Mercado de escritórios vive onda de devoluções

Em julho do ano passado, o Estadão fez uma reportagem com o título “Devolver ou não escritórios, eis a questão”. Na época, as empresas já haviam percebido que era possível manter a operação normal de um negócio com o trabalho remoto. A pergunta que não queria calar era: como ficariam os prédios corporativos em meio à emergência do home office? Se antes essa era uma questão em aberto, oito meses depois – e quase 12 desde o início da pandemia de covid-19 –, a resposta está clara: a redução de espaços corporativos é uma realidade.

O movimento das empresas se reflete diretamente nos dados deste mercado. De acordo com a empresa americana especializada em imóveis corporativos JLL, a taxa de disponibilidade de espaços em edifício corporativos saltou 50% do primeiro para o último trimestre do ano passado: o total de imóveis do tipo sem inquilino, que era de 13,6% entre janeiro a março, no pré-pandemia, fechou 2020 acima dos 20%.

E a própria JLL avisa, em seu mais recente relatório sobre escritórios, que a situação tende a se agravar neste ano, tanto pela adoção massiva do home office quanto pela contínua inauguração de novos edifícios em São Paulo – o mercado que serve de termômetro para a situação em todo o País deve ampliar a oferta de espaços corporativos em mais de 200 mil metros quadrados em 2021. E há capitais em situação pior: no Rio de Janeiro, a taxa de vacância desses edifícios está em 40%.

DEVOLUÇÕES PARCIAIS E TOTAIS
A “onda” de devoluções de escritórios é generalizada. Inclui grupos tradicionais – como a companhia aérea Latam, que fez um relevante corte de mão de obra na pandemia, e o setor bancário, com movimentos do Banco do Brasil e do Itaú Unibanco – e se espalha, em efeito cascata, por negócios de médio porte. Um aspecto, no entanto, está claro: a vida profissional no pós-pandemia vai ter um componente forte de home office.

Segundo Roberto Patiño, diretor da JLL, um terço da força de trabalho total, em média, deve trabalhar prioritariamente de casa – ele baseia essa previsão nas conversas que tem tido com empresas. Em negócios menores, que não dependam tanto da interação com o cliente, o corte dos espaços físicos pode ser mais radical. O Estadão, nas últimas semanas, conversou com empresas que já reduziram seus escritórios em 40%, 50% e até 100% – sem previsão de retorno.

Segundo Patiño, além de devolverem escritórios, as empresas também vão revisar seus espaços: logo, os donos de prédios corporativos, que sempre apostaram em grandes metragens para empresas de renome, terão de revisar sua operação: isso porque, com boa parte das equipes trabalhando em home office ao menos parcialmente, haverá cada vez mais demanda por espaços de trabalho flexíveis, e não apenas no modelo de compartilhamento já adotado por companhias como o WeWork.

REFORMA PARA ADAPTAÇÃO AOS NOVOS TEMPOS
Algumas empresas que já começaram a reduzir espaços estão adaptando as antigas estruturas para transformar espaços que tinham estações de trabalho individuais em ambientes compartilhados. É o caso do banco BMG, que tem 1,1 mil funcionários. Segundo Alexandre Winandy, diretor de transformação organizacional do BMG, a instituição abriu mão de 33% do espaço que aluga em uma das regiões mais caras da capital paulista: a Avenida JK, no Itaim.

Um dos andares está sendo adaptado para receber salas de reuniões híbridas, cabines para chamadas telefônicas e armários para que as pessoas guardem seus pertences – que deverão ser recolhidos ao fim de cada dia. Winandy diz que a decisão de partir para a reforma do escritório, que deve ficar pronto em maio, foi apoiada por pesquisas que mostram satisfação de 94% dos trabalhadores com o home office e um índice de 86% que afirmaram ter mais qualidade de vida com o trabalho retomo.

A empresa de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg FS Security, assim como o BMG, percebeu que poderia acomodar seus 125 funcionários – o mesmo número do início de 2020 – em um espaço menor: nesse caso, o corte foi maior, de 50%. “Não foi difícil fazer a companhia funcionar no home office. Mas acreditamos que ainda é importante ter um espaço para ideação de soluções. Esse é um processo muito mais rico quando feito de forma presencial”, diz Carlos Alberto Landim, presidente da FS.

HOME OFFICE, UMA ALTERNATIVA DE ECONOMIA
Na Afferolab, consultoria de educação corporativa com 350 funcionários, a maior parte dos escritórios virou coisa do passado: com equipes no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Juiz de Fora (MG), a companhia estava relativamente adiantada em relação ao home office antes da pandemia, pois já permitia que seus colaboradores ficassem um dia por semana em casa. “Mas havia certa resistência da liderança, que ainda operava no modo ‘comando controle’”, lembra Leonardo Bar, presidente da companhia.

Com a redução dos negócios trazida pela pandemia, uma vez que boa parte das empresas cortou custos com treinamentos, o home office virou não apenas uma forma de organização válida para a Afferolab, mas também uma opção de redução de custos para “segurar” demissões. Por isso, o escritório do Rio foi fechado, enquanto o paulistano acabou reduzido à metade. A economia anual passa de R$ 1,2 milhão.

