A renda de praticamente metade dos trabalhadores que atuavam por conta própria no Brasil não ultrapassava R$ 1 mil por mês no terceiro trimestre de 2019, período pré-pandemia. A conclusão integra estudo divulgado nesta quarta-feira (7) com base em microdados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No terceiro trimestre de 2019, período da análise, o país somava 24,3 milhões de trabalhadores por conta própria em áreas urbanas —o número desconsidera domicílios rurais. Do total, a parcela de 48% (em torno de 11,7 milhões) recebia até R$ 1 mil por mês. O salário mínimo à época era de R$ 998.
O levantamento foi realizado por pesquisadores da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e da Reafro (Rede Brasil Afroempreendedor) em parceria com o projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo. A fundação é ligada ao PT (Partido dos Trabalhadores).
O sociólogo João Carlos Nogueira, pesquisador do Observatório UFSC/Reafro, afirma que o trabalho por conta própria representa muitas vezes uma saída para profissionais com dificuldades de inserção no mercado. Em razão da escassez de vagas e da necessidade de renda, essas pessoas abrem um negócio próprio por necessidade, diz Nogueira. O salário, entretanto, tende a ficar em patamar baixo.
“Há um desajuste no rendimento”, diz o pesquisador, que também é coordenador-executivo da Reafro.
Segundo Nogueira, o estudo analisa dados do terceiro trimestre de 2019 porque eram os mais recentes à disposição quando o levantamento começou a ser desenhado. As estatísticas integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE.
Conforme os números divulgados nesta quarta-feira, apenas 7% dos profissionais que exerciam o trabalho por conta própria como ocupação principal recebiam acima de R$ 4.000 por mês no terceiro trimestre de 2019.
A maior parte dos autônomos atuava de maneira informal, sem CNPJ. Essa fatia era de 77% no país. Os outros 23% possuíam o registro. Entre as regiões, a informalidade era mais acentuada no Norte (90%) e no Nordeste (87%).
No recorte por raça e cor, os negros constituíam a maioria dos trabalhadores nessa categoria: 54%. Os homens representavam 63% do total. Segundo o estudo, a parcela de mulheres (37%) só não era maior porque o emprego doméstico, quase inteiramente feminino, não entra no cálculo do trabalho por conta própria.
O levantamento ainda cruza microdados de renda com o perfil dos trabalhadores. Segundo o estudo, atividades por conta própria com rendimento de até R$ 1 mil estavam relacionadas principalmente a profissionais negros. Eles respondiam por 65% dos autônomos na construção civil, 61% nos serviços de alojamento e alimentação e 57% no comércio.
Brancos eram maioria em serviços sociais, de educação e saúde (67%) e atividades de informação, comunicação, financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (64%). A pesquisa afirma que, à medida que a renda cresce, o trabalho por conta própria tem aumento na participação de brancos e homens.
No terceiro trimestre de 2019, autônomos com rendimento acima de R$ 4.000 eram predominantemente formais (59%). Enquanto isso, postos com renda inferior a R$ 500 por mês eram quase todos informais (95%).
Em 2019, antes da pandemia, o mercado de trabalho ainda buscava se recuperar dos prejuízos da recessão de 2015 e 2016. Com a chegada da Covid-19, que provocou demissões em setores diversos a partir de 2020, a tendência é de que a ocupação por conta própria volte a aumentar no Brasil, projeta Nogueira.
“É um grupo que tende a crescer por necessidade, já que o país tem quase 15 milhões de desempregados”, aponta. “O crescimento do trabalho por conta própria pode até trazer uma sensação de melhora, mas não é necessariamente isso”, acrescenta.
Segundo dados da Pnad Contínua mais recente, divulgada pelo IBGE no último dia 30, o Brasil fechou o trimestre móvel de fevereiro a abril de 2021 com 24,04 milhões de profissionais autônomos. O número ainda está abaixo do pré-pandemia, mas indica avanço de 2,8% (mais 661 mil) ante igual trimestre de 2019. Ou seja, a modalidade por conta própria sinaliza retomada durante a crise sanitária.
FOLHA DE S. PAULO