Para isentar motos de pedágio, Bolsonaro vai aumentar valor para demais motoristas

Depois do agrado aos caminhoneiros, com um pacote de medidas lançado na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro colocou em prática seu plano de isentar o pedágio de motociclistas nas próximas concessões. A benesse, que será viabilizada com o aumento de tarifas cobradas de motoristas de carros e caminhões, avança no momento em que o presidente promove eventos com motoqueiros, em tentativa de angariar apoio popular. O alvo da mudança são as futuras concessões de estradas, sem efeito para aquelas que já foram concedidas.

Mal recebida pelo corpo técnico do governo, a mudança já deverá valer para a nova concessão da Dutra, rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, para a BR-381/262, entre Minas Gerais e Espírito Santo, e a BR-116/493, do Rio a Minas Gerais, além do projeto de concessões de rodovias no Paraná, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

A iniciativa, que vai gerar impacto de até 1% nas demais tarifas, foi confirmada em nota pelo Ministério da Infraestrutura. “O Ministério da Infraestrutura informa que já estuda a retirada da cobrança de pedágio aos motociclistas para as novas concessões de rodovias federais e trabalha para viabilizar essa mudança nos projetos que estão em andamento. A gratuidade não deve gerar grande impacto nas tarifas, segundos os estudos”, informou a pasta à reportagem.

O Estadão/Broadcast apurou que os estudos de isenção já estão praticamente prontos. No caso da Dutra, eles apontaram que a gratuidade aos motociclistas vai provocar um impacto médio de 0,5% nas tarifas pagas pelos demais usuários, de acordo com fontes. No Paraná, o benefício deve onerar o pedágio de carros e caminhões entre 0,31% e 0,60%.

A iniciativa vai obrigar o ministério comandado por Tarcísio de Freitas a alterar projetos que já foram, inclusive, enviados para aval do Tribunal de Contas da União (TCU) – último passo antes da publicação do edital de concessão. É o caso dos projetos da BR-381/262 e da Dutra, por exemplo. A rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, hoje administrada pelo Grupo CCR, é a estrela do programa de concessões de rodovias federais. A relicitação do trecho envolve 625,8 quilômetros, com investimento previsto de mais de R$ 14,5 bilhões.

É a tarifa paga pelos motoristas que banca esses investimentos em obras e melhorias nas estradas concedidas. E é por isso que, ao prever isenção a um grupo específico de veículos, os demais condutores precisam desembolsar mais ao passar pelo pedágio. Ou seja, o benefício pesa no bolso do contribuinte, e não no caixa do governo.

Esse tratamento desigual entre os usuários nas estradas já foi classificado como “retrocesso” pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). A posição da entidade foi dada quando Bolsonaro, ainda em julho do ano passado, lançou a ideia. À época, no entanto, o anúncio do presidente foi tratado internamente como uma promessa vazia. Agora, mais perto do pleito de 2022, a conversa mudou.

Diante da insistência de Bolsonaro, a ala técnica procura amenizar a situação argumentando que o impacto médio para os demais usuários é pequeno, e não de 5%, como o setor já calculou no passado. É levado em conta que o fluxo de motos nas rodovias é pouco representativo, com maior concentração nos fins de semana. A questão é tratada como uma opção política do presidente. Como chefe maior, teria legitimidade para escolher o modelo de concessões elaborado em seu governo, afirmam.

Essa visão, no entanto, não anula o reconhecimento de que a mensagem passada com a mudança é negativa, por privilegiar uma categoria. A medida é tocada dentro de um ministério que, nos primeiros anos do governo Bolsonaro, conseguiu emitir a imagem de que estaria blindado de interferências políticas. Portanto, do ponto de vista técnico, é iniciativa é reprovada internamente.

Outra questão lembrada é que, apesar de o fluxo de motos não ser expressivo, o motociclista demanda muito atendimento médico e mecânico que é prestado nas rodovias pelas concessionárias, pelo índice de envolvimento em acidentes. Ou seja, produz um custo para as operadoras de rodovias.

A situação também deve gerar um cenário desigual entre as concessões pelo Brasil, já que o novo modelo só deve valer para os novos projetos, sem alterar as operações em vigor. O governo leiloou ainda em abril o trecho da BR-153/080/414, entre Goiás e Tocantins, sem a gratuidade. E já está programado o certame da BR-163, entre Mato Grosso e Pará, para julho, também sem a benesse. Ou seja, dos leilões de rodovias previstos para 2021, a isenção só não foi incluída para trecho já leiloado ou com edital publicado. Para o próximo ano, o Ministério da Infraestrutura prevê fazer o leilão de concessão de mais sete projetos rodoviários.

Segundo a ABCR, dos acidentes registrados nas rodovias concedidas a associados da entidade, uma média de 20% são com motos.

Em nota divulgada após a publicação da reportagem, a ABCR afirmou que qualquer tipo de gratuidade “compromete” o equilíbrio das concessões, baseado no conceito de que “quando todos pagam, todos pagam menos”. A entidade estima que, em média, o impacto dessa isenção a motociclistas seja da ordem de 5% na receita de um projeto de concessão de rodovia.

“Na prática, a isenção acaba por ser distribuída pelas tarifas dos demais usuários”, apontou a ABCR. “No caso de ligações dentro ou entre regiões metropolitanas de maior porte, esse percentual pode ser ainda mais significativo” alertou. A entidade, que reúne 47 empresas privadas do setor de concessões de rodovias, destacou que, para a viabilidade desses projetos, é importante que a base de pagantes de fato represente o universo de usuários que utilizam a rodovia.

“Nessa linha, faz sentido assegurar o conceito ‘quando todos pagam, todos pagam menos’. Qualquer tipo de isenção compromete esse equilíbrio e impacta na tarifa que será paga pelos demais usuários”, afirmou a ABCR.

A associação lembrou ainda que os motociclistas continuarão usando os serviços disponíveis nas rodovias concedidas, entre eles assistência pré-hospitalar em emergências e socorro mecânico, por exemplo. Em 2019, dos 112.356 acidentes registrados nas rodovias concedidas, associadas à ABCR, 20,26% envolveram motocicletas.

Caminhoneiros
Quem não gostou nada da notícia foram os caminhoneiros, que já reclamam do peso do diesel e das peças de reposição, como pneus. Para Aldacir Cadore, do Comando Nacional dos Transportes (CNT), mais um aumento poderá significar o colapso do transporte. “Está ficando inviável rodar. O diesel está caro e as peças de manutenção também estão com preços mais altos.”

O presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o Chorão, também acredita que o setor não aguenta mais aumentos. “Estamos no limite. Todo mundo quer ganhar dinheiro em cima dos caminhoneiros autônomos.” Ele afirma que vê com bons olhos o programa Gigantes do Asfalto, criado pelo governo. “Prometeram muita coisa, agora quero ver cumprir. Vou cobrar.”

O ESTADO DE S. PAULO

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