Por que as privatizações perderam força apesar do sucesso obtido durante o governo FHC? Por que o ministro da Economia de um governo autointitulado liberal abandonou o discurso de que iria privatizar todas as empresas estatais?
Apesar dos enormes ganhos de eficiência, fartamente comprovados com a privatização das empresas de telecomunicação, há por parte do governo muito pouco interesse em privatizações. A frustração com o caminho tomado levou-me a resumir alguns dos argumentos que expus na introdução do livro Infraestrutura, Eficiência e Ética, de 2016, do qual fui o coordenador.
Para mim, a explicação é muito simples. As empresas estatais são usadas (e abusadas) pelos governos, à esquerda e à direita, como fonte de poder político.
Uma pequena incursão pela história esclarece o argumento. Nas décadas dos anos 1960 e 1970, na grande maioria dos países acreditava-se que através de empresas estatais os governos deveriam ter um papel preponderante na produção. Na introdução do artigo no qual analisa o problema, Schleifer (State versus Private Ownership”, NBER, 1998) afirma que “consistente com a falta de aversão à propriedade do Estado, no pós-guerra os países ao redor do mundo assumiram um papel enorme na produção, sendo proprietários de tudo, desde a terra e as minas até as fábricas e a indústria de comunicações, bancos, companhias de seguros, hospitais e escolas”.
Em uma resenha sobre as evidências empíricas nas privatizações, Megginson e Netter (“From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization”, 2001) relatam que “na Europa Ocidental, os governos nacionais debatiam em qual profundidade deveriam se envolver na regulação da economia e quais seriam os setores industriais que deveriam ser reservados apenas à propriedade do Estado”. Embora existissem razões políticas e ideológicas para a “estatização”, o motivo predominante era a crença de que as empresas estatais evitariam as “falhas de mercado”, que decorrem de externalidades, de monopólios e de custos de informação, entre outros.
As privatizações levadas a cabo por Thatcher, no Reino Unido, representaram a mais marcante mudança nessa orientação. A motivação principal foi a constatação de que, para fugir das “falhas do mercado”, as economias ficavam expostas às “falhas do governo”, com resultados muito piores. Schleifer mostrou que essa consequência era perfeitamente evitável porque, “se o governo sabe exatamente o que deseja, pode explicitar seus objetivos em um contrato ou através de uma regulação bem-feita, obrigando a empresa privada a produzir de acordo com as condições a ela impostas”. Por exemplo, é a regulação que impede que o concessionário de uma estrada explore o seu poder de monopólio.
O argumento mais forte, contudo, é o relativo à diferença de incentivos dados aos gestores de empresas privadas e públicas, e para expô-lo vou usar da distinção entre o “principal” e o “agente”. Em uma empresa privada, o “principal” é o acionista e o “agente” é a sua diretoria, cuja remuneração cresce com o aumento dos lucros. Neste caso, há um completo alinhamento de interesses que estimula a eficiência produtiva.
Já em uma empresa estatal o “principal” é o governo e o “agente” é um gestor do qual se espera que atenda aos objetivos políticos dos detentores do poder, e os resultados não são bons. Um exemplo extremo é o do escândalo de corrupção na Petrobrás, no qual o “principal” buscava recursos para “retribuir” o apoio dado pelos partidos aliados (além de objetivos que prefiro omitir), indicando um “agente” apto a cumprir a tarefa.
Outro é o da recente demissão dos presidentes do Banco do Brasil e da Petrobrás, que foram penalizados por buscar a redução de custos e o aumento dos lucros, quando o objetivo do “principal” era o de satisfazer os desejos dos grupos políticos que o apoiam.
Além da produção através de empresas estatais ser uma forma ineficiente de evitar as “falhas de mercado”, fica exposta às “falhas do governo”, uma das quais vem das exigências do “principal” quanto aos objetivos a serem perseguidos pelo “agente”. Como foi exposto por Schleifer e Vishny (“Corruption”, NBER Working Papers #4372, 1993), “empresas estatais são ineficientes não só porque seus gestores têm incentivos fracos para reduzir os custos, e sim porque a ineficiência é o resultado da política deliberada do governo de transferir benefícios aos que o suportam”.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS
O ESTADO DE S. PAULO