Apesar da desigualdade de oportunidades ainda elevada entre brancos e negros, o Estado brasileiro já produziu avanços significativos no campo das ações afirmativas e hoje o maior desafio para incluir negros cabe ao setor privado, afirma José Vicente, fundador e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. “O Estado já andou um bom caminho nessa direção com a criação de cotas para universidade e em concursos públicos para diversos órgãos. Quem ficou para trás foi o ambiente privado, as empresas precisam correr atrás do prejuízo”, disse ele ontem durante a Live do Valor.
Vicente esclarece, no entanto, que ainda poderia partir do governo algum tipo de ação para estimular a presença de negros no mercado de trabalho. “Já temos consensos que a prática de trabalho escravo é inadequada, assim como problemas na área ambiental. Estamos abrindo espaço para aqueles que estão em desvantagem, como deficientes físicos e o público LGBTQ+, mas o tema raça ficou de fora, então seria adequada uma legislação que pudesse regular esse tipo de intervenção”, acrescentou. Para Vicente, no cenário ideal o melhor seria que as próprias empresas tomassem a iniciativa para incluir mais negros em seus quadros do que esperar algum tipo de exigência legislativa, principalmente por questões históricas, como o desemprego tradicionalmente mais elevado entre pretos e pardos do que na população branca.
“Estávamos numa situação calamitosa antes da pandemia e agora as coisas tomaram um sentido de emergência e risco de caos social. Vamos ter de enfrentar esses problemas e gostaria que as empresas reconhecessem que têm uma necessidade, não só estratégica mas ética [de contratar mais negros]”, disse. Também nessa direção foi produzido o Índice de Inclusão Racial Empresarial (IIRE), desenvolvido com o DataZumbi, instituto de pesquisas da Universidade Zumbi dos Palmares, para medir a participação de negros no mercado de trabalho. Em 23 empresas analisadas, 29% têm profissionais negros, e só 6,6% em cargos de diretoria e conselho.
“O nosso país tem poucas informações sobre o impacto do racismo estrutural. As pesquisas que temos são mais voltadas para as políticas públicas, não temos nada para dentro do ambiente das empresas como uma ferramenta ou mecanismo para medir como estamos e como seguir adiante”, afirma. Situações de crise como a trazida pela pandemia evidenciam como a falta de participação dos negros na tomada de decisão política é prejudicial à sociedade. “Em dezembro acaba o auxílio governamental e salve-se quem puder. Para esse tipo de coisa, se não tiver um negro [participando das decisões], vamos continuar a ser uma nação cindida.”
O reitor da Zumbi dos Palmares também lembra que, apesar de ainda hoje segmentos da sociedade resistirem a políticas públicas como as cotas raciais, a atuação do Estado é essencial e absolutamente legítima para equilibrar as desigualdade. “Para cada uma das situações em que há desigualdade, o Estado tem obrigação ética, moral e constitucional de agir. Não é favor nenhum, é cumprir a função do próprio Estado”, disse.
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