Sem prever a criação do novo programa social do governo, o relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial foi desidratado das medidas mais duras de corte de despesas para abrir caminho no teto de gastos, a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação.
A inclusão dessas medidas eram defendidas pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e consideradas essenciais para dar uma virada de correção de rumo das contas públicas, após o aumento de gastos na pandemia da covid-19.
A versão, encaminhada nesta terça-feira, 8, pelo relator às lideranças do Senado, não traz as medidas de desindexação (retirar a obrigação de conceder reajustes) e nem as principais ações para acelerar a retirada das “amarras” do Orçamento do chamado “DDD” (desvinculação desindexação e desobrigação).
Nem menos a ideia de fazer um semidesindexação para benefícios acima de um salário mínimo, proposta que chegou a receber apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e vista como um modelo intermediário, foi incluída.
A redução da jornada dos servidores e corte dos salários também ficaram fora do texto. Até mesmo a bandeira pessoal de Bittar, de acabar com a aplicação mínima de recursos em saúde e educação, não prosperou. Procurado, o relator não atendeu a reportagem.
De acordo com técnicos do Congresso, a abertura efetiva de espaço no teto de gastos ficou restrita a duas medidas: uso do superávit financeiro dos fundos públicos extintos e redução de subsídios fiscais.
Fontes admitem a que a reviravolta na eleição da sucessão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a possibilidade da sua reeleição, mudou as “peças do xadrez” e as negociações das medidas. Por isso, a versão ficou aquém do esperado e prometido antes das eleições municipais.
O MDB, maior partido com cadeiras no Senado e que entrou com força na disputa, já tinha se manifestado contrário a muitas dessas propostas. Por isso, essa disputa provocou na segunda, 7, a tentativa de deixar despesas fora do teto de gastos em versão obtida pelo Estadão/Broadcast.
No texto, há a previsão de que essa lei complementar autorize o acionamento de gatilhos de contenção de despesas em caso de necessidade para a sustentabilidade da dívida.
O relatório também prevê que, se o governo identificar no envio da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) que as despesas obrigatórias (como gastos com pessoal e Previdência, por exemplo) respondem por 95% ou mais das despesas primárias totais, já será possível acionar os gatilhos do teto de gastos, regra que permite o avanço das despesas à inflação.
Esses gatilhos preveem a proibição de novos concursos, aumentos salariais, reajuste real do salário mínimo, criação de novos cargos, entre outras. Para Estados e municípios, também ficarão acionados os gatilhos quando as despesas correntes do ente superarem 95% das receitas correntes.
De acordo com o texto, as receitas desvinculadas dos fundos poderão ser usadas para projetos e programas voltados à erradicação da pobreza e investimentos em infraestrutura que visem à reconstrução nacional (com prioridade à implantação e conclusão de rodovias e ferrovias, além da interiorização de gás natural produzido no Brasil).
O parecer estabelece ainda um prazo de 90 dias para o Executivo fazer um plano para cortar incentivos. No primeiro exercício, o corte de subsídios terá de ser de pelo menos 10% em termos anualizados.
Um dos pontos de aperto incluídos no parecer é a exigência que as despesas com subsídios não deverão ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto num prazo de cinco anos. Hoje, elas estão na casa dos 4% do PIB. O texto prevê que o descumprimento do envio desse plano e as respectivas propostas necessárias para cumprir as metas será crime de responsabilidade do presidente da República.
No prazo de seis meses após o recebimento do plano de corte de subsídios, será suspensa a “impositividade” de emendas parlamentares até aprovação dos cortes, caso haja demora nas votações no Congresso.
Os fundos públicos de União, Estados e municípios criados até 31/12/2016 serão extintos, se não ratificados por lei complementar até o fim do 2º ano após a aprovação da PEC. Essa extinção não se aplica a fundos constitucionais ou destinados à prestação de garantias, como o Fundo de Garantia à Exportação (FGE).
Também ficaram de fora do corte seis fundos negociados com bancadas no Senado: Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), Fundo Nacional Antidrogas (Funad), Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), Fundo Nacional da Cultura (FNC) e Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé).
Estados e municípios. A inclusão de Estados e municípios na PEC ficou mais restritiva em relação à proposta encaminhada originalmente pelo governo ao Senado, em 2019. O parecer aplica automaticamente os gatilhos para governos estaduais e municipais quando as despesas correntes superaram 95% da arrecadação, o que deve ser rejeitado por parlamentares. A PEC original deixava a aplicação como opcional, ao falar que Estados e municípios “poderiam” acionar os gatilhos nessa situação.
Em uma situação intermediária, Estados e municípios terão a opção de adotar parte ou o total das medidas quando a relação entre despesa e receita ficar maior que 85% e menor que 95%. Nesse caso, a aplicação da PEC é opcional. Bancadas do Senado se movimentam para rejeitar qualquer inclusão de Estados e municípios na proposta de ajuste. Essa é uma condição colocada por parlamentares das maiores bancadas, como MDB e PSD, para avançar com a negociação.
O ESTADO DE S. PAULO