O Reino Unido se tornou ontem o primeiro país ocidental a iniciar uma longa e complexa campanha de vacinação da população contra a covid-19. Apesar da esperança trazida pela vacina, desenvolvida e testada num prazo recorde de menos de um ano, autoridades e fabricantes das vacinas alertam que levará ao menos um ano e meio até que grande parte do mundo tenha alcançado imunidade contra a covid-19, e a vida volte ao normal.
O secretário de Saúde britânico, Matt Hancock, disse ontem ao Parlamento que a vacina significava a luz no fim do túnel. Mas ele alertou que partes da Inglaterra – como Essex, Londres e Kent – estavam vendo um aumento nas infecções por coronavírus e que o governo irá revisar o sistema de restrições localizadas na próxima semana. “Não vamos estragar tudo agora.” O Reino Unido conta mais de 61 mil mortes pela covid-19, a mais alta da Europa, e registra mais de 1,7 milhão de casos confirmados.
“Tem sido um ano realmente terrível, 2020 – todas aquelas coisas a que estamos tão acostumados, encontrar amigos e família, ir ao cinema, foram suspensas. Podemos recuperá-los. Não amanhã. Não na próxima semana. Não no próximo mês. Mas nos próximos meses”, disse Stephen Powis, diretor médico do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Autoridades e especialistas alertam que a campanha de vacinação levará ainda muitos meses, uma vez que a capacidade de produção das vacinas ainda é limitada e a imunização exige que a pessoa tome duas doses num intervalo específico. Isso significa que as restrições à vida cotidiana que levaram o mundo em uma profunda recessão devem continuar por meses em meio aos números elevados de casos e mortes em todo o mundo.
A segunda onda de covid-19 na Europa já é mais mortal que a primeira, cujo pico em abril foi de 4.081 mortes por dia, marca que foi superada no fim de novembro. Também os EUA veem uma escalada nas estatísticas, com uma média de 201.756 novos casos por dia na semana passada e um recorde de 2.249 mortes por dia, segundo o “New York Times”. O número de hospitalizações subiu para 102.148 na segunda-feira, segundo o Covid Tracking Project.
Em evento virtual organizado pela Associação Internacional da Indústria Farmacêutica (Ifpma), os CEOs de laboratórios envolvidos na luta contra a covid-19 concordaram sobre desafios relacionados à capacidade de produção e distribuição das vacinas. “Com três vacinas e potencialmente até dez nos próximos meses sendo aprovadas pelos órgãos reguladores e produzidas aos bilhões, há esperança de encontrarmos soluções duradouras para a pandemia”, afirmou Thomas Cueni, diretor-geral da Ifpma. Para o executivo, é possível que a chamada “imunidade de grupo” só comece a ser alcançada no começo do terceiro trimestre de 2021 em alguns países.
Rasmun Hansen, diretor da consultoria Airfinity, apresentou projeção de imunização baseada nos acordos de aquisição de vacinas pelos países. Os EUA poderiam voltar a ver uma situação normal em abril do ano que vem, o Canadá em junho, Reino Unido em julho, a União Europeia em setembro e a Austrália em dezembro. A América Latina poderia voltar a ter uma vida normal em fins de março de 2022, a Índia em fevereiro de 2023. Atualmente, mais de 1.138 tratamentos estão em investigação e 347 vacinas em fase de testes pré-clínicos ou clínicos, em torno do mundo. No começo de 2021, Ifpma lançará uma ampla campanha de informação para responder a inquietações sobre vacinas contra o vírus.
Para o CEO de Pfizer, Alberto Bourla, é compreensível as pessoas se preocuparem com segurança e eficácia das vacinas “mas estão erradas”. Segundo ele, o controle dos órgãos reguladores tem sido até mais rígido com as vacinas contra a covid. A Pfizer mantém seu plano de produzir 50 milhões de doses neste ano e 1,3 bilhão em 2021. Bourles confirmou que a companhia está trabalhando numa “nova formulação” para a vacina que evite a necessidade de armazenamento a -70º C. Mas ele diz que as baixas temperaturas não são um problema, porque os engenheiros desenvolveram caixas especiais que possibilitam o transporte da vacina sem refrigeração externa.
Para o CEO da Roche, Severin Schwan, a realidade é que “temos de viver por algum tempo com essa pandemia”. E, nesse cenário, a demanda por testes vai superar a produção. No curto prazo, o desafio é a limitação na capacidade de produção. “No médio prazo vejo oportunidades para se abrir a economia, com mais testes, mas o problema é que as quantidades no momento não são disponíveis para isso”, disse Severin.
VALOR ECONÔMICO