Instabilidade política, aumento da inflação e escassez de mão de obra estão entre os principais desafios deste ano, segundo pesquisa com 147 dirigentes brasileiros
Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo
A instabilidade política, apontada por 14,6% das companhias, e a inflação crescente (12,7%) são as maiores preocupações dos CEOs em 2023, segundo pesquisa exclusiva obtida pelo Valor. O estudo, realizado pela consultoria de recrutamento Michael Page, com o apoio de Paul Ferreira, professor de estratégia e liderança da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), perguntou a líderes corporativos quais seriam os principais desafios no ano, no cenário político e econômico, que estariam fora da alçada de suas gestões.
O risco de recessão (11,6%) e a falta de confiança no governo (10,8%) também figuram entre os mais lembrados, em uma lista com 19 temas, como mudanças no comportamento do consumidor (6,5%) e a volatilidade dos preços das commodities (5,4%).
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O levantamento “O Brasil pós-eleições: uma visão da liderança empresarial” foi concluído em dezembro de 2022, semanas antes das invasões de 08 de janeiro. Ele ouviu 147 executivos, entre presidentes, vice-presidentes, diretores, superintendentes e sócios de companhias de mais de 20 setores, em todo o Brasil, sendo a maior parte (64%) de São Paulo.
“O resultado das eleições presidenciais influenciou os desafios que os principais líderes terão ao longo do ano”, explica Ricardo Basaglia, CEO da Michael Page no Brasil. “São aspectos políticos e econômicos que fogem do poder das empresas, mas que impactam em decisões estratégicas e planos de negócios”. Os executivos preferem fazer investimentos com base em um horizonte previsível, afirma.
Ricardo Mussa, CEO da Raízen, diz que para encarar os desafios deste ano será fundamental ter uma gestão de risco eficiente e “realizar hoje sem deixar de planejar o futuro” — Foto: Claudio Belli/Valor
Ricardo Mussa, CEO da Raízen, diz que para encarar os desafios deste ano será fundamental ter uma gestão de risco eficiente e “realizar hoje sem deixar de planejar o futuro” — Foto: Claudio Belli/Valor
Para os especialistas, a pandemia continuará moldando um ambiente de negócios desafiador nos próximos meses, assim como podem surgir desdobramentos nos negócios relacionados às cenas de vandalismo que aconteceram em Brasília, com repercussão global. O risco do aumento da inflação, a escassez de mão de obra, interrupções na cadeia de suprimentos e mudanças no comportamento do consumidor são citados como dificuldades pelos gestores na pesquisa, diz Ferreira. “Cada um desses fatores está diretamente ligado à crise sanitária, mas também ameaça ganhar ‘vida própria’.”
Na visão de Ferreira, para “pular as fogueiras” do ano, os CEOs buscarão o desenvolvimento de novos produtos e a transformação digital nas rotinas. Um melhor gerenciamento do fluxo de caixa e a gestão eficiente de pessoas também estão no radar das diretorias, de acordo com o professor.
Para Maurício Rodrigues, presidente da divisão agrícola da Bayer para a América Latina, com sete mil funcionários na região, a agenda de adversidades nos próximos meses deve abarcar desde planejamentos internos, como a consolidação de novos formatos de expedientes; até demandas globais, como a maior necessidade de alimentos. “Ainda estamos aprendendo a melhor forma de nos ajustar ao modelo híbrido, a fim de valorizar a flexibilidade do trabalho remoto e entender a importância do presencial”, diz o executivo, no posto da multinacional alemã desde 2021.
Há, ainda, uma urgência de produzir alimentos para uma população crescente, aprimorando a distribuição e reduzindo perdas, explica. “Para lidar com esse assunto, https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e inovação serão essenciais”. A Bayer destina cerca de € 2 bilhões, anualmente, em todo o mundo, para pesquisa e desenvolvimento, afirma Rodrigues.
Diante das próximas batalhas do ano, ele aposta em duas habilidades essenciais para a liderança: escuta ativa e capacidade de diálogo. “O compartilhamento de pontos de vista é um alicerce para fortalecer a cultura organizacional”, ensina. “Além de avançarmos como empresa, nos leva a evoluir como pessoas.”
Na avaliação de Ricardo Mussa, CEO da Raízen, companhia com 43 mil funcionários que atua em setores como produção de açúcar, etanol e distribuição de combustíveis, 2023 emite sinais de incerteza, considerando situações legadas do ano anterior e o início de um novo governo. “Ainda não entendemos ao certo como as novas decisões [do governo] vão influenciar os mercados em que operamos”, diz. Desde 2020 no comando da companhia, que faturou R$ 196 bilhões na safra 2021-2022 (57% a mais que a anterior, 2020-21), Mussa afirma que os maiores testes que enfrentou no ano passado estavam ligados à volatilidade dos mercados, causada pela guerra na Ucrânia e o período eleitoral no Brasil. “Isso provocou uma forte pressão inflacionária e mudanças tributárias”, diz.
O quadro complexo ocorreu exatamente no período de maior investimento da história da Raízen, segundo Mussa, e justo no primeiro ano como companhia de capital aberto. “Estamos falando de, simultaneamente, construir plantas, contratar pessoas e realizar a integração com a [sucroalcooleira] Biosev, que trouxe mais de dez mil funcionários.”
Para o executivo, a temporada deixa lições importantes sobre planejamento. “Além de realizar hoje sem deixar de planejar o futuro, é fundamental ter uma gestão de risco eficiente”, diz. Também percebemos a necessidade de intensificar a capacitação para situações adversas, destaca. Uma das iniciativas de treinamento para o time de líderes, organizada no ano passado em parceria com uma consultoria externa, focou temas como visão estratégica e trabalho em equipe.
Nos próximos meses, um dos maiores obstáculos para as chefias, segundo Mussa, será desenvolver, reter e atrair talentos. “Gente é sempre o maior desafio”, diz. “Ainda mais em um momento de crescimento, em que é necessário contar com profissionais de todos os perfis, de operadores de máquinas à liderança.”
André Novo, country manager no Brasil da multinacional de software SAS, com 14 mil funcionários em todo o mundo, concorda sobre a esperada escassez de mão de obra e aponta a troca de governo estadual e federal, que “pode ou não impactar o mercado”, além da recessão global, como as provas de fogo em 2023. Pelo menos sobre a falta de currículos, a companhia já arregaçou as mangas, afirma.
No ano passado, lançou um curso gratuito on-line, com o objetivo de servir como introdução à analytics (análise de dados) para profissionais de qualquer formação. Foram capacitadas cerca de 1,5 mil pessoas em cinco edições, sendo uma delas voltada apenas para mulheres. “Este ano teremos, ao menos, cinco novas turmas.”A