Apresentada pelo Executivo como uma medida de redução de gastos públicos, a proposta de reforma administrativa levada ao Congresso apresenta diversos efeitos com impactos fiscais adversos. A avaliação é do consultor legislativo do Senado Vinicius Amaral. Para ele, não é possível quantificar esses efeitos, decorrentes de possível aumento da corrupção, facilitação da captura do Estado por agentes privados e redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações.
“Por sua vez, os efeitos previstos de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União”, diz o autor em nota técnica publicada ontem na página do Senado na internet. “Assim, estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas”. Para Amaral, o melhor caminho para se ganhar eficiência no uso de recursos humanos no setor público é fazer com que as normas já existentes para o controle das despesas com pessoal “sejam fielmente cumpridas”. Segundo ele, tanto a Constituição como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) há muito tempo contêm dispositivos para controlar os gastos com pessoal, que foram sistematicamente driblados.
“O descumprimento da legislação existente é, em nosso entendimento, o problema mais grave a ser enfrentado na gestão das despesas com pessoal”, diz no documento, citando casos recentes de burlas, entre eles os reajustes de subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Procurador-geral da República, em 2018, reajustes de militares, em 2019, entre outros. “Trata-se, portanto, de uma falha sistêmica, e que tem sido certamente muito prejudicial ao equilíbrio das contas públicas. Todos os Poderes falham. O Executivo, o Judiciário e o Ministério Público falham por encaminharem proposições em desconformidade com o ordenamento jurídico. O Legislativo falha por não promover as correções necessárias e terminar por aprová-las mesmo repletas de vícios. Os Tribunais e Ministério Públicos de Contas, por sua vez, falham por se omitirem na correção dos desvios”, diz Amaral.
Ao Valor, questionado sobre o motivo de a administração pública ter dificuldades de fazer cumprir ordenamento jurídico e constitucional, o consultor avalia que isso decorre de uma “aplicação seletiva do direito”, levando às situações citadas no texto. “O controle hoje é muito frágil”. Para melhorar a administração pública e reforçar o controle de gastos com pessoal, Amaral propõe vedar o uso de medida provisória para reajuste de remuneração de servidores, proibir qualquer reajuste plurianual, inclusive dentro do mesmo mandato, exigir dotação orçamentária para o impacto anualizado de reajustes – impedindo o drible que considera só os recursos necessários para o primeiro ano de reajuste. “Nossa quarta proposta envolve a elevação da transparência das informações exigidas nas proposições legislativas que aumentem despesas com pessoal. Trata-se, aqui, de reformar o atual art. 17 da LRF”, defende.
O consultor também defende que se regulamente o teto remuneratório do setor público, a partir de projeto de lei que já tramita no Congresso. “A garantia de observância ao teto poderá reduzir despesas em aproximadamente R$ 2 bilhões por ano”, destaca. Amaral reforça ainda que hoje a legislação prevê até a demissão de quem tem estabilidade, caso os limites de despesa com pessoal sejam descumpridos. A questão é que nunca é aplicado. “Tal observação é de extrema relevância, pois evidencia que nem mesmo a estabilidade dos servidores é óbice para o controle das despesas com pessoal”, diz, defendendo também a regulamentação de demissão de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável, que tem projetos tramitando há duas décadas.
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