Recuperação sem emprego (Editorial)

Dezenas de milhões de brasileiros – desocupados, subocupados, desalentados e seus dependentes – continuam sem convite para a festa da recuperação econômica. A economia brasileira crescerá 5,05% neste ano, segundo a projeção do mercado divulgada pelo Banco Central (BC). Uma expansão de 4,8% é a nova aposta do pessoal do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).Também saíram os números do desemprego no trimestre móvel encerrado em abril: 14,8 milhões de desocupados, 14,7% da força de trabalho, nível recorde na série estatística iniciada em 2012. Nada parece indicar uma onda de contratações a partir de maio.

Não houve melhora no mercado de trabalho, na passagem do trimestre de janeiro a março para o período de fevereiro a abril. Com a mudança do trimestre móvel, eliminou-se um mês e um mês se acrescentou ao conjunto, mas o cenário em quase nada se alterou. Além do contingente e da porcentagem dos desocupados, manteve-se o número dos desalentados (6 milhões). O total de subutilizados ficou praticamente igual, tendo passado de 33,2 milhões para 33,3 milhões de indivíduos. O grupo dos informais também pouco se alterou, tendo aumentado de 34 milhões para 34,2 milhões de trabalhadores.

As pequenas diferenças foram insuficientes para mudar o cenário na passagem do trimestre findo em março para aquele terminado em abril. Além disso, nos dois períodos o quadro geral foi bem pior que o do ano anterior. No caso do trimestre janeiro-março, o desemprego passou de 12,2% em 2020 para 14,7% um ano depois. Quando a comparação envolve o período de fevereiro a abril, encontra-se uma diferença menor, de 12,6% para 14,7%.

Os dois confrontos indicam uma sensível piora do mercado entre os dois anos. Nas duas comparações, os dados do ano anterior são confrontados com um recorde, a maior desocupação registrada na série iniciada em 2012. Na maior parte das demais economias emergentes e em quase todas as desenvolvidas houve dois movimentos bem diferenciados a partir do início da pandemia. No primeiro, como em todo o mundo, a desocupação cresceu de forma considerável. No segundo houve um claro aumento das oportunidades de trabalho. No Brasil ocorreu algo muito diferente: em nenhum trimestre de 2020 o desemprego chegou à taxa de 14,7%.

No Brasil, como em dezenas de outros países, medidas de apoio aos negócios e de sustentação do emprego foram aplicadas pelo governo central. Mas o caso brasileiro tem algumas peculiaridades. As políticas de preservação do emprego e de ajuda às famílias mais necessitadas foram suspensas no começo deste ano e retomadas parcialmente a partir de abril. Apesar disso, a reação econômica prosseguiu no primeiro trimestre, mas sem melhorar as condições do mercado de trabalho.

No trimestre fevereiro-abril a população ocupada, de 85,9 milhões de pessoas, ficou estável em relação ao contingente do trimestre de novembro a janeiro, isto é, da virada do ano. O número de pessoas ocupadas diminuiu, no entanto, 3,7% em relação ao período fevereiro-abril do ano passado. Seria muito otimismo atribuir essa redução a um abandono voluntário e tranquilo do mercado nesse intervalo de um ano.

Também é preciso levar em conta os tropeços durante a retomada econômica a partir de maio do ano passado. A maior taxa mensal de crescimento da produção industrial, nesse período, ocorreu em junho de 2020. Foi uma expansão de 9,5% sobre o volume de maio. A partir daí o ritmo declinou seguidamente, chegou a 0,2% em janeiro deste ano e em seguida se tornou negativo, declinando 1% em fevereiro, 2,2% em março e 1,3% em abril. A evolução do consumo também foi irregular, mas muito menos negativa que a da indústria. As vendas do comércio varejista cresceram 0,5% em janeiro e 3,9% em fevereiro, declinaram 3,1% em março e aumentaram 0,7% em abril. Boa parte dos serviços ainda foi afetada pelas medidas de proteção contra a pandemia. Apesar disso, a economia avançou, enquanto o emprego retrocedeu.

O ESTADO DE S. PAULO

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