Valor Econômico – 14/12/2021 –
Funcionários que possuem filhos com deficiência e necessitam de cuidados especiais têm conseguido decisões na Justiça a favor da flexibilização de suas jornadas de trabalho, sem redução proporcional do salário. Há posicionamentos recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da Justiça do Trabalho de São Paulo e do Distrito Federal.
O servidor público já tem esse direito assegurado pela Lei nº 13.370, de 2016 – que alterou o parágrafo 3º do artigo 98 da Lei nº lei 8112, de 1990. A norma concedeu a redução de jornada para quem tem cônjuge, filhos ou dependentes com necessidades especiais, sem que haja compensação.
No Judiciário, as decisões beneficiam funcionários da iniciativa privada – celetistas. Os pedidos têm como fundamento a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Em decisão recente, a 3ª Turma do TST concedeu redução de jornada para uma fonoaudióloga que tem uma filha de seis anos com síndrome de Down. A decisão deu três alternativas, sem prejuízo dos seus vencimentos e sem compensação de horário. Após os 16 anos de idade da filha, porém, a mãe deve comprovar anualmente a situação de dependência para manter o benefício.
O relator, ministro Agra Belmonte, destaca, em seu voto, que “a pessoa com deficiência que não possui a capacidade plena tem encontrado apoio na legislação, mas não o seu cuidador, o qual assume para si grande parte do ônus acarretado pela deficiência de outrem, como se ela própria compartilhasse da deficiência”.
Segundo o ministro, “se há direitos e garantias, como por exemplo a flexibilidade de horário, àqueles que possuem encargos resultantes de sua própria deficiência, é inadequado afastar o amparo legal e a aplicação analógica aos que assumem para si grande parte desses encargos” (RR-10409-87.2018.5.15.0090).
Outra decisão veio da 8ª Turma do TST. Beneficia uma mãe de uma criança com deficiência que faz diversos tratamentos contínuos – como fisioterapia, fonoaudiologia, psicopedagogia e psicologia – para estimulação cognitiva (AIRR-607-91.2017.5.06.0012).
De acordo com o relator, ministro Marco Eurico Vitral Amaro “embora sejam admiráveis os programas elaborados pela empregadora da autora, não se mostram suficientes para garantir à trabalhadora a possibilidade de acompanhar a sua filha nas atividades cotidianas e habituais”. Nesse caso, foi concedida redução de 25% da jornada – seis horas e meia por dia.
Uma funcionária de um banco também conseguiu decisão favorável, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, para que tenha jornada reduzida. Serão quatro horas por dia, sem redução de salário, para poder acompanhar o tratamento do filho, diagnosticado com Transtorno de Espectro Autista (TEA). Os relatórios de profissionais da saúde indicam a necessidade de tratamentos que demandam, no mínimo, 20 horas semanais (processo nº 1000864-94.2020.5.02.0242).
No Distrito Federal, o pai de um filho autista obteve o direito a uma jornada de seis horas nos Correios, sem compensação ou redução de salário. A decisão é do TRT da 10ª Região (DF e TO). No processo, ele alegou que a mãe é psicóloga autônoma e cursa faculdade e não conseguiria acompanhar todo o tratamento (processo nº 0000347-50.2019.5.10.0006).
O tema está também na pauta do Legislativo. O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 110, de 2016, prevê o direito à redução da carga-horária, de 10% do total, de trabalhadores, caso tenham sob a sua guarda filhos com deficiência. O projeto pretende incluir o artigo 396-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A advogada Bianca Isabelle Lourenço de Sousa da Silva, do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, considera as decisões “um passo à frente” na busca de igualdade de oportunidade para pessoas com deficiência e seus familiares. “O que muitas vezes acontece é que um dos genitores deixa de trabalhar para poder acompanhar a criança”, diz.
Para o advogado Marcel Zangiácomo, sócio do Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados, essas decisões são muito importantes sob o aspecto social. Contudo, entende que deveria haver uma contrapartida do governo, para que essa redução de jornada sem prejuízo dos vencimentos não seja bancada somente pela empresa. Como dedução no cálculo dos impostos, acrescenta, o que ocorre, por exemplo, no Programa Empresa Cidadã, que envolve empregadores que concedem licença-maternidade de seis meses.
Apesar de não existir lei, o advogado afirma que existem empresas que já concedem redução de jornada para responsáveis por pessoas com deficiência. Também há, de acordo com Zangiácomo, previsões em convenções coletivas.