Na mira do TCU, Orçamento deve retirar ‘pedaladas’ para evitar crime

Pela gravidade do alcance da “pedalada” nas despesas obrigatórias na votação do Orçamento de 2021, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) devem tratar do tema na análise das contas do presidente Jair Bolsonaro de 2021.

Se executar um Orçamento recheado de manobras contábeis, já identificadas por técnicos da própria área orçamentária do governo e do Congresso, o presidente corre o risco de cometer crime de responsabilidade fiscal, passível de impeachment. O tema causa apreensão num momento em que o presidente está sob pressão do Congresso por causa da condução na pandemia e anúncio de trocas nos ministérios.

A maquiagem orçamentária já está sob exame dos técnicos do tribunal depois que um grupo de parlamentares apresentou ao TCU ontem requerimento pedindo uma manifestação formal sobre o corte de R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias, sem respaldo nas projeções oficiais do Ministério da Economia, para viabilizar aumento recorde das emendas parlamentares.

Com o Orçamento na mira do TCU, governo e lideranças do Congresso buscam uma solução para o impasse em meio a acusações de traições, ganância por emendas, irresponsabilidade e quebra de acordo na votação do Orçamento, na semana passada. O clima azedou também entre Senado e Câmara.

A pressão maior é sobre o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), que está sendo cobrado pelo comando da Câmara a corrigir o “excesso” de emendas parlamentares, que pela primeira vez superaram a barreira de R$ 50 bilhões.

Segundo apurou o Estadão, três opções estão na mesa: a votação de um novo projeto, o ajuste pelo relator ou veto do presidente Jair Bolsonaro. A equipe econômica tem um projeto para acomodar no Orçamento R$ 16 bilhões extras em emendas, que foi o acordo inicial. Em vez disso, Bittar acrescentou quase o dobro, R$ 31,3 bilhões.

Como revelou o Estadão, Guedes e a articulação política do governo Bolsonaro aceitaram incluir no Orçamento mais R$ 16 bilhões em troca da aprovação da PEC do auxílio emergencial sem retirar o programa Bolsa Família da regra do teto de gastos, que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação.

O volume de emendas parlamentares subiu depois que o relator Bittar ampliou em mais R$ 6 bilhões a fatia de emendas que ele próprio escolhe o destino, tendo o apoio do ex-presidente da Casa Davi Alcolumbre (DEM-AP). Outros R$ 8 bilhões acomodaram emendas adicionais para o Ministério do Desenvolvimento Regional, de Rogério Marinho.

‘Inexequível’
O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu o recado que o Orçamento é “inexequível” e que é preciso fazer o ajuste correto.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um dos mais irritados com a decisão de Bittar de ampliar o espaço de emendas de relator, além do que havia sido acordado. Como relator do Orçamento, Bittar pode cancelar as emendas e é esse movimento que está sendo esperado desde a sexta-feira.

Lideranças cobram o ajuste do Orçamento antes que o TCU se pronuncie sobre o problema que aumentou a incerteza sobre as contas públicas em 2021.

Um dessas lideranças, que participa das negociações, disse ao Estadão que não tem como o Orçamento ficar do jeito que está e comparou a quebra do acordo pelo relator à entrega de um “cheque de confiança em branco, preenchido com o dobro do valor acertado”.

A relatoria do recurso no TCU foi parar nas mãos do ministro Bruno Dantas, que determinou a apresentação de um sumário dos problemas e requisição de informações. “O que a gente espera é que o TCU analise com muita agilidade e retome ainda esta semana com parecer técnico, inclusive do risco da pedalada fiscal”, disse o deputado Vinicius Poit (Novo-SP). Lideranças reclamam que Guedes não tem sustentado as negociações que fez para a aprovação da PEC do auxílio emergencial. Também há críticas no Congresso sobre a forma pouco contundente do ministro para barrar a maquiagem orçamentária que teve aval de setores do governo.

Na segunda-feira passada, depois que o primeiro parecer do relator foi apresentado, ainda sem o corte de despesas obrigatórias, como na Previdência e seguro-desemprego, o Ministério da Economia enviou relatório de avaliação de despesas e receitas mostrando um rombo de R$ 17,5 bilhões para o cumprimento do teto de gasto. A esse buraco se soma os R$ 26,5 bilhões de corte de despesas obrigatórias feitos pelo relator, ampliando para R$ 44 bilhões a necessidade de ajuste do Orçamento.

Caminhos da maquiagem
Dezembro/2020

Teto de gastos: Depois de várias tentativas fracassadas de drible no teto de gastos, governo e Congresso não abrem espaço orçamentário para obras e reforço no programa Bolsa Família, mesmo com o fim do auxílio emergencial. Votação do Orçamento fica para 2021.
Janeiro/2021

Salário mínimo: Inflação mais alta eleva valor do salário mínimo para R$ 1,1 mil, abrindo um buraco nas previsões de despesas do projeto de lei orçamentária que tinha sido enviado pelo governo em agosto de 2020 (e previa R$ 1.067).
Fevereiro/2021

Auxílio emergencial: Novos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, são eleitos com cobrança de um novo auxílio emergencial. O ministro da Economia, Paulo Guedes, cobra uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com medidas fiscais de controle de gastos como contrapartida. Negociações do auxílio emergencial se alongam e debate do Orçamento é deixado de lado.
Meados de Fevereiro/2021:

Rombo: Técnicos do Ministério da Economia enviam à Comissão Mista de Orçamento tabela com projeções que apontam buraco de R$ 17 bilhões para cumprir o teto de gastos. Mas governo não encaminha formalmente um complemento do projeto de Orçamento para acomodar as previsões de gastos maiores ao Congresso Nacional. Equipe econômica não faz alertas oficiais.
Março/2021:

Emendas parlamentares: Para aprovar a PEC do auxílio com medidas fiscais e sem tirar os recursos do Bolsa Família do teto de gastos, governo faz acordo para o relator, o senador Márcio Bittar, acomodar mais R$ 16 bilhões em emendas parlamentares. Nos bastidores, ganha força a ideia de corte de despesas obrigatórias da Previdência para acomodar as novas emendas.
22 Março/2021:

Sem revisão: Relator Márcio Bittar apresenta primeiro parecer do Orçamento ignorando a necessidade de revisar as despesas. Faz aumento comedido de R$ 3 bilhões em emendas de relator. No mesmo dia, equipe econômica divulga relatório com cenário que aponta buraco de R$ 17,5 bilhões para cumprimento do teto de gastos – R$ 8,4 bilhões só em despesas com benefícios da Previdência.
23 Março/2021

Previdência: Tensão aumenta nas negociações de bastidores e votação do Orçamento é ameaçada. Ministério da Economia avalia que pode reduzir em mais R$ 4 bilhões as despesas de Previdência e só.
24 Março/2021

Turbinada: Negociações paralelas do relator turbinam as emendas de relator além dos R$ 16 bilhões acordados. Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Social, fica com mais R$ 8 bilhões e relator com ouros R$ 6 bilhões.
25 Março/2021

Pedaladas: Relator apresenta na hora da votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) novo parecer cortando R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias, maior parte de Previdência, seguro-desemprego e subsídio para agricultura familiar. Relator não faz ajuste nas previsões de despesas com base em alerta do Ministério da Economia para fazer artificialmente o aumento das emendas. Emendas sobem para R$ 51,6 bilhões com pedaladas nas despesas obrigatórias.
26 Março/2021

Carta: Orçamento com pedaladas sofre críticas. Grupo de parlamentares envia carta ao presidente.
29 Março/2021

Tensão: TCU é acionado

O ESTADO DE S. PAULO

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