Enquanto indicadores agregados da atividade brasileira surpreendem positivamente em 2021, a despeito da piora sanitária, um olhar mais atento aos segmentos que compõem os grandes setores da economia revela ramos – e não apenas em serviços, mas também no comércio e na construção – em que a confiança está muita baixa e persistem dificuldades para aproveitar esse “vento favorável”.
Sete dos dez segmentos com os menores níveis de confiança em maio de 2021 estavam no setor de serviços, aponta abertura das Sondagens do Instituto Brasileiro de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). A confiança mais baixa, porém, é a do varejo de tecidos, vestuário e calçados. Na média móvel de três meses – métrica que ajuda a observar tendências -, registra 69,6 pontos. Em termos de evolução, também fica na lanterna: a confiança está 27,3 pontos abaixo do nível pré-covid fevereiro de 2020), pelas médias trimestrais.
“Chama a atenção que o segmento realmente evoluindo de forma menos favorável não é o de serviços”, afirma Aloisio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas do FGV Ibre. Isso porque o setor é o mais diretamente atingido pelo isolamento social. Mas diversas de suas categorias estão no “top 10” da menor confiança (ver quadro ao lado). Na ponta oposta, quase todos os segmentos mais otimistas são da indústria, com exceção do comércio de veículos. “O problema são os que dependem de venda A recuperação da economia brasileira em ritmo mais forte do que o esperado colocou o país apenas 2% abaixo do que estaria, caso a tendência de crescimento dos anos de 2017 a 2019 não tivesse sido interrompida pela recessão da covid-19. O cálculo é da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia e foi antecipado ao Valor pelo subsecretário, Fausto Vieira, da área macroeconômica da pasta. Essa distância pode até ser eliminada, ainda neste ano, o que seria inédito nos dez episódios de retrações do nível de atividade vividos pelo Brasil desde 1980, avalia Vieira. Mesmo que esse prognóstico não se confirme, ele diz que a distância de 2% em relação à tendência sem a crise é um evento raro, só ocorrido após a recessão de 2001, evidenciando o bom desempenho da atividade. Nas outras recuperações, esse espaço foi bem superior, com no mínimo 5% de distância ante a trilha original.
O economista do governo ressalta que a literatura mostra não ser só no Brasil que há dificuldade de se alcançar o nível em que a economia estaria sem o evento negativo. Em geral o que se perdeu não se recupera nunca mais, e isso é mais frequente em países pobres. Vieira salienta que o atual ciclo no Brasil tem sido liderado pelos investimentos e estaria sendo financiado pelo setor privado. Ele atribui esse movimento às mudanças macroeconômicas, com uma agenda de melhoria de marcos regulatórios e a chamada consolidação fiscal.
Em sua visão, o fato de o país ter tido a maior expansão de gastos públicos da história no ano passado, embora tenha ajudado, não explica a retomada e a liderança dos investimentos, que já superaram o nível pré-pandemia. “Se fosse por causa disso [expansão fiscal] o consumo estaria bombando, mas o que está puxando é o investimento, que está respondendo a questões do lado da oferta, como novos marcos legais, crédito e financiamento barato indo para onde há produtividade”, disse. Enquanto os investimentos cresceram 13,5% e 17% nos últimos dois trimestres, o consumo das famílias recuou 3% e 1,7%, respectivamente, na comparação com iguais períodos do ano anterior. “Nós fizemos as medidas para ajudar na pandemia, elas tiveram efeito para a população e teve uma retomada no consumo, mas não foi tão forte. O que veio forte foi o investimento”, acrescentou.
Com essa leitura, o técnico do governo destaca a necessidade de se persistir na agenda de melhoria de regras para o setor privado e também em se manter a agenda fiscal, com medidas como a reforma administrativa e a manutenção do teto de gastos. Com isso, avalia, a retomada será sustentável no longo prazo. O professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador do Cebrap, André Roncaglia, enxerga a recuperação de forma diferente. Além da expansão fiscal, ele aponta que outros fatores cooperam para isso, como o ciclo de alta de commodities.
“O monumental déficit de 2020 ainda é parte importante desse crescimento, que poderia ter sido maior se governo não tivesse cortado o auxílio emergencial no início do ano”, destacou. “Tirar o efeito da demanda é pouco razoável, mas pode haver também o elemento de confiança puxado pelos fatores que mencionei. Não acredito que tudo está ocorrendo no lado da oferta”, completou. Roncaglia mostra ceticismo quanto à manutenção desse crescimento. A principal razão, explica, é o mercado de trabalho, com mais de 20 milhões de desempregados e desalentados (quem não procura mais emprego). “Essa vulnerabilidade no mercado de trabalho refuta a expectativa de que economia brasileira volte de maneira muito forte. É preciso uma recuperação do emprego e da renda para resgatar o consumo de maneira muito forte”, destaca.
O economista também aponta que o ciclo das commodities pode ser mais curto e menos intenso do que o da década de 2000, por fatores como a mudanças nas cadeias de valor. Outro fator a jogar contra, diz, é a relação “histriônica” do Brasil com o exterior, principalmente na área ambiental, que hoje mobiliza grande parte do capital internacional. “A conjunção de fatores que hoje sustentam a economia não permite acreditar que ela vai retomar nível pré-pandemia nem o de 2013.” Roncaglia diz que para sustentar a retomada e assim gerar empregos e renda é preciso acelerar a vacinação e o setor público voltar a mobilizar investimentos em infraestrutura, além de uma reforma tributária que atinja quem ganha muito, entre outras medidas. Nesse contexto, ele defende abandonar o teto de gastos para não sufocar o investimento público.
São visões diferentes sobre uma mesma realidade de recuperação surpreendente na econômica. Se o PIB mais forte é uma boa notícia, em especial para as contas públicas, é preciso cuidar para não se embarcar em euforia, até porque parte dessa recuperação tem como reverso um período triste de milhares de mortes e escalada da covid-19. É por isso que a necessidade de vacinação, que ainda está muito aquém do desejável, é um dos poucos pontos de concordância entre as diferentes linhas de pensamento econômico. Do jeito que ela ainda caminha, culpa da inépcia que vai do governo federal a governadores e prefeitos, o país pode colocar a arrancada a perder e deixar milhões sem chance de se empregar, além atrasar a salvação de milhares de vidas, ampliando a tragédia atual.
Ribamar Oliveira
Nos últimos dois meses ocupei essa coluna do querido Ribamar Oliveira, que lutava contra a covid-19, sempre torcendo para que na semana seguinte ele voltasse a trazer seu brilho a este espaço. Semana passada esse sonho se frustrou. Todos nós do Valor sentimos uma enorme tristeza com a partida desse jornalista que, para mim, sempre será uma referência de como deve ser exercido esse duro ofício: com espírito crítico, duvidando até de si mesmo, mas sempre com ponderação, aberto a diferentes opiniões e compromisso total com a verdade dos fatos.
Foi uma honra não só trabalhar com ele (fomos contemporâneos também em “O Estado de S. Paulo”), mas ter desfrutado do prazer de sentar ao seu lado na redação nova do jornal, trocando ideias e aprendendo constantemente. Dói saber que, por uma doença que já tinha vacina, não mais ouvirei “Faala, Graner!” ao chegar no jornal e não verei sua alegria com uma notícia. Mas essas lembranças e seu exemplo seguem vivos. Riba merece todas as nossas homenagens.
Fabio Graner é repórter em Brasília.
E-mail: fabio.graner@valor.com.br
VALOR ECONÔMICO