Setor público bate recorde e puxa alta do emprego

Prefeituras e contratos sem carteira lideram movimento
Por Lucianne Carneiro e Marta Watanabe — Do Rio e de São Paulo

O ritmo de crescimento dos trabalhadores no setor público supera há cinco meses o registrado pelo pessoal ocupado no mercado de trabalho como um todo, na comparação frente ao trimestre imediatamente anterior. No trimestre encerrado em outubro, a alta foi de 2,3%, para uma média de 1% no mercado. O número de trabalhadores do setor público atingiu novo recorde no trimestre encerrado em outubro, de 12,3 milhões.

Na comparação anual, o aumento foi de 10,4%, ante 6,1% no pessoal ocupado, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 12 meses até outubro o setor público contratou 1,154 milhão de trabalhadores a mais, o que representa um quinto (20,2%) de todo o aumento do pessoal ocupado (5,704 milhões).

Dois movimentos diferentes e que se sobrepõem explicam o aumento, mostram os microdados do IBGE. De um lado, prefeituras contrataram mais e reforçaram o que já era o grupo com mais pessoal entre os três níveis de governo. Demandas em setores como saúde, educação, assistência social e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, segundo especialistas, impulsionou o crescimento de contratações. Houve necessidade de recomposição das estruturas no pós-pandemia e, com o empobrecimento da população, mais gente migrou de serviços privados para públicos.

Levantamento feito pelo economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi a partir da Pnad Contínua, mostra que os municípios responderam por mais de 70% do aumento de vagas no setor público entre o terceiro trimestre de 2021 e o terceiro de 2022 (710 mil dos 988 mil postos de trabalho).

Na análise pela forma de inserção no mercado de trabalho, saltou o número de trabalhadores sem carteira assinada no setor público. Embora quando se fale em setor público geralmente se pense naqueles trabalhadores concursados ou estatutários – que são realmente o maior grupo -, há também os que trabalham com carteira assinada – como empregados de estatais ou de empresas de economia mista – ou sem carteira.

O grupo dos sem carteira saltou de 2,333 milhões de trabalhadores em outubro de 2021 para 3,117 milhões em outubro de 2022. Esse aumento de 784 mil trabalhadores representou 67,9% do avanço de 1,154 milhão de trabalhadores do setor público no período. No conjunto dos estatutários e militares, houve em igual período aumento bem menor no número de contratações – 240 mil -, embora esse grupo ainda represente 63,7% dos trabalhadores do setor público.

Diante das restrições fiscais, a contratação de temporários tem sido a alternativa encontrada por gestores públicos para recompor o quadro de pessoal sem pressionar os gastos futuros com compromissos de previdência, dizem estudiosos em finanças públicas e representantes de Fazendas municipais.

“Isso mostra uma dificuldade da administração pública de repor seus quadros efetivos, sejam servidores estatutários, sejam empregados públicos. Esses dados indicam que essa é a nova estratégia: o governo não tem condições, não vê perspectiva fiscal de repor a força de trabalho de forma definitiva e usa esses servidores temporários como um atalho”, afirma o professor de ciências políticas e de finanças públicas da pós-graduação do Ibmec Danilo Morais.

“Prefeitos estão dando nó em pingo d’água e evitando contratações permanentes para evitar impacto nas previdências porque em muitos municípios a situação atuarial é delicada”, diz Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador. “A contratação de temporários tem sido a opção quase automática, quando é possível.”

Houve também influência da Lei Complementar 173, de 2020, que ao definir naquele ano as transferências extraordinárias a Estados e municípios para combate aos efeitos econômicos da pandemia de covid-19, estabeleceu como contrapartida a restrição à contratação de servidores públicos e reajustes de salários, aponta Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM). A restrição valeu até dezembro de 2021. Entre as exceções estavam a reposição de vacância e as contratações temporárias.

Dados da CNM baseados na Rais – relatório com informações prestadas ao governo federal por empresas e empregadores – mostram que a LC 173/2020 fez diferença entre os municípios já em 2021. Com a restrição à mobilidade, em razão da pandemia, o número total de servidores municipais caiu 1,4% de entre 2019 e 2020, para 6,84 milhões. Em 2021, houve aumento de 5,3%, e o total chegou a 7,2 milhões.

