O sistema tributário continuará caótico (Claudio Adilson Gonçalez)

Os ônus dos tributos para os agentes econômicos são de três categorias: a própria despesa incorrida no pagamento das obrigações fiscais; os custos de conformidade, ou seja, as despesas necessárias para apurar os impostos e contribuições e satisfazer às exigências do Fisco; e os custos de distorções na alocação eficiente de recursos, que são inversamente proporcionais à qualidade dos sistemas tributários.

O Brasil possui um sistema tributário de péssima qualidade, o que faz com que os custos dessas três categorias sejam muito elevados. Os problemas existem tanto nos tributos diretos (sobre renda e patrimônio) como nos indiretos (que incidem sobre a produção e o consumo). É sobretudo nesses últimos que residem os maiores obstáculos para o crescimento econômico.

Por isso, causa estranheza o fato de o governo ter trabalhado contra a proposta de profunda reforma da tributação sobre o consumo (PEC 45), preferindo começar com uma tímida alteração, limitada ao PIS-Cofins, e com uma reforma mais ampla do imposto sobre a renda (IR), que já se transformou numa colcha de retalhos, tecida pelas pressões de grupos ou setores que se acham prejudicados com as modificações.

De fato, a tributação do consumo tem sido orientada equivocadamente para atingir objetivos múltiplos, que deveriam ser mais bem perseguidos por políticas públicas específicas. União, Estados e municípios, crescentemente, insistem em usar os impostos indiretos como instrumento de políticas sociais, desenvolvimentistas, regionais e, muitas vezes, apenas como manobras eleitoreiras.

O resultado disso é que nosso sistema tributário se transformou numa enorme confusão, e é um dos grandes obstáculos, se não o maior, para a elevação da produtividade e do crescimento econômico. Isso é visível na complexidade, na guerra fiscal, no acúmulo de créditos fiscais nas empresas, no elevado número de contenciosos, na multiplicidade de alíquotas que geram privilégios para certas atividades, em vinculações que dificultam a realização eficiente de políticas públicas, na indevida oneração dos investimentos e das exportações e em complexas questões relativas à partilha dos recursos.

Conforme estudo realizado pelo economista Bráulio Borges (Ibre/FGV e LCA Consultores), para o Centro de Cidadania Fiscal, a reforma consubstanciada na PEC 45, bombardeada pelo governo, ao reduzir principalmente os custos de conformidade e de alocação ineficiente de recursos, além de desonerar os investimentos, provocaria enorme impulso ao crescimento econômico. Somente os efeitos diretos poderiam aumentar o PIB potencial em 20%, em 15 anos.

Já o Projeto de Lei (PL) 2.337/21, que altera o IR, não remove as enormes distorções existentes nesse tributo, especialmente na tributação do lucro, hoje restrita à pessoa jurídica. Embora a alíquota nominal seja de 34% para a maior parte das grandes empresas que pagam pelo lucro real, há uma multiplicidade de alíquotas efetivas, dadas as várias possibilidades legais de ajustes do valor a ser tributado e a ampla gama de reduções do imposto devido.

Isso quebra o princípio da neutralidade alocativa do IR. Afinal, deve-se tributar o lucro de maneira uniforme, seja ele gerado na empresa ou no setor que for.

Além disso, como já mostrei neste espaço, é falso que o PL diminui a regressividade do IR. Também não é lógico reduzir impostos diretos num país onde a carga de tributos indiretos incidentes sobre a folha de pagamento e o consumo de bens (não de serviços) é desproporcionalmente elevada para padrões internacionais.

O melhor que pode acontecer é que os Estados e municípios, que arcarão com a maior parte dos custos da redução do Imposto de Renda das empresas, consigam impedir a aprovação do monstrengo em que se transformou a reforma tributária de Paulo Guedes.

*ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

O ESTADO DE S. PAULO

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