Recessão, pandemia, inovação, automação, desemprego. Junte-se a isso a baixa qualificação média dos nossos trabalhadores, e vemos por que os últimos anos não têm sido fáceis para o mercado de trabalho no Brasil. A economia fraca, muito antes da queda de 4,1% em função da pandemia de 2020, mais fecha do que abre postos de trabalho. A inovação e o processo acelerado de automação exigem qualificações que vão muito além do que nossa educação – universal, porém de baixa qualidade – é capaz de gerar.
E, assim, o desemprego assola e atinge hoje 14,7 milhões de brasileiros. Mas o movimento não é uniforme e, cada dia mais, expõe a exclusão de trabalhadores ao mesmo tempo em que mostra escassez de outros. O mercado financeiro, que hoje já vive os 5% de crescimento que o PIB de 2021 deverá gerar, é um dos exemplos das particularidades de um mercado de trabalho em que tantas forças atuam ao mesmo tempo.
A indústria financeira já via o processo de digitalização se acelerando muito antes da pandemia. Com ela, ganhou força ainda maior, as tendências se intensificaram e abriram espaço para novas demandas, novos serviços e, acima de tudo, novas experiências. O consumidor de serviços financeiros, que já vinha contaminado por melhores experiências nas suas interações virtuais, passou a cobrar mais e melhores serviços digitais. A pandemia escalou essa demanda e acelerou essa exigência, da mesma forma que gerou maior urgência na oferta.
A contrapartida não poderia ser outra, senão a necessidade de uma mão de obra com habilidades técnicas alinhadas à maior automação, ao uso de inteligência artificial e à reavaliação das possibilidades de terceirização onde capacidades proprietárias não estejam presentes.
Paralelamente, o trabalho remoto criou uma nova dinâmica para uma força de trabalho que viu sua rotina e seu bem-estar serem profundamente afetados por um modelo operacional distinto. Esses impactos se traduzem em uma maior valorização do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e significam um desafio adicional para a atração e retenção de talentos. Afinal, embora até pouco tempo impensável, o trabalho remoto na indústria financeira trouxe um aumento da produtividade no início, mas também impôs uma carga de trabalho que hoje cobra seu preço. Ao mesmo tempo, criou possibilidades de rotinas familiares que não serão totalmente abandonadas daqui em diante. Voltar ao novo normal, com opções de trabalho híbrido, também exigirá a revisão de um modelo que não previa a mudança de comportamento que hoje se percebe nas pesquisas com as novas gerações de trabalhadores.
Esses reviram suas visões sobre as antigas cargas de trabalho e sobre suas perspectivas de crescimento profissional frente a necessidades pessoais. Reter e atrair trabalhadores com novas expectativas será um desafio adicional nesse mercado escasso.
Finalmente, investimentos em infraestrutura e segurança já foram feitos, definindo padrões de trabalho que hoje abrem a possibilidade de manutenção de ganhos de produtividade já testados e redução de custos que podem se tornar em parte perenes. O equilíbrio estará em conseguir fechar uma equação que combina um mercado de trabalho ofertado e ao mesmo tempo escasso, uma força de trabalho mais exigente, menos disponível e mais digital e flexibilidade que traga benefícios econômicos, mas também garanta o equilíbrio entre atratividade e manutenção da cultura de cada empresa.
Ou seja, o mundo pós-pandemia começa a se delinear. E ele vem cheio de desafios. Dentre eles, um mercado de trabalho diferente que emerge das novas demandas, mas também da oferta de postos de trabalho que exigem qualificações cada vez mais específicas.
Nesse movimento, novas políticas privadas de emprego e de capacitação serão importantes, mas estão longe garantir níveis mais elevados de emprego.
Afinal, são as políticas públicas de emprego – a saber educação, capacitação e todo o arcabouço legal trabalhista – que deverão dar conta de preparar uma força de trabalho para um mercado que, muito além do que já se antevê no setor financeiro, será muito mais desafiador. A recriação do Ministério do Trabalho para manter atendido um amigo do presidente certamente não é um sinal de que estamos nesse caminho.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA
O ESTADO DE S. PAULO