Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva defende a aprovação da proposta de emenda à Constituição para abrir espaço no Orçamento no próximo ano
Por Vandson Lima, Renan Truffi, Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, Valor — Brasília
A primeira versão Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição foi apresentada no Congresso Nacional nesta quarta-feira, com a sugestão de retirada em caráter permanente do Auxílio Brasil da regra do teto de gastos públicos e a permissão de um gasto estimado de até R$ 198 bilhões para 2023.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva defende a aprovação da proposta de emenda à Constituição para abrir espaço no Orçamento em 2023 e que permita cumprir promessas de campanha, como o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
O texto, levado pelo vice-presidente eleito e coordenador da transição de governo, Geraldo Alckmin (PSB) sofre desde já mais resistências do que o esperado no Parlamento. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) afirmou que o que foi recebido é uma “minuta”, que poderá sofrer interferências antes mesmo de ser protocolada.
Tendo percebido as resistências, Alckmin procurou pontuar que “tudo está sendo feito no sentido de fortalecer o Legislativo”, a quem caberá dar forma à proposta. “Entregamos ao Senado Federal e ao Arthur Lira [presidente da Câmara] uma proposta para que o Legislativo possa analisar”, disse. “Esta é a proposta e agora caberá ao Congresso analisar. Não entregamos nenhuma PEC, entregamos uma proposta, um anteprojeto. A recepção à PEC foi boa, não quer dizer que esta será a proposta aprovada, mas é um início muito importante”, ressalvou.
Como o Orçamento para 2023 já prevê R$ 105 bilhões para o pagamento de R$ 400 mensais para o programa social, esse montante, aprovada a PEC, será liberado e redistribuído a outras ações, que ainda serão determinadas na peça orçamentária. A proposta prevê ainda a excepcionalização do teto de gastos do pagamento de um valor extra de R$ 150 mensais a pais beneficiários que tenham filhos de até 6 anos de idade. O custo estimado dessa medida é de R$ 18 bilhões.
Outro ponto incluído foi aproveitar o excesso de arrecadação, em comparação com 2021, para fazer exclusivamente investimentos entre R$ 22 bilhões e R$ 23 bilhões fora do teto de gastos, o que contrariou Alckmin, que pretendia colocar uma trava de 40%. A proposta também exclui do teto de gastos as receitas próprias obtidas por universidades federais. Com isso, além das verbas obtidas pelas universidades, haverá um espaço extra para gastos de até R$ 198 bilhões.
“No caso de investimento, a receita extra vai uma parte para investimento, 40% vai para investimento e 60% para pagamento da dívida. Mas estabeleceu-se uma trava de, no máximo, 6,5% da receita corrente líquida, o que daria R$ 23 bilhões”, explicou Alckmin. Também serão excluídas do teto as doações para o meio ambiente e a educação. “Não há nenhum cheque em branco. A PEC dá o princípio e a LOA [Lei Orçamentária Anual] vai detalhar como serão usados os R$ 105 bilhões abertos no Orçamento”. Alckmin destacou que o projeto de lei do Orçamento de 2023 terá o menor espaço para investimentos da história, de apenas 0,22% do Produto Interno Bruto (PIB), e que a meta é alcançar 1% do PIB.
Tramitação e relatoria
O relator do Orçamento para 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI) era dado como certo na relatoria também da PEC, mas foi pressionado a ser o primeiro signatário da proposta — pelo regimento do Senado, quem apresenta a primeira assinatura não pode relatar a matéria, o que o inviabiliza para a função de relator. “Ele já é relator do Orçamento, não pode ser relator-geral da República”, ironizou Alcolumbre.
Castro confirmou que será o primeiro signatário da PEC, que necessita do apoio de 27 senadores para tramitar, mas que o protocolo só ocorrerá depois houve consenso sobre qual é o texto “ideal”, “aquele com maior probabilidade de ser aprovado”. “O mais difícil, aqui no Senado, não é a tramitação, é chegar a um entendimento de qual seria o texto mais adequado”, disse.
O emedebista voltou a destacar que, além dos programas de transferência de renda, falta dinheiro para programas como o Farmácia Popular e para investimentos. “Esse orçamento tem furos de ponta a ponta”, comentou.
“O desejo dos senadores é construir um texto conjunto com a Câmara, que seja plausível, e que seja com muita responsabilidade, reconhecendo a importância dessa matéria, do equilíbrio fiscal, mas que o Congresso possa dar uma resposta, para que a gente realize esses compromissos com a sociedade brasileira”, disse Alcolumbre. Ele recebeu a proposta em nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que está na COP 27.
Segundo ele, a CCJ respeitará os prazos regimentais e a PEC tramitará pela comissão antes de ser votada pelo plenário. “O tempo está curto. Hoje estamos em meados de novembro, temos 30 dias para votar uma PEC na Câmara e no Senado e o Orçamento de 2023”, comentou. “Temos uma minuta, mas repito, não é um texto, até porque não existe proposta de emenda constitucional. Existe o desejo do governo, pedindo o apoio do Parlamento, para que a gente possa construir a várias mãos”, afirmou.
O que diz a minuta
A minuta da proposta diz que o espaço de R$ 105 bilhões para despesas que será aberto no Orçamento de 2023, caso aprovado o projeto, será “exclusivamente” para solicitações da equipe de transição.
Além disso, determina que o aumento dos gastos com o Auxílio Brasil em 2023 não precisará ser compensado com aumento permanente de arrecadação, criação de novas receitas ou corte de despesas. O governo eleito pretende gastar mais R$ 70 bilhões para manter o benefício em R$ 600 por família e criar um adicional de R$ 150 por criança até seis anos. Essa brecha não valerá para novos aumentos cujo pagamento tenha início após 1º de janeiro de 2023.
Os programas e projetos em que serão gastos os R$ 105 bilhões serão incluídos no Orçamento por meio de emendas do relator-geral, diz a PEC, mas não serão executados como emendas parlamentares. Com isso, o governo eleito pretende controlar a destinação das verbas – mas a decisão sobre se o texto será aprovado dessa forma será do Congresso.
De acordo com a minuta, os gastos adicionais com as receitas extraordinárias e com os programas de transferência de renda não contarão para o cálculo de atingimento da meta fiscal de 2023. Pela Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2023, já aprovada e sancionada, o governo central poderá registrar um déficit primário de R$ 65,9 bilhões.