Folha de S. Paulo – editorial – 08/10/2021 –
A cultura cartorial perpassa todas as áreas de atuação do Estado brasileiro, mas talvez seja na esfera tributária que a burocracia se mostre mais onerosa para a produção e a geração de riqueza. O problema se agravou nas últimas décadas —e sem uma racionalização urgente o país não romperá o padrão atual de baixo crescimento.
Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento tributário (IBPT), por ocasião dos 33 anos da Constituição, completados no último dia 5, apresenta triste panorama. Segundo o instituto, apenas no âmbito empresarial existem 4.626 normas tributárias em vigor, que abarcam 51.945 artigos, 121.033 parágrafos e 386.993 incisos.
Não é apenas o gigantismo das regras que inferniza a vida das empresas, mas sobretudo o caos legislativo e a rapidez com que são produzidos novos normativos, não raro contraditórios entre si.
O estudo indica que desde 1988 foram editadas 443.236 regras fiscais nas esferas federal, estadual e municipal. Cada ente conta com ampla liberdade para legislar sobre o assunto, sempre invocando a autonomia federativa.
Estados e municípios acabam definindo regras diferentes para tributos da mesma natureza —e abusando da criatividade em obrigações acessórias que atormentam os contribuintes.
Toda a estrutura de pessoal e sistemas para lidar com o cipoal de normas custa, de acordo com o IBPT, R$ 180 bilhões por ano. Mesmo assim, nem mesmo as empresas que dispõem dos melhores e custosos advogados podem ter certeza de que estão em dia com suas obrigações. Não por acaso, um trabalho do Insper estima que contenciosos originados pela Receita Federal chegam a R$ 5,4 trilhões (ou 75% do PIB).
Simplificar e modernizar as regras dos impostos que incidem sobre bens e serviços é imperativo, portanto.
As mudanças necessárias são conhecidas, mas sempre difíceis de implementar por objeções setoriais, que em sua visão particularista falham em perceber que todos ganhariam com uma reforma que destravasse investimentos.
O debate tem avançado, felizmente, mesmo com a falta de empenho do governo federal. A criação de um imposto único sobre o valor agregado, com cobrança no destino do produto, seria a melhor solução, mas esbarra nas demandas por compensações regionais, que recairiam sobre a União.
Se preciso for, para vencer esse obstáculo cabe considerar a opção do chamado IVA dual, que tramita no Senado, com uma cobrança federal e outra que agrupe o ICMS estadual e o ISS municipal.
A dúvida é se uma proposta dessa complexidade, a envolver tantos interesses, conseguirá prosperar a despeito da escassez de liderança e articulação em Brasília.