A quantidade de trabalhadores municipais temporários cresceu 10,1% de em 2021, após alta de 13,4% em 2020, sempre em relação ao ano anterior. Na mesma comparação, a quantidade de estatutários municipais cresceu 3,4% em 2021 após queda de 1,6% em 2020. Os estatutários perderam participação no total de trabalhadores municipais, aponta a CNM, mas em 2021 ainda detinham 83,2%.

Entre os trabalhadores sem carteira assinada estão incluídos temporários, estagiários ou consultores, embora não se consiga determinar a representatividade de cada um pelos números da Pnad Contínua. O perfil desses trabalhadores, explica a coordenadora das pesquisas domiciliares do IBGE, Adriana Beringuy, é diferente dos que trabalham no setor privado sem carteira, já que têm direito a 13º salário e férias, por exemplo.

“Ao longo do ano de 2022, foi observada a expansão do emprego sem carteira assinada no setor público, principalmente nos segmentos de educação fundamental e saúde. Mas esse trabalhador não é informal, é diferente do sem carteira no setor privado”, diz ela.

Bruno Imaizumi acredita que os setores de saúde e educação explicam muito desse movimento mais recente de aumento de vagas no setor público. Na saúde já havia pressão antes da pandemia, por causa do envelhecimento da população, que se intensificou com a crise sanitária. Na educação, a melhora da pandemia em 2022 tem impulsionado a demanda maior.

“As escolas ficaram fechadas por dois anos e agora há uma recomposição da estrutura, não apenas de professores, mas de auxiliares de escolas e outros cargos. Além disso, houve uma migração de pessoas do sistema privado de ensino para o público, o que exigiu contratação de profissionais. Outro fator é a volta do trabalho presencial de forma mais intensa, que pressiona a busca por creches”, afirma.

A CNM não tem ainda os dados de 2022, diz Ziulkoski, mas a demanda por contratações nos municípios certamente se manteve alta em áreas como educação, saúde e principalmente assistência social. Ele destaca que os municípios são responsáveis por executar vários programas estabelecidos pelo governo federal. Em 2022, exemplifica, os municípios precisaram contratar profissionais para atuar na busca ativa, cadastro e controle de condicionalidades para campanhas de vacinação e para fazer frente às filas do Auxílio Brasil e ao atendimento dos centros de referência de assistência social (CRAS), que agora estão mais procurados.

Giovanna Victer, que também preside o Fórum Nacional de secretários municipais de Finanças da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), destaca a demanda na área de assistência social, devido ao aprofundamento da pobreza e o crescimento geral dos serviços atribuídos aos municípios na saúde e educação. Há também a base reprimida pelo efeito da LC 173/ 2020, argumenta.

Em Salvador, dos 426 concursados empossados em 2022, já excluídas as exonerações, 165 foram para a educação, e 121, para a assistência social. Na contratação temporária, via Regime Especial de Direito Administrativo (Reda), do total líquido de 402 contratações, 270 foram para educação, e 110, para saúde. Em 2022 houve reabertura de equipamentos de saúde devido à nova onda de covid-19.

O município de São Paulo informa que durante 2020 e 2021, sob vigência da LC 173/2020, houve nomeações de concursados para reposição de servidores em áreas essenciais. Em 2021, foram nomeados 3.803 profissionais concursados para a rede de ensino e, no ano passado, 2.250. Já nos contratos temporários de professores, foram 2.511 professores contratados em 2021 e, em 2022, 4.766. A prefeitura informa ainda que há autorização para realizar concurso e substituir temporários.

A prefeitura do Rio também ampliou o pessoal em educação e saúde em 2022. Na educação, foram 3.378 professores, 1.100 agentes educadores e 2.500 estagiários. A Secretaria Municipal de Saúde contratou 4 mil médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e equipe de saúde em geral.

Ao lado da maior demanda em áreas como a de assistência social, a aceleração dos processos de digitalização também aumentou as contratações do setor público em 2022, diz Tiago Bongiovani, secretário-executivo do Fórum Nacional de Secretarias Municipais de Gestão e Administração das Capitais. A contratação de temporários, diz, se dá para situações pontuais. Já a restrição para a contratação de servidores concursados dada pela LC 173/2020 represou projetos que foram retomados em 2022. As novas https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs se incorporam ao serviço público de forma irreversível como ocorre no setor privado e ajudam a atender a demandas mais diversificadas, inclusive na área de assistência social, diz.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/01/10/setor-publico-bate-recorde-e-puxa-alta-do-emprego.ghtml

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