Reforma tributária dos EUA traz sinalizações importantes para o mundo

O governo dos Estados Unidos anunciou recentemente uma proposta de mudança no sistema tributário (Made in America Tax Plan), que visa, entre outros objetivos, a arrecadar recursos para financiar um ambicioso programa de investimentos, cujo custo deve montar a US$ 2 trilhões nos próximos dez anos.

A proposta de reforma tributária de Joe Biden chama a atenção por indicar duas importantes mudanças relativamente à postura do governo Trump: a) a reversão da tendência de redução da alíquota do Imposto de Renda corporativo; e b) uma maior disposição dos EUA em tratar de forma multilateral as questões tributárias. São mudanças importantes que podem afetar a forma como o mundo vem tratando da tributação das corporações, mas cujo impacto ainda não é certo.

A seguir são descritas algumas das mudanças propostas.

A primeira é a elevação da alíquota federal do Imposto de Renda corporativo de 21% para 28%, revertendo parcialmente a redução da alíquota de 35% para 21% promovida pelo governo Trump.

Em segundo lugar, propõem-se alterações relevantes em um dispositivo introduzido pela reforma tributária de 2017 – o global intangible low-tax income (Gilti). Em seu formato atual, o Gilti prevê a tributação, nos EUA, à alíquota de 10,5%, da renda originária de ativos intangíveis auferida no exterior pelas subsidiárias de empresas norte-americanas, isentando-se a renda correspondente a 10% do valor dos ativos tangíveis detidos no exterior. Pela proposta de Biden, a isenção para a renda dos ativos tangíveis seria revogada e a alíquota do Gilti elevada para 21%. A aplicação do Gilti passaria a ser feita país a país, e não de forma consolidada como é feito hoje.

A terceira mudança é a introdução de um imposto mínimo de 15% sobre o lucro contábil das corporações, visando a alcançar a renda de empresas cujo lucro fiscal é muito inferior ao lucro contábil.

Por fim, há duas mudanças que visam a induzir a adoção, em nível mundial, de uma alíquota mínima do Imposto de Renda corporativo. A primeira é a sinalização de que os EUA vão colaborar com os demais países da OCDE na introdução da alíquota mínima. A segunda é a vedação à dedução, no cálculo do imposto, de pagamentos feitos por empresas dos EUA a partes relacionadas localizadas em países cuja alíquota seja inferior à mínima.

As mudanças propostas têm dois objetivos. Um deles é aumentar a participação da tributação da renda corporativa no total da receita tributária dos EUA. Segundo a nota que descreve as propostas, com a reforma de 2017 a receita do Imposto de Renda corporativo teria caído do nível histórico de 2% do PIB (já inferior à média dos demais países da OCDE, que é de 3% do PIB) para apenas 1% do PIB. A nota também menciona que o objetivo é reverter a tendência histórica de redução da tributação da renda do capital relativamente à renda do trabalho.

O segundo objetivo é induzir a adoção de uma alíquota mínima internacional sobre a renda corporativa, desestimulando a competição tributária entre países.

A proposta sinaliza mudanças relevantes ante a tendência mundial, que vem desde os anos 1980, de redução descoordenada da tributação sobre a renda corporativa. No entanto, ainda não está claro se a iniciativa alcançará esses objetivos.

Apesar do apoio à alíquota mínima internacional, a proposta dos EUA se baseia dominantemente em dispositivos da legislação doméstica que não existem em outros países, o que dificulta a coordenação internacional. Em particular, a mudança no Gilti aumenta a tributação nos EUA das Big Techs norte-americanas, dificultando a distribuição do imposto sobre os lucros dessas empresas entre os países, proporcionalmente a suas vendas, que é uma demanda dos demais membros da OCDE.

Ou seja, a reforma proposta pelos EUA traz sinalizações importantes e que vão na direção correta, mas talvez ainda esteja aquém do necessário para uma mudança mais efetiva da tributação mundial do lucro das grandes corporações.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

O ESTADO DE S. PAULO

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