Metade do setor industrial ainda não retomou ritmo

Depois de uma forte expansão no segundo semestre do ano passado, a produção da indústria brasileira caiu em três dos quatro meses cujos resultados são conhecidos em 2021, mas os números mostram que os segmentos vivem realidades distintas. Praticamente metade, 12 de 25 setores, não voltou ao nível pré-pandemia. Outros 13 não apenas voltaram, mas superam aquele nível, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para o bem e para o mal, os efeitos da pandemia estão por trás do desempenho tanto dos setores abaixo quanto dos acima da linha traçada em fevereiro do ano passado, o último mês antes da covid-19. Se o isolamento e o home office beneficiaram as vendas de eletrodomésticos, eletrônicos, plástico e papel (usados em embalagens, por exemplo) e material de construção, também derrubaram a produção de vestuário, calçados e bebidas. Sem sair de casa, uma parte da população resolveu não renovar o guarda-roupa. Também deixou de ir a bares e restaurantes. Analistas vêm um comportamento mais homogêneo da indústria nos próximos meses. “Esperamos uma acomodação dos setores que saíram muito na frente e uma convergência maior ao longo do segundo semestre de 2021, com as pessoas consumindo menos bens e voltando a consumir serviços à medida que avança a vacina” diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. Ela aponta que setores que dependem mais da mobilidade, como vestuário e calçados, podem reagir de forma mais expressiva.

De longe, o segmento com melhor desempenho é o de máquinas e equipamentos. Em abril, a produção superava em 21% o nível de fevereiro de 2020. Essa indústria tem sido puxada pelo agronegócio e pela construção civil, mas também pelas barreiras impostas por fornecedores internacionais durante o período mais crítico da pandemia e pela depreciação cambial, que deixou o produto nacional mais competitivo, afirma Cristina Zanella, diretora do departamento de economia e estatística da Abimaq, associação de empresas de máquinas e equipamentos. “Essa conjuntura fez a participação do produto nacional no mercado interno aumentar dez pontos percentuais, para 53%”, afirma. As exportações, que caíram em 2020, voltaram a crescer neste ano. “A conjuntura de preços internacionais muito elevados e câmbio depreciado tem ajudado muitos setores exportadores, como o agronegócio e a indústria extrativa. E eles estão demandando muita máquina, equipamentos e também caminhões”, afirma Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores. Cristina, da Abimaq, observa que a indústria de máquinas também foi beneficiada pela demanda por bens de capital dos fabricantes de embalagens, alimentos e medicamentos, itens muito demandados na pandemia.

Em segundo lugar na lista, a produção de minerais não metálicos está 15% acima do pré-pandemia. “É construção civil na veia”, diz Alessandra Ribeiro. Exemplos de minerais não metálicos são cascalho, areia, calcário, granito. Na ponta oposta está a indústria de vestuário, cuja produção está 21,6% abaixo de fevereiro do ano passado. O fechamento do comércio de abril a junho do ano passado levou a produção a quase zero, conta Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Desde agosto de 2020 as vendas têm se recuperado, mas ainda há um longo caminho. “Quando há uma interrupção tão forte, que reduziu a atividade em 90% leva-se esse efeito estatístico por um tempo maior”, afirma Pimentel.

O segmento têxtil está quase empatando com o pré-pandemia, com queda de 2,7% sobre fevereiro de 2020, puxado por artigos de cama, mesa e banho, muito demandados após as medidas de isolamento social. A Abit vê uma recuperação dos têxteis para o nível de 2019 ainda neste ano, mas o vestuário deve ficar para 2022. Outra recuperação adiada é da indústria automobilística. A produção está 12% abaixo de fevereiro de 2020. “É o setor mais afetado [pela pandemia]. Não fosse a escassez de insumos, teria um comportamento mais positivo”, diz Nishida, da LCA. Um problema generalizado na indústria é o aumento do custo de produção. “Commodities, algodão no nosso caso, e frete subiram muito. E as matérias-primas sintéticas, importadas, ficaram mais caras”, diz Pimentel, da Abit. Cerca de 70% do custo são atrelados ao dólar no setor, que não conseguiu repassar essa pressão ao consumidor.

Na indústria farmacêutica e de farmoquímicos (insumos), o patamar 15% menor que o pré-pandemia chama atenção. Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, diz que alguns segmentos, como o de itens para intubação, triplicaram a produção. A fabricação de antibióticos e vitaminas também cresceu. “Provavelmente, algumas empresas não forneceram informações ou as deram com atraso no IBGE”, pondera ele. Segundo o dirigente, a falta de insumos é um problema resolvido no setor, mas os custos aumentaram, em média, 40%. A indústria farmacêutica não vê alívio nos custos no segundo semestre e olha com preocupação um projeto de lei que tramita no Congresso congelando os preços dos medicamentos ao nível de março. Setor que ainda está sofrendo com a falta de insumos, o volume de produção da indústria plástica está 5% acima de fevereiro.

Mas, aqui, o custo e o câmbio também têm sido problema. “Houve uma grande desorganização da cadeia produtiva e logística mundial”, afirma José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Tem sido difícil adquirir matéria-prima. “Houve paradas para manutenção no polo petroquímico de São Paulo e, como temos apenas um fornecedor doméstico de resinas, há desabastecimento”, diz. Parte do setor consegue repassar a variação cambial aos preços; parte não consegue. Alessandra Ribeiro, da Tendências, lembra que a atual apreciação do câmbio pode gerar algum alívio para quem importa insumos. Mas a questão hídrica é um limitador de demanda. “É um risco baixista”, diz ela.

VALOR ECONÔMICO

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