Quem planeja uma reforma tributária deve levar em conta, para começar, pelo menos três perguntas: 1) de quanto dinheiro o Estado precisa para cumprir as funções desejadas pela sociedade?; 2) como distribuir esse encargo de forma equitativa, sem sacrificar os menos abonados?; e 3) como cobrar tributos sem prejudicar o crescimento econômico, ou, se possível, como tributar e ao mesmo tempo estimular a produção e a eficiência? Por esses critérios, as propostas enviadas pelo governo federal ao Congresso estão longe de ser uma reforma. Têm caráter eleitoreiro, podem atender a necessidades fiscais imediatas e passam longe de qualquer projeto de modernização econômica e de expansão do potencial produtivo.
É possível, no julgamento mais favorável, apontar detalhes positivos na proposta. Há uma tentativa de redistribuir o peso da tributação, com algum alívio para quem ganha menos. Mas seria preciso ir muito mais longe para consertar um sistema amplamente caracterizado pela má distribuição dos encargos, ou, em linguagem mais direta, pela injustiça. A mudança dos níveis de isenção e de progressividade das alíquotas, no caso do Imposto de Renda da pessoa física, é apenas uma tentativa de consertar uma tabela amplamente desatualizada. Tenta-se, naturalmente, compensar esse alívio em outros pontos do projeto.
Também correta, em princípio, é a ideia de cobrar imposto sobre dividendos e aliviar a tributação do lucro empresarial. Bem aplicado, esse tipo de mudança torna menos injusto o sistema, tributando o ganho empresarial distribuído aos acionistas e favorecendo a preservação e a reaplicação do capital produtivo. Contemplam-se ao mesmo tempo, nesse caso, o crescimento econômico e a equidade distributiva. Mas há críticas à calibragem do tributo sobre os dividendos.
Outros detalhes do encargo imposto às empresas também são criticados. Além disso, há uma reação, perfeitamente previsível, à cobrança de imposto sobre os ganhos financeiros. Protestos setoriais são esperados, quando se alteram as condições de cobrança, e haverá tempo, supostamente, para a discussão de todos os detalhes. Economistas, advogados tributaristas, administradores financeiros, políticos, lobistas e representantes do Ministério da Economia poderão examinar e debater cada ponto da proposta apresentada ao Congresso.
Mas essa discussão, com o confronto de múltiplos interesses e múltiplos pontos de vista, será insuficiente para a geração de uma verdadeira reforma tributária, se faltarem a exploração e a articulação daquelas três questões básicas.
O Executivo federal deveria ter liderado esse esforço, mas, até agora, ficou longe dele. O Ministério da Economia apenas propôs, inicialmente, a fusão do PIS/Pasep e Cofins. Ensaiou, durante algum tempo, negociar a recriação, sob algum disfarce, do chamado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas essa tentativa foi aparentemente abandonada por algum tempo.
Qualquer tentativa séria de reforma teria de tratar também dos tributos cobrados por Estados e municípios, incluindo especialmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte própria de receitas estaduais.
Esse imposto, o mais pesado para os consumidores, é importante fator de iniquidade tributária. Além disso, é amplamente disfuncional, podendo variar entre Estados, complicando a gestão empresarial, facilitando guerras fiscais e encarecendo perigosamente a produção. O sistema de créditos tributários é incapaz de eliminar o efeito do ICMS sobre os custos. Trata-se, enfim, de um encargo prejudicial à competitividade internacional e, portanto, incompatível com a integração eficaz do Brasil no mercado global.
Nenhuma proposta resultará numa verdadeira reforma sem incluir o ICMS. Qualquer projeto sério deveria tratar desse imposto e, muito provavelmente, fundi-lo com os tributos federais indiretos. Até aqui, o Executivo federal preferiu isentar-se dessa tarefa, negando uma importante contribuição ao desenvolvimento.
O ESTADO DE S. PAULO