Presidente do IBGE pede exoneração um dia após corte no orçamento do Censo

Um dia após um corte orçamentário praticamente inviabilizar a realização do Censo Demográfico neste ano, a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra, pediu exoneração do cargo, alegando “motivos pessoais e de família”. O Censo, maior pesquisa do IBGE, que, por lei, deve ser realizado a cada dez anos, deveria ter sido feito em 2020. Por causa da pandemia, foi adiado para este ano.

O corte no orçamento do Censo foi definido na quinta-feira, 25, quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 foi aprovada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. O valor inicialmente previsto para a realização da pesquisa, operação que envolve 200 mil pesquisadores em campo para visitar presencialmente cada um dos 71 milhões de domicílios do País, era de R$ 2 bilhões. Na LOA aprovada na quinta-feira, orçamento insuficiente para garantir a realização do Censo Demográfico.

A redução no orçamento foi ainda maior do que a inicialmente esperada. No início desta semana, as discussões na CMO sinalizavam para um corte para R$ 240,7 milhões. Mesmo esse valor “inviabilizaria a operação” do Censo em 2021, informou o IBGE em nota na ocasião.

Nesta sexta-feira, 26, após a confirmação do corte ainda maior, o órgão de estatística divulgou outro comunicado, informando que, diante da aprovação da LOA de 2021, solicitaria “orientações ao Ministério da Economia sobre os procedimentos no tocante à operação censitária”. Procurado, o ministério não comentou o pedido de exoneração de Susana nem informou se já possui um nome para substituí-la.

A presidente do IBGE recusou o pedido de entrevista. Ainda no início da semana, Susana publicou um artigo no jornal O Globo, alertando que o corte orçamentário seria “extremamente preocupante para o País”.

“Além de ser um instrumento fundamental para o pacto federativo e a calibragem da democracia representativa, a contagem da população permite a determinação dos públicos-alvo de todas as políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal”, escreveu Susana no artigo, assinado junto do diretor de Pesquisas do IBGE, Eduardo Rios-Neto.

Os dados colhidos pelo Censo, como a quantidade de moradores de cada município, dão origem às estimativas populacionais que integram o cálculo de rateio do Fundo de Participação dos Estados e Municípios.

O orçamento do Censo estava em disputa desde 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. A equipe técnica do IBGE estimava gastar R$ 3 bilhões para realizar o Censo de 2020. Pouco depois de assumir o cargo, Susana anunciou que faria a pesquisa com R$ 2,3 bilhões. Na cerimônia de posse de Susana, no Rio, em fevereiro de 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou, em discurso, que o Censo é importante, mas cobrou do IBGE medidas para economizar com a operação da pesquisa.

“Tem um enigma ainda não resolvido por vários economistas que passaram aqui, que são três sedes, em seis prédios. Falta dinheiro para o Censo, mas o presidente fica de frente para o Pão de Açúcar”, afirmou Guedes na ocasião, numa referência a uma das sedes do IBGE, localizada na orla do centro do Rio. “Quem sabe a gente vende uns prédios e, vendendo os prédios, a gente vai e coloca dinheiro para complementar e fazer o Censo”, completou o ministro.

Presidente mais jovem do IBGE
Mais jovem presidente do IBGE – tinha 37 anos, em 2019 –, Susana assumiu a presidência com a missão de fazer um Censo mais enxuto. Ela é formada em Harvard e fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Já trabalhou como economista do Banco Mundial. Susana chegou ao comando do IBGE por intermédio da filha de Guedes, de quem é amiga há anos. Sua indicação foi reforçada ainda por Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde Susana atuou como pesquisadora.

Já na gestão de Susana, em meio às restrições orçamentárias, o IBGE decidiu que o questionário básico do Censo seria reduzido de 37 perguntas, previstas na versão piloto, para 26. O questionário mais completo, que seria aplicado numa amostra que equivale a 10% dos domicílios, encolheu de 112 para 77 perguntas. Com o adiamento de 2020 para 2021, o governo já havia enxugado ainda mais o orçamento do Censo. Por isso, o valor de R$ 2 bilhões no projeto da LOA, enviado ao Congresso em agosto do ano passado, já era considerado o mínimo possível.

Enquanto os valores ainda eram discutidos na CMO, ao longo da semana, um grupo de ex-presidentes do IBGE divulgou um manifesto em defesa da realização do Censo em 2021.

“A expectativa é que, em agosto, o Brasil já tenha saído ou esteja saindo da epidemia da covid, e o IBGE vem se preparando para realizar o trabalho fazendo uso de protocolos estritos de proteção sanitária de entrevistadores e entrevistados”, dizia a carta, assinada por Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti.

Por outro lado, com a piora da pandemia no início deste ano, servidores do IBGE em dez Estados já vinham pedindo um novo adiamento do Censo, para 2022. O movimento começou em fevereiro, no Rio Grande do Sul, quando coordenadores de área do Estado ameaçaram uma entrega coletiva de cargos, em reuniões por videoconferência e em cartas à direção.

Na segunda-feira, 22, o ex-presidente do IBGE Roberto Olinto também defendeu o adiamento para o ano que vem. Feita em meio à pandemia, a pesquisa poderia coletar informações distorcidas, ponderou Olinto, hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), que comandou o IBGE no governo Michel Temer e seguiu na diretoria do órgão por alguns meses, mesmo após a posse de Susana.

“Fundamental é fazer o Censo, mas um Censo bem feito”, disse Olinto ao Estadão/Broadcast. “A pandemia está pior, a vacinação não será efetiva até agosto, houve uma mudança econômica e social fortíssima causada pela pandemia. O que aconteceu no último ano é absolutamente atípico, o que seria medido agora é uma transição, não é a realidade da população”, completou o pesquisador.

O ESTADO DE S. PAULO

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