Enquanto a Afferolab ainda manteve uma parcela de seus escritórios, a startup de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg Blu foi além: devolveu 100% do espaço que ocupava – zerando custos com aluguéis. “Nós nos perguntamos: será que o nosso negócio funciona nesse modelo? E a resposta foi sim: ele até melhora”, diz Luís Marinho, cofundador da Blu. A decisão de fechar os escritórios veio diante da reação da equipe, que hoje tem 400 pessoas, à reabertura temporária dos escritórios, ainda em 2020: “A demanda foi zero.”

Foi na Quarta-Feira de Cinzas, em 26 de fevereiro de 2020, que a consultoria LacLaw mudou para seu novo escritório. Após fechar contrato em janeiro e de um curto período de reforma, a empresa ampliou seu espaço corporativo de 300 para 570 metros quadrados. Três semanas depois, veio o lockdown – e a LacLaw, que nunca tinha trabalhado remotamente antes nem tinha planos de fazê-lo, foi “jogada” no home office.

Em meio às mudanças na cobrança de impostos instituídas pelo governo em meio à pandemia, a empresa teve de ampliar o total de funcionários para dar conta da demanda: passou de 68 para 100 colaboradores, entre março de 2020 e janeiro de 2021. Enquanto isso, o andar locado na região da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, continuou vazio. O “escritório dos sonhos” terminou por ser abandonado.

“Resolvemos devolver o imóvel para fazer uma reserva de caixa”, diz Flávio Lopes de Almeida, sócio da LacLaw. “O aluguel representava 20% dos nossos custos – e hoje o custo é zero.” O consultor não descarta o aluguel de um novo escritório em um futuro pós-vacina. Mas adianta que ele será adaptado à nova realidade da empresa. Ou seja: será muito menor do que o anterior.

Escritórios múltiplos viram tendência em grandes empresas
Companhias como a Qualicorp terão mais de uma sede para diferentes equipes; empresa também definiu equipes que trabalharão 100% remotamente

Uma tendência que começa a se desenhar na capital paulista, na vida pós-home office, é a de múltiplos escritórios para uma mesma empresa. Segundo Roberto Patiño, diretor da JLL, companhia especializada em propriedades corporativas, esta será uma forma de reduzir deslocamentos dos funcionários e também de economizar com aluguel. Isso porque, assim como a taxa de disponibilidade de imóveis pode variar muito entre as regiões de São Paulo – de módico 1% a trágicos 55% –, os preços são bastante díspares entre os bairros.

“A gente está vendo um momento de disrupção, um processo de aprendizado forte e muito rápido durante a pandemia. O home office é uma possibilidade bastante forte, que está sendo calibrada, assim como a descentralização dos escritórios”, diz Patiño.

A administradora de planos de saúde Qualicorp está testando novas formas de trabalhar com sua equipe de 2,3 mil funcionários – chamados internamente de “Qualis”. “Tivemos muita segurança em mudar porque o nível de avaliação favorável ao home office que tivemos em pesquisas internas foi de 98%”, explica Flávia Bossolani, diretora de pessoas e cultura da companhia.

O processo de apostar em um nível bastante elevado de trabalho remoto permitiu que a empresa devolvesse 12 dos 15 andares que ocupava anteriormente em sua principal sede – o que resultou na redução do espaço total em mais de dois terços. Agora, a sede terá apenas 436 posições de trabalho disponíveis.

A redução de escritórios, no entanto, deverá ser da ordem de 40%, explica a executiva. Isso porque a empresa está criando uma estrutura de trabalho separada, em outro local, denominada “espaço do corretor”, que será dedicada aos vendedores.

TRABALHO EM CASA, PARA SEMPRE
Assim, grande parte dos trabalhadores da Qualicorp vai ficar em casa a maior parte do tempo, com presença no escritório permitida uma ou duas vezes na semana. Alguns times, como os de atendimento ao cliente, deverão ser 100% remotos – ou, no termo usado pela Qualicorp, “home based”.

A companhia fez 800 contratações durante a pandemia, sendo que algumas pessoas já entraram nessa nova modalidade. É o caso do supervisor de relacionamento Orlando João do Nascimento, de 38 anos, que entrou na companhia há seis meses.

Agora confinado à sua “casa/escritório” por causa da pandemia, Orlando tinha planos bem diferentes para 2020. Depois de ser desligado do emprego anterior, no fim de 2019, programou-se para um ano sabático. “Queria viajar, colocar a mochila nas costas, ganhar o mundo.” Quando deu por si, após a explosão do coronavírus, viu-se sozinho e sem emprego. Decidiu voltar ao mercado de trabalho.

“Como eu moro sozinho, estava me sentindo muito só nessa pandemia. E assim que eu arranjei emprego, mesmo estando distante, eu não me senti mais sozinho”, conta. Além disso, ele gastaria cerca de duas horas no transporte coletivo para ir de São Miguel Paulista, onde mora, ao escritório central da Qualicorp. “Agora, eu acordo às 9h30, faço meus exercícios, tomo café da manhã e estou pronto para trabalhar às 11h. Se puder continuar assim, eu continuo.”

O ESTADO DE S. PAULO

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