Pesos pesados da Bolsa têm R$ 400 bi que podem virar dividendos com reforma do IR

A proposta do governo de tributar em 20% os dividendos que as empresas distribuem a seus acionistas lançou luz sobre um ponto do balanço patrimonial das companhias: as reservas de lucro, um “colchão” que elas formam com os resultados que não distribuem. As 10 maiores reservas em empresas da Bolsa de Valores cresceram quase 30% no último ano, com a pandemia e o conservadorismo das companhias para aplicar recursos. O volume retido nessa linha dos balanços chegou próximo aos R$ 400 bilhões nesse grupo de pesos pesados.

Levantamento realizado pela Economatica a pedido do Estadão/Broadcast mostra que, somadas, as 10 maiores reservas de lucro de empresas listadas na B3 subiram 27% entre março de 2020, início da pandemia da covid-19 no País, e março deste ano. Puxadas por Petrobrás e bancos privados, as reservas combinadas do grupo bateram em R$ 394,5 bilhões.

Essa reserva cresceu porque, no começo da crise, as empresas cortaram ou suspenderam pagamentos de dividendos para enfrentar o período de incertezas. Para muitas delas, porém, a pandemia teve impacto menor que o esperado. “Muitas empresas represaram dividendos para preservar o caixa por conta da pandemia, então, existe uma gordura”, diz Werner Roger, sócio e CIO da gestora Trígono Capital. “Pode haver no segundo semestre uma grande antecipação de dividendos.”

Como mostrou o Estadão/Broadcast, a aprovação da proposta de reforma do Imposto de Renda que inclui a taxação de dividendos pode levar a distribuições extraordinárias em empresas com altas reservas e baixo endividamento. Quem optar pelos pagamentos extras terá de correr: o projeto que propõe tributar dividendos creditados a partir de 1.º de janeiro de 2022, independentemente do período em que o lucro aconteceu. As empresas teriam até dezembro para evitar a tributação.

“A regra de transição estimula uma descapitalização das empresas e, dependendo do caso, até uma regra mais agressiva na gestão do caixa”, diz Antonio Amendola, sócio-diretor do Dias Carneiro Advogados. Ele lembra que, quando a atual isenção tributária de dividendos foi aprovada, em 1995, a regra de transição foi relacionada ao período em que os lucros aconteceram, e não ao momento em que foram distribuídos.

Mas nem todo o volume extra de lucros deve virar dividendo. Frederico Mansur, sócio responsável por direito societário do Natal & Mansur Advogados, lembra que, em empresas abertas, a decisão sobre o pagamento de dividendos passa pelo conselho de administração e tem de obedecer à lei, aos órgãos que regulam cada setor e ao estatuto da companhia.

“As empresas de capital aberto com reserva alta talvez façam essa movimentação. Mas não é uma regra tão simples”, afirma. “O assunto torna uma relevância muito maior para empresas familiares e limitadas do que para grandes corporações.”

Mansur afirma que a tributação também pode antecipar pagamentos extraordinários de dividendos em empresas que pretendem fazer ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa. É comum que esse tipo de distribuição ocorra antes de aberturas de capital, para remunerar os atuais acionistas antes que outros entrem na base da empresa. Segundo ele, algumas companhias que assessora estão com o IPO suspenso devido às condições de mercado, mas podem adiantar a distribuição de dividendos para este ano para fugir da tributação.

Monitorando a tramitação da reforma
Consultadas, algumas das empresas que têm as 10 maiores reservas de lucro na B3, por enquanto, disseram que mantêm seus planos de distribuição para os acionistas e não discutem alterações. O Banco do Brasil, por exemplo, mantém a previsão de distribuir 40% de seu lucro líquido neste ano. A Eletrobrás distribuirá R$ 1,5 bilhão, e ainda não discutiu alterações.

Dona das maiores reservas, a Petrobrás informou que monitora a tramitação da reforma para identificar possíveis impactos em sua estrutura de capital e que pretende contribuir com as discussões.

A estatal é um exemplo de como as reservas podem complementar a distribuição regular de lucros. Os dividendos da Petrobrás referentes a 2020 foram de R$ 10,3 bilhões, maiores que o lucro anual da companhia, de R$ 7,1 bilhões no critério atribuível a acionistas. Isso foi possível porque R$ 4,6 bilhões dos dividendos vieram da reserva de lucros.

Ambev, Vale e Bradesco não comentaram. Itaú Unibanco, Santander Brasil, Itaúsa e BTG Pactual não responderam até a publicação desta nota.

O ESTADO DE S. PAULO

Compartilhe