A desaceleração das vendas no varejo foi maior que a esperada em setembro, mas o setor fecha o terceiro trimestre mais que compensando as perdas dos meses iniciais da pandemia. O resultado, segundo economistas, reforça as projeções de um crescimento forte do PIB no período. O ajuste nas estimativas do PIB, para cima ou para baixo, será dado pelo número dos serviços, que será divulgado hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto, o setor ainda estava 10% abaixo do nível pré-pandemia.
Setembro foi o primeiro mês em que houve redução do auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300, e o desempenho do comércio no período deve servir de guia para o desempenho no quarto trimestre, segundo economistas. A grande incerteza fica para 2021, quando o fim dos estímulos deve mostrar o ritmo real do setor.
As vendas do varejo restrito cresceram 0,6% em setembro, em relação a agosto, e as do ampliado, que incluem veículos e material de construção, aumentaram 1,2%. Ambos os indicadores vieram abaixo das expectativas, de alta de 1,4% e 1,5%, respectivamente. Com esses números, o varejo restrito cresceu 17,2% e o ampliado subiu 24,2% no terceiro trimestre sobre o segundo, feitos os ajustes sazonais. São as maiores altas trimestrais da série histórica do IBGE, iniciada em 2000.
Uma acomodação do varejo era esperada após as fortes altas dos últimos meses, afirma o economista-chefe do Banco Haitong, Flávio Serrano. A instituição esperava avanço de 0,7% para o restrito. “É natural que o crescimento diminua. Isso não quer dizer que o setor está ficando ruim na margem.” Depois de recuperar com sobras as perdas do início do ano, o varejo ficou mais próximo da normalidade, diz Rodolpho Tobler, economista do Ibre-FGV. Ele aponta incerteza sobre o ritmo do crescimento do quarto trimestre, mas acredita que a que as variações mensais continuarão próximas da de setembro. Neste fim de ano, o varejo ainda deve contar com as promoções da Black Friday e das festas de fim de ano.
“A virada para 2021 vai ser o momento-chave para saber a real velocidade de recuperação”, afirma, lembrando que o mercado de trabalho não reage na mesma velocidade da atividade e isso vai fazer diferença. “Está ficando mais urgente a busca do emprego, as pessoas devem ficar mais temerosas com a renda.” Lisandra Barbero, economista da XP Investimentos, diz que a dinâmica do setor em setembro deve seguir nos próximos meses, com os segmentos mais dependentes de renda com desempenho pior que os dependentes de crédito. Destaque negativo na pesquisa de ontem, os supermercados anotaram o terceiro mês consecutivo em queda – a inflação mais forte tem afetado a compra de alimentos. Além dele, vestuário e artigos de uso pessoal e doméstico registraram queda nas vendas. Já material de construção, veículos, móveis e eletrodomésticos tiveram alta.
Os duráveis, diz Lisandra, são sustentados principalmente pelos juros baixos e pela parcela da população que perdeu menos renda. “Continuar a ver esse desempenho heterogêneo no varejo.” Isabela Tavares, da Tendências Consultoria, lembra que a aceleração da inflação diminui a renda disponível, um problema especialmente para os mais pobres. Na outra ponta, os programas de sustentação do emprego e o acúmulo de poupança dos estratos de renda mais altos podem ajudar a sustentar o consumo de bens de maior valor, embora numa magnitude menor.
Isabela acrescenta que, embora ainda muito moderados, os gastos com os serviços às famílias podem ocupar maior espaço no orçamento, à medida que o isolamento social vai sendo mais flexibilizado e que as pessoas sintam mais confiança em circular. A MCM Consultores Associados também prevê variações mais moderadas à frente, por causa do aumento da base de comparação, do esgotamento progressivo dos efeitos da reabertura do comércio e dos serviços, e da inflação. Para outubro, a casa estima avanço de 0,6% no varejo sobre setembro (e 7,8% sobre 2019) no conceito restrito e alta de 1,6% e 4,9%, respectivamente, no ampliado.
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