Em decisão inédita, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), do Rio de Janeiro, negou um recurso da Uber e manteve a determinação para realização de uma perícia técnica no algoritmo do aplicativo para verificar se há ou não vínculo empregatício entre a plataforma e os motoristas.
Os algoritmos são as fórmulas que mostram as funções operacionais dessas ferramentas tecnológicas, incluindo aquelas de transporte individual de passageiros.
Um motorista parceiro da Uber ajuizou uma reclamação trabalhista, pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício. Na primeira instância, o juiz acolheu pedido do trabalhador e determinou a perícia no algoritmo dentro da produção de provas do processo.
Mas a Uber recorreu da decisão, e ingressou com um mandado de segurança no TRT-1, que foi negado.
A Uber alegou que o algoritmo é um segredo industrial e presencial, e que seu acesso por terceiros “pode trazer prejuízos imensuráveis ao seu negócio”.
Na decisão, o colegiado avaliou que a própria Uber poderia ter pedido ao juiz de primeira instância para que o processo fosse mantido em segredo de Justiça, para evitar a exposição do algoritmo a terceiros não autorizados.
“Diante da instauração do segredo de Justiça, não há qualquer dano à imagem e ao negócio da impetrante, considerando a restrição de acesso ao objeto periciado e as responsabilidades cíveis e criminais afetas a todos os envolvidos”, afirma.
Decisão inédita
Para Fabriccio Mattos do Nascimento, advogado trabalhista do Gameleira Pelagio Fabião e Bassani Sociedade de Advogados, a decisão é inédita na medida em que nunca a Justiça do Trabalho havia determinado uma perícia nos dados internos de uma plataforma, incluindo de transporte individual de passageiros:
— É a primeira vez que vai ser periciado um algoritmo de uma plataforma no Brasil. O objetivo é determinar se existe ou não subordinação. A classificação sobre a subordinação é o juiz. Mas como funciona o algorítmo, se o aplicativo força o colaborador a permanecer logado, se ele pode ser punido quando está parado há muito tempo e o comportamento da plataforma. O objetivo é saber se a plataforma está controlando o colaborador — destacou Fabriccio Mattos.
Rodrigo Takano, sócio da área Trabalhista do Machado Meyer Advogados, avalia que a decisão põe em risco os negócios da plataforma:
— É ineficaz e de difícil produção e põe em risco o sigilo e o segredo de um negócio. A perícia só é necessária e deve ser realizar por um técnico para atestar e declarar determinanda situação. Nesta decisão sobre a Uber, chama a atenção sobre que tipo de técnico poderia declarar que há subordinação entre patrão e empregado, olhando para um algoritmo. Ou seja, quem vai declarar que houve subordinação em relação a um programa de computador? — questiona o advogado.
Flavio Aldred Ramacciotti, sócio do escritório Chediak Advogados, especialista em Direito do Trabalho, lembra que, embora algumas decisões de tribunais regionais tenham reconhecido o vínculo empregatício entre os motoristas e a empresa Uber, em instâncias superiores, o entendimento é que não há este tipo de relação trabalhista:
— Há decisões do TST que não reconheceram o vinculo empregatício entre motorsta e Uber. É uma questão que está sendo discutida no mundo inteiro — afirma Ramacciotti.
Questionada, a Uber informou que vai recorrer da decisão “proferida de forma não unânime pelo TRT da 1ª Região, que representa um entendimento contrário ao já manifestado pelo Tribunal Superior do Trabalho”.
A empresa lembrou que, em outubro de 2020, o ministro do TST Aloysio Silva Corrêa Da Veiga se manifestou sobre esse mesmo caso e afirmou que a decisão viola as regras concorrenciais, o segredo de negócio e a proteção de patentes e propriedade intelectual da empresa.
Maioria não reconhece vínculo
Em todo o país, já são mais de 900 decisões afirmando que não existe relação de vínculo empregatício de motoristas com a Uber. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em dois julgamentos recentes, avaliou que não existe vínculo de emprego entre a empresa e os motoristas.
Em fevereiro, a Quinta Turma afastou o reconhecimento do vínculo considerando flexibilidade do trabalhador “em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender”.
Em outro julgamento, a Quarta Turma manifestou que está “fixado o entendimento” no Tribunal de que o trabalho pela plataforma não atende aos critérios de relação de emprego previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já julgou a questão, por duas vezes, observando que o motorista é autônomo e que não existe relação de emprego com a Uber, uma vez que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa, porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.
O GLOBO