Número representava 17,9% da população em 2021, segundo maior patamar já registrado desde 2012
Por Cássia Almeida e Roberta de Souza* — Rio
No Brasil, 38,7 milhões de pessoas vivem em lares sem qualquer renda do trabalho, nem informal. Elas representavam 17,9% da população em 2021, o segundo maior patamar já registrado desde 2012. Só perde para 2020, quando o isolamento social para evitar a propagação da pandemia impediu que parte relevante dos trabalhadores, principalmente os informais, conseguisse trabalhar.
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— Apesar da melhoria recente, nunca se trabalhou tão pouco assim. Isso significa que uma série de pessoas está vivendo exclusivamente de rendas assistenciais, estratégias precárias e previdência de baixa remuneração. A renda informal não retornou para as famílias no mesmo nível de antes. São menos recebedores, com renda menor e vínculos mais frágeis — afirma o sociólogo Rogério Barbosa, professor do Iesp/Uerj, que fez o levantamento.
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Além de ganhos com o trabalho, as famílias podem receber aposentadorias, pensões, benefícios sociais, aluguéis, juros e dividendos. A maior parte tem remuneração do trabalho, que costuma corresponder a 75% da renda familiar. Mas há 2% da população, cerca de 4 milhões de pessoas, que não recebem qualquer tipo de remuneração.
Esse percentual dobrou em relação a 2012 e representa a maior parcela já registrada de brasileiros sem qualquer tipo de renda.
É o caso de Rose Souza, de 47 anos, que está desempregada há dois anos. Ela mora com seu filho Gilson, de 30 anos, em Rio das Pedras, no Rio de Janeiro. Gilson já trabalhou como pizzaiolo e ajudante de pedreiro, mas está sem serviço há dois meses.
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Ela só conta com a ajuda de R$ 100 que a filha lhe dá. Rose precisou parar de trabalhar vendendo pastéis e biscoitos no ponto de ônibus por causa da artrose, que lhe causa muitas dores. Com os R$ 100, Rose compra a comida.
— Com R$ 100 não dá para comprar quase nada. Eu vou levando como dá, um dia tem arroz e feijão, no dia que não tem, eu como arroz com farinha — conta Rose, que trabalhou desde os seis anos de idade no interior de São Paulo, colhendo café na lavoura. Atualmente, ela está tentando se aposentar, mas antes precisa acertar as pendências de parcelas com o INSS.
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— Ainda faltam cinco parcelas para o meu benefício ser liberado. Como nunca sobra o dinheiro para pagar, eu ainda não consegui a aposentadoria — explica.
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Ela tentou se inscrever no Programa Auxílio Brasil, mas como o posto para o cadastro estava muito cheio Rose não conseguiu.
Sem geração de emprego
Ela também entra na estatística de desemprego de longa duração. No segundo trimestre deste ano, havia 3 milhões de desempregados que procuram vaga há dois anos ou mais, o que corresponde a 29,6% dos desocupados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
— Muitas pessoas perderam o pouco capital que tinham, coisas simples, como uma barraca, um carrinho de pipoca para conseguir se manter ou pelo menos alugar. Durante a pandemia, sem fonte de recurso, tiveram que vender esse capital. Essas famílias estão vivendo uma situação muito difícil —afirma Naercio Menezes Filho, diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância do Insper e professor da USP.
Ele lembra que está havendo uma transição no mercado de trabalho, com as tarefas simples, rotineiras, manuais sendo feito por máquinas e inteligência artificial. Os empregos formais estão sendo criados para tarefas não repetitivas, que exigem capacidade de negociação e análise:
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— São pessoas que não têm essas habilidades, não tiveram formação de ensino médio, não tiveram oportunidades, nasceram nos anos 1970, 1980, sem assistência social, educação, universidade, não conseguiram desenvolver as habilidades cognitivas. Muitas perderam o pouco que tinham e, ao mesmo tempo, houve essa mudança no mercado. Vai ter um grupo que não vai retornar ao mercado, vai se desengajar definitivamente, principalmente as pessoas mais velhas.
Ele cita como exemplo de transformação do mercado o call center, no qual atendentes estão sendo substituídos por robôs, o que está afetando mais o emprego na Região Nordeste. Lá, 25,7% da população vivem em domicílios sem renda do trabalho. Entre os ocupados na região, 57,1% são informais.
— Há uma estratificação regional, o trabalho só tem aumentado no Sul e Sudeste. No Nordeste está estagnado. A desigualdade regional aumentou — diz.
É uma tendência oposta a que se verificava entre os anos 2000 até meados de 2010, observa o sociólogo Pedro Ferreira de Souza, antes da recessão de 2015 e 2016. Houve uma recuperação em seguida, mas muito tímida e beneficiando “a metade de cima da distribuição de renda”:
— Está na contramão da tendência anterior, quando houve ganho de renda na base da pirâmide. Nos anos 2000, 2010, a geração de emprego formal foi com salários próximos do mínimo, em setores que absorvem mão de obra menos qualificada, como construção civil e comércio. Depois da recessão, essa geração de emprego na base parou.
Para Naercio, é um grupo que vai depender de benefícios sociais, como Auxílio Brasil. Souza avalia que esse contingente deve passar a viver entre ocupações intermitentes, saindo e entrando na pobreza.
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—A renda dos 20% mais pobres caiu muito e nunca mais se recuperou nem voltou ao patamar que estava em 2012 — diz Souza.
É o caso da família de Patricia Nunes, de 41 anos, que mora com o marido, Fábio de Oliveira, e três filhos, Beatriz, de 16 anos, Daniel, de 18 anos, e Bruno, de 21 anos, em Queimados, no Estado do Rio. Eles vivem somente com o Auxílio Brasil de R$ 600. Por causa da doença do filho mais velho, Patrícia teve de abandonar o trabalho. Ela ajudava a prima a fazer comida para vender quentinha em Santa Tereza, bairro no Centro do Rio.
Cozinhando com lenha
No início de 2020, o marido de Patrícia sofreu um acidente na obra em que trabalhava informalmente com o pai. Não conseguiu outra ocupação desde que se recuperou. Esporadicamente, aparece serviço de ajudante de pedreiro. Sem dinheiro para o gás, a família tem cozinhado com lenha.
— O auxílio não é suficiente para pagar as dívidas e colocar comida em casa para o mês todo. Ainda bem que aqui no bairro eu tenho alguns conhecidos que vendem comida a prazo, então eu consigo pegar e pagar só no outro mês. Quando o dinheiro do auxílio é liberado, pago as dívidas, mas já sou obrigada a fazer outras porque sempre falta algo — conta Patrícia, que teve a carteira assinada pela última vez em 2015.
Naercio diz que o caminho é investir na infância, transferir mais recursos para as famílias com crianças. Com a pandemia, aumentou o analfabetismo entre as crianças:
— Não adianta ficarmos correndo atrás do que deu errado. Temos que investir nas crianças para que se desenvolvam.