Reforma tributária foi pensada, em especial, para agradar ao eleitor de classe média (Adriana Fernandes)

A proposta de reforma do Imposto de Renda anunciada na sexta-feira, 25, pela equipe econômica avança no sentido correto, ao reintroduzir a tributação de lucros distribuídos e reduzir simultaneamente o IRPJ, mas ficou capenga por não prever a criação de uma alíquota mais alta de IRPF e manter uma faixa de isenção elevada para os dividendos das micro e pequenas empresas.

Com as mudanças propostas, a carga tributária máxima sobre os lucros das grandes empresas (somando IRPJ e IRPF) se aproximará de 43%, bem acima da alíquota máxima aplicável aos salários (27,5%), mas isso não eliminará o incentivo à pejotização dos profissionais liberais de classe média alta, que continuarão desfrutando de uma grande faixa de isenção, de R$ 240 mil anuais, ou R$ 20 mil por mês.

A pejotização continuará vantajosa (em comparação ao regime assalariado) para profissionais que ganham até R$ 40 mil mensais, segundo especialistas em tributação de dividendos ouvidos pela coluna. Apenas acima desse valor de renda mensal a tributação sobre dividendos tornará mais cara a prestação de serviços por meio de uma PJ.

Para grandes empresários, a carga tributária sobre o lucro vai crescer significativamente com o retorno da tributação sobre dividendos, pois a queda do IRPJ será pequena e, em muitos casos, anulada pelo fim dos Juros sobre Capital Próprio.

Por isso, a reação negativa do setor empresarial, que reclama que o retorno do capital investido em atividade produtiva vai ser tributado a uma alíquota mais gravosa até do que o ganho obtido com capital especulativo em operações como day trade.

Hoje, a carga tributária efetiva sobre o lucro de uma grande empresa se situa em média em torno de 28% e, com o retorno da tributação dos dividendos, ultrapassará a casa dos 40%.

Um empresário que tem um lucro de R$ 1 milhão por mês, por exemplo, que hoje paga de IRPJ/CSLL cerca de R$ 280 mil mensais, poderá passar a pagar, incluindo o IRPF sobre dividendos, R$ 432 mil mensais.

Um acréscimo significativo, que chama a atenção que tenha sido estipulado por uma equipe constituída predominantemente por economistas ultraliberais comandas por Paulo Guedes.

Na prática, é provável que as grandes empresas passem a limitar a distribuição de dividendos aos seus sócios ou aprofundar as estratégias de planejamento tributário e sucessório para fugir da maior oneração, avaliam.

A Receita está atenta a esse problema e está propondo algumas alterações na legislação para inibir a “distribuição disfarçada” de dividendos.

A reforma tributária também vai reduzir em tese o Imposto de Renda pago pela classe média com a correção da tabela de IRPF. O ganho dos assalariados com renda acima de R$ 6 mil mensais será de aproximadamente R$ 142 mensais ou R$ 1,7 mil anuais.

Se esse assalariado estiver utilizando hoje as deduções da declaração simplificada, que serão mantidas apenas para assalariados com renda mensal inferior a R$ 3,3 mil, o resultado pode ser diferente: aumento de carga tributária. Principalmente se esse assalariado não tiver muitas despesas com plano de saúde para abater pelo sistema de declaração completa.

A reforma exigiria – para não gerar distorções – uma redução maior do IRPJ e a criação de uma alíquota maior do IRPF, de modo a manter um alinhamento entre a tributação máxima das rendas do capital e do trabalho.

Além disso, não havia razão para manter uma isenção tão alta para dividendos pagos por pequenas empresas. “Existem pequenos poupadores com ações de grandes empresas e donos de pequenas empresas bastante ricos”, diz o economista Sérgio Gobetti, que publicou estudo de referência nessa área. Logo, ou não deveria haver nenhuma isenção, ou a faixa de isenção deveria (ser menor e) valer para todos.

Mas, aparentemente, as mudanças foram pensadas principalmente para agradar ao cidadão de classe média, que representa parte expressiva do eleitorado e com muita influência na formação de opinião. Eleição ditando os rumos das mudanças tributárias.

*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

O ESTADO DE S. PAULO

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