O relator da reforma administrativa na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, deputado Darci de Matos (PSD-SC), promoveu uma nova desidratação na proposta do governo nesta quinta-feira (20).
Ele removeu do texto o trecho que criaria novos princípios para a administração pública.
Na semana passada, Matos já havia removido a possibilidade de o Poder Executivo fundir, transformar ou extinguir autarquias e também o trecho que impedia servidores de carreiras típicas de Estado de exercerem qualquer outra atividade remunerada.
Nesta quinta, o relator ampliou seu relatório e retirou a modificação proposta pelo Executivo no artigo 37 da Constituição, que estabelece o que deve nortear a administração pública.
Hoje, os princípios são a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Na PEC (proposta de emenda à Constituição) que enviou ao Congresso, o governo queria —dentre as várias modificações— incluir as expressões imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade.
O deputado afirmou em seu parecer que a inclusão de novos princípios no texto constitucional deve possuir densidade normativa e que, da forma proposta, poderia gerar interpretações múltiplas.
Matos disse ainda que a admissão das expressões levaria a uma excessiva abertura normativa não apenas indesejável, mas prejudicial à estabilidade jurídica e incompatível com a segurança jurídica.
“Haveria uma corrida ao STF [Supremo Tribunal Federal] para clarear isso. Por exemplo, a inovação. Daqui a pouco o juiz poderia processar um prefeito que não inovou na prefeitura, mas pode ser que ele não tenha tido recursos para isso, por exemplo”, disse Matos à Folha.
Segundo ele, a retirada não chegou a ser conversada previamente com membros do Executivo —mas foi alinhada com a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ e a aliada do governo.
O objetivo foi remover qualquer ponto que pudesse ser visto como inconstitucional e que pudesse atrapalhar a tramitação da proposta.
O parecer de Matos, após as remoções, concluiu que a proposta do governo não viola princípios constitucionais.
Ele afirmou que a PEC tende a sofrer mais modificações na próxima etapa, a comissão especial, já que esse colegiado é que analisa questões de mérito sobre o texto.
O governo defendia as mudanças nos princípios removidos por Matos como uma forma de modernizar a administração pública. No entanto, as propostas eram questionadas por analistas.
No caso da subsidiariedade, por exemplo, o argumento do governo é que é preciso estabelecer que União, estados e municípios não podem atuar nas mesmas áreas.
“É exatamente respeitar o espaço de atuação de cada ente. Deixar para os municípios as responsabilidades que a Constituição delega para eles, para os estados da mesma forma, e para que a União atue naquilo que não é responsabilidade de estados e municípios. Para que não haja exercício de competência de um ente por outro ente”, afirmou Gleisson Rubin, secretário especial adjunto de Gestão do Ministério da Economia, ao apresentar a proposta em setembro de 2020.
Especialistas e representantes de servidores levantaram dúvidas sobre o princípio, no entanto, dizendo que ele pode levar à interpretação de que o Estado deveria ser “subsidiário” para dar espaço à iniciativa privada, em vez de regulador e fiscalizador da economia.
Fontes do governo minimizaram a perda dos trechos dizendo que eles não afetam de forma crucial a proposta.
Outros dois pontos da reforma removidos foram anunciados na semana passada. Um deles é o que dava a possibilidade de o presidente da República extinguir, transformar ou fundir autarquias.
“Não nos parece admissível do ponto de vista constitucional, posto que tais entidades são criadas para desempenhar, de forma descentralizada, atividades típicas de Estado. Por essa razão, ostentam personalidade jurídica própria e da mesma natureza dos entes primários (União, Estados etc.), além de nem sequer estarem subordinadas aos ministérios, mas tão-somente vinculadas”, afirmou o deputado.
Outra retirada é o ponto que impedia a realização de qualquer outra atividade remunerada para carreiras típicas de Estado (que ainda não foram definidas, mas que devem incluir diplomatas e policiais, por exemplo).
Para o deputado, o trecho “representa uma restrição flagrantemente inconstitucional que não se justifica”.
“Era um absurdo. Policial não pode ter salão de beleza, restaurante, não pode ter uma chácara? O Vinicius de Moraes era diplomata e ganhava dinheiro [também] com música”, disse.
A expectativa é que o relatório seja lido na CCJ na segunda-feira (24) e votado no dia seguinte na comissão. O calendário foi adiado em uma semana em relação à previsão anterior.
A oposição comemorou o adiamento da discussão e votação. O deputado Gervásio Maia (PSB-PB) avaliou que houve uma alteração de tom na tramitação. “Visivelmente houve alguma mudança de estratégia. Eles estavam muito apressados, muito açodados”, disse.
Na terça, quando deve ocorrer a votação, Maia afirmou que a oposição vai usar todos os instrumentos disponíveis para obstruir o processo.
Se a admissibilidade for aprovada, a PEC segue para uma comissão especial, presidida pelo deputado Fernando Monteiro (PP-PE). O texto será relatado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA) e o colegiado terá até 40 sessões para propor mudanças ao mérito do texto.
Em 22 de fevereiro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estimou que a reforma administrativa seria votada no plenário da Casa antes do fim do primeiro trimestre. No dia 10 de maio, afirmou que sua intenção era enviar o texto para o Senado até julho.
No entanto, a expectativa é que a PEC saia da comissão especial em agosto. Aliados do presidente Jair Bolsonaro veem chance de a reforma sair do papel só em 2023, depois das eleições.
A reforma proíbe progressões automáticas de carreira, como as gratificações por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilidade em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.
Sem efeito sobre os atuais servidores e dependente de futuras regulamentações para mudar regras consideradas sensíveis, a medida não deve gerar economia aos cofres públicos no curto prazo.
O pacote atinge futuros servidores dos três Poderes na União, estados e municípios, mas preserva categorias específicas. Juízes, procuradores, promotores, deputados e senadores serão poupados nas mudanças de regras.
FOLHA DE S. PAULO