Folha de S.Paulo – 11/12/2021 –
A dificuldade para encontrar profissionais nos Estados Unidos e na Europa deu início a um movimento incomum entre empresas multinacionais: a exportação de trabalhadores brasileiros para suprir falta de mão de obra até no chão de fábrica em outros países.
Esse tipo de migração é restrita, uma vez que a maioria das nações tem leis para defender o mercado de trabalho interno e impõe medidas rígidas e onerosas para este tipo de trânsito. A pandemia deixa o processo mais complexo ainda.
Uma confluência de fatores, no entanto, tem deixado milhões de vagas em aberto em países desenvolvidos, especialmente nos EUA. A mão de obra está envelhecendo, os jovens estão insatisfeitos com as condições de trabalho atuais e alguns países vivem um boom de novos postos com a reabertura do comércio e a volta de serviços que ficaram suspensos no período mais crítico da pandemia.
Nos EUA, o número de postos em aberto chegou a 11 milhões no final de outubro, segundo o Departamento de Trabalho americano. Falta trabalhador para indústrias, empresas de logística e saúde, bem como estabelecimentos como supermercados e redes de alimentos, restaurantes, hotéis e lojas dos mais diversos segmentos do varejo.
Canadá e países europeus até flexibilizam as regras para atender ao déficit de profissionais.
O vizinho dos Estados Unidos anunciou ainda em 2020 planos de receber mais de 1,2 milhão de imigrantes para trabalhar no país até 2023. A Alemanha aprovou uma nova lei trabalhista para imigrantes que acelera o processo de obtenção de vistos para profissionais qualificados, e países como a Grécia passaram a permitir que estrangeiros com visto estudantil pudessem trabalhar no território.
A falta de mão de obra na Europa ocorre especialmente nos setores de construção e serviços. A rede de hotéis Vila Galé, com sede em Lisboa, por exemplo, prepara um reforço no intercâmbio de funcionários do Brasil, onde opera desde 2001, para Portugal. A migração está agendada para ocorrer entre março e outubro de 2022, segundo o administrador do grupo, Gonçalo Rebelo de Almeida.
Nos EUA, medida semelhante está sendo adotada pela Nitroquímica. Fundada em 1935 em São Miguel Paulista (SP), o grupo produtor de nitrocelulose inaugurou a planta na Georgia (EUA) em 2016. O braço local, sob o nome Alchemix, já recebia funcionários da matriz para funções executivas, mas a crise de falta de mão de obra alterou o perfil dos enviados.
“O cenário mudou drasticamente. Se antes trazíamos um executivo ao ano, com perfil de crescimento acelerado em tarefas gerenciais, agora estamos precisando de funcionários de atividades operacionais. A oferta de mão de obra está baixíssima, e a demanda e os salários, altos. É uma bola de neve”, diz Fernando Matheus, gerente geral de operações da empresa nos EUA.
A partir de janeiro, a companhia passará a levar operadores de fábrica, com experiência na planta brasileira, para atuar no país. Serão quatro profissionais na primeira leva, e a recepção dos funcionários à seleção interna tem sido positiva.
“Os profissionais estão super dispostos a vir, porque consideram um país muito atrativo”, diz o gerente. “Aqui, os gestores estão quebrando a cabeça para encontrar mão de obra para trabalhar. Quem tem e pode transfere.”
A catarinense Tigre, fabricante de plásticos para materiais de construção, adotou estratégia semelhante. O grupo dobrou o tamanho de sua operação americana com a compra, em abril, da Dura Plastic, que produz conexões de PVC para irrigação e drenagem.
Segundo Patricia Bobbato, diretora de pessoas, comunicação interna e sustentabilidade, a companhia passou a figurar entre as cinco maiores do segmento nos EUA e precisou abrir oportunidades para profissionais alocados no Brasil trabalharem no país.
Durante a crise sanitária, os consulados do país no Brasil suspenderam a emissão de vistos e priorizaram situações emergenciais. No segundo semestre deste ano, os processos voltaram a ganhar fôlego.
Em outubro de 2019, 1.072 brasileiros foram autorizados a trabalhar temporariamente nos EUA. O número chegou a cair para 134 em janeiro de 2021 e, no último mês de outubro, 624 brasileiros receberam a autorização.
Os puxadores da retomada são as autorizações para vistos de transferência de profissionais de uma mesma companhia, que totalizam 497 em outubro.
Os números de transferência são modestos, mas chamam a atenção quando se leva em consideração os protocolos sanitários para trânsito entre países durante a pandemia, bem como os custos e o tempo requerido nesse tipo de processo.
Para transferir um funcionário para morar e trabalhar nos EUA, a empresa deve patrocinar formalmente a ida, arcando com os custos migratórios. O processo leva em torno de 120 dias e pode sofrer restrições impostas pela pandemia.
A categoria de visto que contempla esses migrantes veda que o próprio funcionário arque com as despesas do processo. A empresa também deve provar ao governo americano que tentou, sem sucesso, contratar profissionais americanos para a vaga.
As regras visam inibir a “compra” de vagas por imigrantes em empresas locais e proteger a força de trabalho americana da concorrência dos estrangeiros, diz Ingrid Perez, advogada de migração que atua em escritório localizado na Flórida, onde a maioria das empresas multinacionais brasileiras concentram suas operações americanas.
“Mesmo com a dificuldade de preencher as vagas, as leis migratórias continuam as mesmas e não facilitam para empregadores que queiram contratar”, diz.
Segundo a advogada, uma empresa nos EUA que deseje importar um funcionário para o país deve esperar gastar a partir de US$ 8.000 (R$ 44,7 mil), entre custos de processo e taxas ao governo americano para emissão do visto EB-3, que permite a entrada de profissionais que exerçam atividades para as quais faltem trabalhadores qualificados no país.