Reformas à moda do Centrão (José Roberto Mendonça de Barros)

Muitos analistas e observadores passaram a expressar uma grande animação quanto ao futuro da economia brasileira, especialmente devido à resiliência mostrada nos primeiros meses do ano. Várias das projeções de crescimento para 2021 foram revisadas para 4% ou mesmo 5%.

Além disso, há bastante otimismo quanto ao avanço das reformas e da agenda infraconstitucional. Creio que essa visão seja um pouco prematura e esteja algo exagerada.

Comecemos pela agenda de reformas. Sem dúvida, é verdade que algumas medidas aprovadas tiveram mérito e produziram efeitos significativos. Falo aqui, por exemplo, da reforma da Previdência. Entretanto, é preciso lembrar que boa parte da discussão relevante se deu no governo Temer, e que o atual governo queria mesmo um regime de capitalização. Além disso, interferiu para garantir a proteção de várias corporações do setor público, assim tornando o projeto bem menos abrangente, embora ainda positivo.

Também merece lembrança a aprovação da nova Lei de Falências, do marco regulatório do gás e a nova Lei do Saneamento, debaixo da qual ocorreu a privatização da Cedae, este sim um projeto de grande importância.

Entretanto, nem todos os sucessos são o que parecem ser. Menciono a seguir três casos bastante relevantes, começando pela PEC emergencial.

Depois de um bom tempo no Congresso, o texto foi sendo aguado, até que, na prática, a nova emenda não significou nada de expressivo, restando apenas o rótulo de “reforma”. Isso porque os gatilhos que eram parte central da ideia original ficaram redigidos de uma forma que não serão relevantes antes de 2024 ou mais. Além disso, a redução dos incentivos tributários, na prática, desapareceu do texto, pois o governo tem apenas a obrigação de mandar um plano de redução em até seis meses, sem qualquer obrigação de executá-lo.

Finalmente, o próprio limite de gastos extrateto, de R$ 45 bilhões para cobrir a ajuda emergencial, já foi totalmente ultrapassado por decisões subsequentes que criam, via MPs, créditos extraordinários. De sorte que o extrateto hoje já ultrapassa os R$ 100 bilhões. Nada mais longe do que “a maior reforma fiscal dos últimos 20 anos”, como apregoou o Ministério da Economia.

O segundo exemplo que merece ser mencionado é o que está por trás da autorização para a privatização da Eletrobrás, conhecido no jargão jornalístico como “jabuti”. O projeto obriga as autoridades do setor a construir 6 mil MW de térmicas a gás inflexíveis, em regiões distantes da fonte do produto, o que impõe a construção de muitos gasodutos, com custos extraordinariamente elevados. Além disso, utiliza boa parte dos recursos da Eletrobrás e já interfere no caixa de Itaipu, que ficará disponível após 2023, quando a empresa pagará sua última dívida.

Em outras palavras, foi feita sem maiores discussões uma reforma do setor elétrico que causará grandes custos para o sistema e, especialmente, para o consumidor final.

Um desastre de grandes proporções. Comemorar algo bem-vindo – a privatização da Eletrobrás – com custos associados de tal magnitude parece-me absolutamente fora de propósito.

Em terceiro lugar, chamaria a atenção para a inusitada destruição do regime orçamentário que resultou na entrega de R$ 35 bilhões para emendas parlamentares. Considerando que o Executivo não terá nos próximos anos mais que 0,7% do PIB (ou menos de R$ 60 bilhões) para investimento e que essas emendas têm sempre um caráter paroquial, resulta que a capacidade de investimento do governo federal ficará definitivamente comprometida em favor de reforma de praças e da aquisição de pás carregadeiras.


Há vários riscos ainda relevantes na trajetória da recuperação do PIB neste ano, a saber:

  • Os impactos do recrudescimento da covid-19, numa terceira onda que poderá conter a cepa indiana;
  • Muitas empresas (25%, segundo a FGV) ainda relatam dificuldades com a obtenção de matérias-primas, partes e peças. Por exemplo, a GM vai fechar por três semanas sua fábrica de São Caetano;
  • A escassez de água nos reservatórios já implicou utilização da bandeira vermelha, com impactos na inflação. Além disso, uma aceleração maior da produção poderá levar no terceiro trimestre a restrições no fornecimento de energia elétrica;
  • Inflação segue alta, especialmente em itens-chave na cesta do consumidor, reduzindo o poder de compra;
  • O BC seguirá aumentando juros até pelo menos 5,5% ao ano.

A tensão e as incertezas políticas continuam mais fortes do que nunca.

  • ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

O ESTADO DE S. PAULO

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