumulação de créditos nas operações interestaduais, implica um jogo de ganhos e perdas entre os entes federativos. O financiamento dessas perdas, num inacreditável prazo de 50 anos, se daria, inevitavelmente, por aumento da carga tributária, já sabidamente elevada. Os Estados conhecem os embates, que exigiram uma laboriosa negociação no STF, para efetivar, entre 2021 e 2037, o ressarcimento das perdas decorrentes da Lei Kandir (R$ 65,6 bilhões). O mais grave é que essa compensação se somaria àquela, agravando a dificuldade. O autoritário governo de Narendra Modi, na Índia, implementou, a duras custas, uma reforma menos ambiciosa que a PEC 45, com promessa de compensação das perdas dos Estados. A crise fiscal associada à pandemia, entretanto, inviabilizou a compensação, impactando severamente as contas dos Estados, justamente os responsáveis pelos serviços de saúde e pelas transferências de renda. Quanto aos municípios, é preciso ter em conta suas enormes responsabilidades no atendimento da população urbana, que alcança a expressiva proporção de 86% do total, sabendo que a crise sanitária não está contida e que há uma grande quantidade de tratamentos médicos represados por força da pandemia. Além disso, a adoção de medidas restritivas ao funcionamento de serviços, em razão da crise, pode repercutir negativamente na arrecadação do ISS, que em 2019 representou 48% das receitas tributárias das capitais. A despeito disso, a PEC 45 pretende sequestrar o ISS, incorporando-o a um imposto com claro viés centralizador, logo agora que o STF decide que a tributação de softwares se inclui na base imponível daquele tributo. *CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002) O ESTADO DE S. PAULO