Sem vacina, sem emprego (Editorial)

Desemprego e pandemia infernizam os brasileiros, sem trégua, um ano depois dos primeiros ataques do coronavírus. Com vacinação atrasada e economia emperrada, o Brasil segue em desvantagem diante de países governados com alguma eficiência. Além disso, o País supera as próprias marcas negativas. Mais um recorde sinistro foi alcançado quando se contabilizaram 14,4 milhões de pessoas desocupadas, 14,4% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado em fevereiro. Nunca haviam aparecido tantos desempregados na série iniciada em 2012. Um ano antes, ainda na fase pré-pandemia, os desocupados eram 12,3 milhões, ou 11,6% da população economicamente ativa. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na sexta-feira.

Passado o primeiro aniversário da pandemia, o crescimento foi retomado em outros países, desenvolvidos e emergentes, embora novas ondas de covid-19 tenham aparecido. Em alguns, a vacinação avançada e a redução do contágio têm facilitado a retomada. No Brasil, onde o controle sanitário foi amplamente prejudicado por falhas do governo federal, os negócios continuam fracos e as condições de emprego se mantêm como nas piores fases de 2020.

A desocupação, equivalente a 14,4% da força de trabalho no trimestre até fevereiro, repete a taxa do período junho-agosto e supera a de setembro-novembro, quando ficou em 13,9%. Ao contrário de outros países, onde os chefes de governo reconhecem os problemas e assumem responsabilidades, o Brasil exibe, no mercado de trabalho, condições piores que aquelas vividas depois do primeiro grande impacto da pandemia.

A situação do emprego no Brasil, no começo do ano passado, já era muito ruim, com desocupação de 12,2% no primeiro trimestre. O quadro era muito melhor na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O desemprego médio nos 37 países-membros estava em 5,3% em fevereiro de 2020. Aumentou durante a pior fase da pandemia, como em todo o mundo, e, com a melhora do quadro, chegou a 6,7% em fevereiro deste ano. Ainda em fevereiro, a taxa estava em 8,3%, um ponto acima do nível anterior à crise de saúde. Nos Estados Unidos, em março, os desocupados eram 6%. Em abril de 2020 haviam superado 14%.

Além de alcançar o recorde nacional de 14,4 milhões de desempregados, o Brasil manteve, no último trimestre pesquisado, o número, também mais alto da série, de 6 milhões de desalentados, já anotado no período de setembro a novembro. Desalentado é quem desistiu de buscar uma vaga, deixando, portanto, o rol dos desempregados. Quando se espalha o desalento, a taxa de desemprego pode até melhorar, mas essa melhora é uma ilusão estatística.

Em um ano de pandemia foram fechados 7,8 milhões de postos de trabalho. Esse número é mais que o dobro da população do Uruguai e cerca de 40% da população do Chile. O contingente de pessoas ocupadas, cerca de 85,9 milhões, ficou estável, no entanto, em relação ao registrado no período de setembro a novembro, mas isso se deveu à expansão da informalidade. Só aumentou a categoria dos trabalhadores por conta própria, com acréscimo de 716 mil pessoas no trimestre. Esses trabalhadores (23,7 milhões) são em grande parte informais e seu número tende a crescer quando escasseiam as vagas de ocupação assalariada.

As condições da economia já apontam para novas dispensas, com o baixo nível de atividade na maior parte da indústria e em boa parte do comércio varejista e dos serviços. Em abril, o Índice de Confiança da Indústria, produzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), caiu pelo quarto mês consecutivo e atingiu 103,5 pontos, o nível mais baixo desde agosto do ano passado, quando ficou em 98,7. Caíram os dois grandes componentes, o indicador de expectativas e o de situação presente. No caso das expectativas, o fator mais negativo foi o emprego previsto para os próximos três meses. Depois de perder o primeiro trimestre, o governo federal tenta retomar ações de apoio à economia, com o País ainda preso no buraco da crise de 2020.

O ESTADO DE S. PAULO

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