Lula baixa o tom sobre reforma trabalhista

Por Ricardo Mendonça 

Ao apresentar a atualização de um documento de diretrizes de seu futuro plano de governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ser preferível fazer um programa moderado a exagerar nas promessas. “A gente não pode ser irresponsável de colocar coisa que a gente sabe que não irá conseguir implementar”, afirmou. “É importante que a gente coloque o menos para fazer o máximo, não o máximo para fazer menos”, completou.

Na redação do novo documento, com o aval de todos partidos aliados ao PT (PSB, Solidariedade, PV, PCdoB, Psol e Rede), alguns pontos foram amenizados em relação ao documento petista de diretrizes do governo divulgado há alguns dias. A promessa de revogação da reforma trabalhista, que era explícita no documento anterior, por exemplo, foi substituída pelo compromisso de “uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social […] revogando os marcos regressivos da atual legislação”.

Trata-se, segundo o ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador do trabalho, do “ponto de partida” para as propostas a serem apresentadas na campanha.

Entre os aspectos destacados por Lula está a necessidade de “reconstruir nosso pacto federativo”. Ele afirmou que, se eleito, um de seus primeiros atos será reunir os 27 governadores para tratar do assunto.

Outra ênfase foi na proposta de geração de empregos. “Vai chegar o momento em que alguém terá que ter responsabilidade pelo emprego. Quem será? O Estado”, afirmou. Lula comparou o papel do Estado na geração de empregos ao esforço de governos de vários países no combate à pandemia de covid-19.

Combate à fome foi outro ponto destacado em sua fala. “As coisas que a gente coloca aqui [no documento] de acabar com a fome nós já provamos que é possível. Já mostramos que é possível acabar com a inflação”, afirmou.

O petista falou ainda na necessidade de uma nova orientação para o Orçamento da União. Prometeu construir uma plataforma que permita participação popular na elaboração da peça. “Não dá para reconstruir esse país com o orçamento secreto”, criticou.

Lula destacou experiência do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), pré-candidato a vice em sua chapa. “Então não vamos ter problema para executar nosso programa”, disse. “Nós não precisamos de tempo para aprender.”

O partido selecionou eixos de maior destaque nas diretrizes. Além da “urgência no combate à fome”, lista retomada do investimento “para alavancar crescimento e gerar emprego”, fim do teto de gastos, combate à inflação, fortalecimento da Petrobras, combate ao desmatamento, proteção aos povos indígenas, democracia, soberania e “reinserção do Brasil no mundo”.

Pelos próximos dias, uma plataforma digital gerida pelo PT receberá sugestões de propostas que, após analisadas e aprovadas, serão incorporadas ao plano de governo desde que estejam de acordo com as diretrizes.

Lula aproveitou o discurso para fazer críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Ele classificou como “coisa absurda” a ideia de uma CPI da Petrobras e acusou o rival de tentar “jogar a responsabilidade de sua incapacidade em cima dos outros”. Disse que Bolsonaro poderia reduzir o preço dos combustíveis com “uma canetada”, mas não age para proteger os lucros dos acionistas. A afirmação de Lula é discutível. Ontem, em Brasília, o ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, afirmou que marcos legais impedem que o acionista majoritário determine livremente a política de preços de uma empresa de capital aberto.

Lula afirmou na sequência que governar é mais difícil que vencer eleição: “Não estamos vivendo período de normalidade. Parece que teve terremoto e muita coisa virou de ponta cabeça. Estamos num processo para entender tudo o que aconteceu e tudo o que poderá acontecer”, afirmou.

Lula chamou Bolsonaro de “cidadão desequilibrado” e o criticou por desprezar a ciência e não ter sido “capaz de derrubar uma lágrima” pelos quase 700 mil que morreram de covid no Brasil.

Depois de chamar Bolsonaro de “desumano”, lembrou de um passeio de “jet ski” do presidente em Santa Catarina enquanto pernambucanos choravam por mais de uma centena de pessoas mortas em decorrência de chuvas.

O evento também foi marcado por dois incidentes. No mais grave, três homens invadiram o salão em que Lula discursava para insultá-lo. Com um celular na mão, um deles tentou se aproximar do petista e foi contido por assessores. O rapaz chamou o ex-presidente de “corrupto” e dirigiu algumas palavras a Alckmin.

Para entrar no evento, que era fechado ao público e à imprensa, os três usaram nomes falsos, informou a assessoria do PT.

Essa foi a terceira provocação registrada em eventos com Lula desde maio. Dias atrás, em Uberlândia (MG), um drone despejou um líquido de mau cheiro em apoiadores. Três pessoas foram detidas. No início do mês passado, o carro que levava Lula em Campinas teve que desviar de um grupo de bolsonaristas que xingavam e tentavam cercá-lo.

O outro incidente de ontem foi um protesto protagonizado pelo vereador Eduardo Suplicy. Ele interrompeu Mercadante para reclamar por não ter sido convidado e protestar pela ausência da proposta de renda básica de cidadania na lista de diretrizes.

Contrariado, Mercadante disse que não teve como acompanhar todos os convites, pois não era sua função, e mostrou que a renda básica de cidadania consta do documento, sim. Aparece no item 20 como evolução do Bolsa Família.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/22/lula-baixa-o-tom-sobre-reforma-trabalhista.ghtml

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