Apenas 25,5% dos trabalhadores brasileiros desempenham funções que podem ser realizadas em home office, modalidade que ganhou os holofotes em meio à pandemia de covid-19 e a necessidade de distanciamento social. O percentual cai para 17,8% dentro desse grupo se considerados só aqueles que declaram ter condições mínimas de infraestrutura para cumprir as atividades de forma remota, como possuir computador e acesso à eletricidade e internet. As conclusões são de estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) apresentado ao Valor. O baixo potencial para o home office é um desafio para o Brasil, num cenário em que o trabalho remoto tende a ganhar espaço como resultado de transformações provocadas ou aceleradas pela pandemia, apontam os pesquisadores do FGV Ibre. Há o risco de ampliação das desigualdades já existentes, uma vez que o teletrabalho é possível especialmente para trabalhadores de maior escolaridade e renda.
Além disso, o Brasil pode ficar ainda mais atrás em produtividade, porque outros países têm possibilidade maior de adotar o home office. Outro ponto é que eventuais incertezas jurídicas possam atrasar a adoção em larga escala do trabalho remoto. A penetração do teletrabalho no Brasil é inferior à de países desenvolvidos, como Reino Unido, Estados Unidos e Dinamarca, onde o potencial gira em torno de 40% das atividades econômicas. Para chegar ao indicador, foram excluídas atividades predominantemente presenciais, como as de manutenção, as que lidam com o público ou envolvem atividade física. As informações foram extraídas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A abertura dos dados evidencia a forte desigualdade regional, de instrução, raça e renda no acesso ao home office. Na região Sudeste, 28% dos trabalhadores poderiam trabalhar de casa, fatia que recua para 20,8% quando excluídos aqueles sem a infraestrutura domiciliar necessária. Em igual análise, os percentuais da região Norte são, respectivamente, 21,2% e 10,3%. Não foram exploradas no levantamento as possíveis correlações da baixa capacidade de home office com a gravidade da crise sanitária.
Entre os que terminaram o ensino superior, o potencial de teletrabalho chega a 62,4% dos trabalhadores, ou 52,9% pelo filtro da infraestrutura. Para quem terminou o ensino médio, mas não concluiu um curso superior, os percentuais são de 23,7% e 14,8%. Os trabalhadores menos escolarizados são os mais desfavorecidos no quesito: 6,5% entre os que possuem fundamental incompleto podem realizar o trabalho a distância, mas só 1,5% possui a infraestrutura para tanto. “A infraestrutura mínima não considera ‘luxos’, como possuir um escritório em casa ou espaço organizado para trabalhar. É apenas energia, internet e computador. Quando fazemos o ajuste por isso, temos uma ideia da real dimensão do potencial de home office no país”, afirma Fernando Barbosa de Holanda Filho, pesquisador do FGV Ibre e um dos autores do estudo.
Na análise por gênero, 32,7% das atividades desempenhadas por mulheres poderiam ser feitas a distância, mais do que os homens (20%). Isso porque a população feminina tem forte atuação sobretudo em carreiras da educação, que mantiveram ao menos algum nível de trabalho remoto durante o último ano, a despeito das limitações pedagógicas e de acesso à https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg. Mas a possibilidade maior de home office não impediu que as mulheres fossem mais penalizadas no mercado de trabalho na pandemia: de 2019 a 2020, a população ocupada e que poderia trabalhar de casa caiu 3,4% entre as mulheres, mais do que o recuo de 1,9% entre homens. Já para o grupo excluído do home office houve retração de 11,5% na ocupação de mulheres, contra 8,3% dos homens. “Além da falta de demanda na crise, houve também choque de oferta pelo fato de a mulher ter de fazer a escolha, seja por norma social, seja por barganha familiar, de sair do mercado de trabalho e ir para a economia do cuidado”, afirma Laisa Rachter, pesquisadora do FGV Ibre.
O Brasil fez uso ainda mais baixo do que o potencial de home office, mostra outro levantamento realizado a partir de dados da Pnad Covid. De 23,8% de trabalhadores elegíveis à modalidade por esse recorte, o resultado efetivo foi de 8,7% em novembro do ano passado, o dado mais recente disponível. O maior índice foi atingido há um ano, quando o país chegou a 10,4% de trabalho remoto. “Países desenvolvidos tiveram nível de trabalho efetivo em casa maior do que o potencial. O Brasil tinha potencial baixo e o efetivo foi menor ainda, o que exacerba as desigualdades entre os países”, afirma Fernando Veloso, pesquisador do FGV Ibre. Ele avalia que o risco desse quadro é o de ampliar a diferença de competitividade entre as nações. “O problema é que o diferencial de produtividade já era enorme entre ricos e pobres e deve aumentar a partir de agora”, explica.
A expansão das atividades remotas poderia ser um canal para aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) potencial do país, mas as perspectivas atuais são desalentadoras, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre. “Temos problemas educacionais e estamos muito distantes da fronteira tecnológica e de oferta de infraestrutura em geral.” A pesquisadora recorda que a desigualdade na adoção do home office também está expressa na recuperação heterogênea dos setores. “Os serviços de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg estão 20% acima do padrão pré-pandemia, enquanto os serviços prestados às famílias estão 40% abaixo”, afirma Silvia. A comparação com outros países também ganha importância para as carreiras com maior nível de internacionalização, como as de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg da informação. “O mercado em algumas carreiras vai virar global. No caso brasileiro, a legislação trabalhista pode ser um problema para atrair talentos, em como o trabalho remoto vai ser tratado”, destaca Barbosa, acrescentando que reduzir a incerteza jurídica será fundamental para a adoção do home office em maior escala. Para os mais qualificados, a boa notícia é que a perspectiva salarial é vantajosa. “Uma firma brasileira vai ter de disputar com uma do Reino Unido, que paga em libra para o trabalhador consumir em real”, diz Barbosa.
Mas essa realidade vale somente para um topo muito restrito da cadeia produtiva no Brasil. A renda média dos que estão aptos ao home office e têm infraestrutura é de R$ 4.266, mais que o dobro do que recebem aqueles que não podem trabalhar de casa (R$ 1.674) ou poderiam, mas não possuem infraestrutura (R$ 1.791). Por outras perspectivas, as conclusões são as mesmas: 23,6% dos trabalhadores formais atendem aos dois critérios para o teletrabalho, ante 10,2% dos informais; ou 24,5% dos brancos e amarelos e apenas 12,2% dos pretos e pardos. O possível avanço do teletrabalho vai aumentar o fosso entre os trabalhadores qualificados e não qualificados, opina Luiz Guilherme Schymura, diretor do FGV Ibre. “Os talentos chegam para competir em nível global, o que eleva a competição para toda a massa de trabalhadores. Os trabalhadores terão mais barreiras e o custo de entrada no mercado de trabalho será ainda maior”, afirma o pesquisador.
VALOR ECONÔMICO