Dois julgamentos incluídos na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) geraram uma corrida aos escritórios de advocacia. São teses que podem impactar fortemente os cofres da União. Uma trata da correção do FGTS entre 1999 e 2013. A outra busca elevar benefícios previdenciários. É conhecida como “revisão da vida toda”. Estão em jogo R$ 295,5 bilhões e R$ 30 bilhões, respectivamente. A tese que discute a revisão de aposentadorias será analisada no Plenário Virtual a partir de sexta-feira. A da correção do FGTS entrou e saiu da pauta, por conta do julgamento da exclusão do ICMS do PIS/Cofins. Há, porém, um movimento em redes sociais e em abaixo-assinado para que a questão seja pautada. Com as hashtags “adi5090” e “julgaSTFFGTS”, trabalhadores e advogados pressionam o STF a julgar o tema. O gabinete do relator, ministro Luís Roberto Barroso, informou que a ação (ADI 5090) está liberada para a pauta, mas cabe à presidência do STF decidir quando será julgada. O Valor apurou que está em estudo a inclusão do tema na pauta do segundo semestre.
O outro processo, que trata da tese chamada “revisão da vida toda”, será analisado pelo período de uma semana, a partir de sexta-feira (RE 1276977). Como a discussão trata de uma regra de transição prevista na Lei nº 9.876, de 1999, que instituiu o fator previdenciário, envolve um menor número de trabalhadores. Pessoas que discutem a inclusão no cálculo da aposentadoria de contribuições feitas antes de julho de 1994 – data de corte prevista pela norma (leia mais abaixo). O impacto da tese para os cofres públicos é bem menor que o da correção do FGTS. É de R$ 3,6 bilhões para o ano de 2020 e R$ 26,4 bilhões para o período de 2021 a 2029, segundo estimativa da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia. A discussão sobre o FGTS, mais ampla, movimenta organizações não governamentais (ONGs), Defensoria Pública e escritórios de advocacia. No julgamento, o STF vai analisar uma demanda do Solidariedade. O partido argumenta que a Taxa Referencial (TR) não representou correção real naquele período. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a União venceu a disputa.
Neste ano, depois de marcado o julgamento para maio, advogados começaram a anunciar a tese, em alguns casos até deixando de lado a cobrança de um valor fixo (de pelo menos R$ 1 mil, segundo a tabela da Ordem dos Advogados do Brasil). Pedem um percentual sobre o êxito, de pelo menos 20%. Muitas ações foram propostas depois que os trabalhadores viram anúncios em sites e vídeos prometendo “correção do FGTS até hoje” e “tese com chances de ganhos altos”. Acostumado a atender empresas, o advogado Caio Taniguchi, sócio do escritório TSA Advogados, foi procurado por alguns executivos que ouviram falar sobre a tese e se entusiasmaram. Ele destaca que a maior diferença de valor entre a TR e outros índices de correção ocorreu entre 1999 e 2013, mas, se a TR for considerada inadequada pelo STF, o julgamento pode afetar os depósitos feitos até hoje. A procura foi enorme com a aproximação do julgamento, segundo Murilo Aith, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. O número de ações sobre a tese propostas pelo escritório chegou a 30 por mês. “Diversos trabalhadores que tinham FGTS ficaram com receio de uma decisão do Supremo que não alcançasse quem não tivesse ação em andamento”, afirma.
Mas nem todos os trabalhadores precisam entrar com ação. Alguns riscos de derrota, segundo advogados, precisam ser ponderados. “Às vezes, a pessoa faz a conta e vê que tem R$ 600 para receber”, diz João Badari, também do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. Trabalhando com a tese há quase dez anos, o advogado estima que deve ter uns dois casos com valores elevados. O escritório Sodero Advocacia atua com ações desse tipo desde 2014, quando o STF decidiu que a TR não poderia ser usada para corrigir os precatórios. “Desde 1999 até hoje a TR não corrige as perdas inflacionárias”, afirma o advogado Rodrigo Sodero. Foram ajuizadas dezenas de ações pelo escritório em quinze dias, perto de quando o caso estava pautado, segundo ele.
Desde abril, cinco mil trabalhadores se associaram ao Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador (IFGT) para participar de uma ação coletiva sobre o FGTS que será proposta neste mês. Até sábado, a ONG recolhe assinaturas para um abaixoassinado que pede o julgamento no STF. A ONG estima que de janeiro de 2020 até o dia 10 de maio, com a TR zero todo mês, deixaram de ser creditados R$ 103 bilhões, trocando a TR pelo INPC. “O trabalhador está desacreditado há muito tempo em relação ao Judiciário, especialmente quando do outro lado está o governo, a Caixa Econômica”, diz Mario Avelino, presidente do instituto. Existem mais de 200 mil ações suspensas aguardando o julgamento do STF, segundo a ONG. Nos últimos 22 anos, afirma Avelino, foram R$ 543 bilhões confiscados, prejudicando mais de 60 milhões de trabalhadores.
Unidades da Defensoria Pública da União também foram procuradas. Uma ação sobre o tema proposta pelo órgão em 2014 na Justiça Federal do Rio Grande do Sul foi julgada improcedente na primeira instância e aguarda recurso no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (região Sul). Segundo a defensoria, se a decisão for favorável, beneficiará todos os trabalhadores do país.
Outro caminho para os trabalhadores são os juizados especiais, que aceitam ações de até 60 salários mínimos. Não é preciso ter advogado e não há custas, lembra a advogada Cristiane Grano Haik, especialista em direito trabalhista e previdenciário. “Mas não dá para saber se só quem entrou com ação vai poder se beneficiar no caso de o STF decidir contra a TR”, diz. Outros advogados apostam, porém, que só será favorecido quem ajuizar ação até o julgamento do STF. Baseiam-se na modulação de efeitos que vem sendo aplicada pelos ministros, como a definida na chamada “tese do século” – a que trata da exclusão do ICMS do PIS e da Cofins.
VALOR ECONÔMICO